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segunda-feira, 8 de janeiro de 2024

Jogo em aberto - Revista Oeste

J. R. Guzzo

Depois de um ano de governo Lula-STF, muita gente tem a impressão de que o Brasil está chegando ao fim da linha. Mas o retrato de hoje pode não mostrar a realidade de amanhã


Foto: Shutterstock 

“A única diferença entre mim e um louco”, costumava dizer o pintor Salvador Dalí a respeito de si próprio, “é que eu não sou um louco”
Talvez seja o caso de dizer alguma coisa parecida a respeito da desordem em que Lula, o STF e as neuroses da esquerda meteram o Brasil após seu primeiro ano de volta ao governo — o que leva muita gente boa a flertar, de tempos em tempos, com a depressão. “A única diferença entre o Brasil e a Venezuela de hoje”, também se poderia observar, “é que o Brasil não é a Venezuela”. A obra de destruição que eles vêm fazendo contra a sociedade brasileira leva, constantemente, a essa espécie de comparação. 
Mas será mesmo assim, no mundo das realidades? 
Não está claro. Em primeiro lugar, não se sabe se é isso mesmo o que o consórcio Lula-STF quer. 
Seu empenho, na maior parte do tempo, é ficar no governo, seja lá o tipo de governo que for — e continuar vivendo de um Erário que arrancou dos brasileiros, no ano passado, R$ 3 trilhões em impostos. 
Mais ainda, não se sabe se conseguiriam. 
Transformar um país em Venezuela é uma coisa — se esse país é a Venezuela. É outra coisa, muito mais complicada, se o país é o Brasil.
 
O que o consórcio realmente gosta, em matéria de Venezuela, é a ditadura — o resto é a ver, incluindo-se neste resto toda a embromação sobre socialismo, comunismo, “igualdade” e outras fumaças
Na verdade, não é nem mesmo a ditadura, e sim as vantagens materiais que ela oferece. Um regime sem lei como o que está sendo imposto hoje ao Brasil permite, por exemplo, a atuação de um Dias Toffoli no STF — e um Dias Toffoli no STF quer dizer, em moeda sonante, que aqueles R$ 10 bilhões que a sua empresa tinha a obrigação de pagar ao Tesouro Nacional para se livrar de cinco ações penais por corrupção ativa não precisam mais ser pagos. 
Pode significar, também, a anulação das provas físicas do pagamento de propinas por parte de outra empresa, como a confissão de culpa dos acusados e a devolução de dinheiro roubado
Um negócio desses, para ficar por aqui, não tem preço — ainda mais quando se considera que uma advogada do escritório que livrou a empresa de pagar os 10 bi é a mulher do próprio Toffoli. 
Quando a ordem jurídica não existe mais, dá para fazer esse tipo de coisa o tempo todo — e, aí, quem precisa de Venezuela? O socialismo, e a Venezuela, a gente vê depois.

O STF pode “empurrar a história”, como diz o ministro Luís Barroso, ou deixar um preso morrer na cadeia por falta de tratamento médico adequado, como fez o ministro Alexandre de Moraes. 
O presidente da República pode continuar dizendo que o problema mais sério do Brasil é cuidar dos “indígenas”, dos “quilombolas” e das “mulheres” — ou desfilar pelo mundo torrando fortunas e falando bobagem. Podem estar acontecendo, enfim, essas coisas todas que fazem tanta gente dizer: “Isso aqui virou uma Venezuela”. 
Mas o fato é que falta muito chão para se chegar lá; um ano de governo, em todo caso, não parece suficiente para o tamanho da obra. 
O consórcio Lula-STF, sem dúvida, está tendo muito sucesso para impedir que a economia cresça de verdade, como não tem crescido há 30 anos. Mantém a maior parte da população brasileira na sua situação de apartheid social permanente. 
Acima de tudo, garante o conforto das castas que só prosperam com o subdesenvolvimento
Mas a sua capacidade instalada para promover o atraso tem limites. 
A um certo ponto, e o Brasil chegou a este ponto, o governo não consegue mais destruir o sistema produtivo, nem os mecanismos que o fazem funcionar.

O PIB brasileiro, hoje, chegou aos US$ 2 trilhões; já poderia ter chegado ao dobro, ou sabe-se lá quanto, mas o fato concreto é que os 2 tri estão aí, e isso é simplesmente 20 vezes mais que o PIB atual da Venezuela.  
Não deveriam ter deixado que a coisa chegasse a esse tamanho. Tinham de ter começado a cuidar do “socialismo” uns 50 anos atrás, ou mais; agora é tarde para colocar a pasta de dente de volta no dentifrício, como diria a “Economista do Ano” Dilma Rousseff. 
Alexandre de Moraes pode muito, é claro, mas é duvidoso que consiga fazer US$ 2 trilhões virarem vapor.  
Também não vai acabar, abrindo um inquérito policial, com o maior avanço que a economia brasileira teve em sua história contemporânea. 
Foi a revolução agrícola que transformou o Brasil num dos dois ou três maiores produtores de alimentos do mundo. 
É o que faz Mato Grosso, sozinho, produzir mais soja que a Argentina. Foi o que levou as reservas em moeda forte chegarem aos US$ 350 bilhões o que garante uma independência que o país jamais teve antes. É o contrário da Venezuela. 
É o contrário do Terceiro Mundo, ou do “Sul Global”
É o contrário de Lula e do STF.

...

INTEGRA DA MATÉRIA - GRATUITO - Cortesia Revista Oeste


Foto: Shuttesrtock


Leia também “O silêncio dos censores”

 

 J. R. Guzzo, colunista - Revista Oeste

 

terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

Sugiro aos deputados que voltem a bater ponto em Brasília [trabalhar... outra coisa] - Gazeta do Povo - VOZES

JR Guzzo 

Sessão "presencial"

De volta às atividades para mais um ano legislativo, e agora sob nova gerência, a Câmara do Deputados dá a impressão de que vai examinar pelo menos examinar a possibilidade de reabrir o estabelecimento para sessões “presenciais”, a palavra da moda para definir se alguma coisa está sendo feita de verdade ou não. Uma reunião “presencial”, por exemplo, é uma reunião que realmente acontece, com a presença de seres humanos. Uma reunião “não presencial” pode ser qualquer coisa. Em geral não é nada: não requer a presença de pessoas de carne e osso, e tem funcionado desde o início da epidemia de covid como um excelente recurso para a simulação de atividade.

Sob a nova direção de Arthur Lira (PP-AL), Câmara dos Deputados discute a retomada das sessões presenciais apesar da pandemia de Covid-19. Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

A Câmara, e mais um monte de gente, está sem trabalho “presencial" há quase um ano; os senhores deputados estiveram entre os primeiros brasileiros a fugir do serviço e se converter à religião do “#fique em casa”. Mantiveram intactos, é óbvio, os seus salários, benefícios, passagens aéreas, apartamentos “de função”, funcionários dos gabinetes, carros, motoristas e cada tostão que o regulamento permite. Em troca, vão de vez em quando para a frente do computador e ali apertam uma tecla qualquer para 
cumprir com suas obrigações parlamentares.                            [sobre a religião do "#fique em casa", não podemos deixar de citar outra categoria fervorosa = professores.
Grande
parte dos professores do estado do Joãozinho, após quase um ano de cumprimento integral da política do não comparecimento às escolas, (ficar em casa é outra coisa, afinal com o advento dos celulares, dar aula virtual é possível de qualquer ponto do Brasil.)se declarou em greve para não voltar ao trabalho presencial, real. Tais indivíduos integram a categoria dos 
professores mercenários.

Temos duas categorias de professores: - os mercenários = aqueles que são professores, ou estão, apenas pelo salário que, convenhamos, já foi melhor. Permanecem na profissão com um único objetivo = uma aposentadoria mais favorável.
- Felizmente, grande parte dos professores são os DEDICADOS, os que tem vocação para ensinar e que honram a máxima: PROFESSOR, a PROFISSÃO QUE FORMA TODAS AS OUTRAS. Que pode ser sintetizada: A profissão de professor é a mais importante de todas, porque ele forma do médico ao engenheiro, passando pelos cientistas, nenhuma atividade é tão essencial a uma sociedade como a educação. É por isso também que o professor tem de ser cada vez mais valorizado e respeitado como um mestre.
Estes, obviamente, trabalham por um salário, necessidade presente, mas são movidos principalmente pela dedicação e amor pela arte de ensinar.Estes, em sua maioria, até durante a pandemia,  tentaram reduzir os efeitos maléficos da absurdo fecha tudo.]

Parece estar em discussão, agora, uma proposta para a Câmara voltar às sessões "presenciais”, ou seja, voltar ao trabalho. Nem é preciso dizer que a ideia foi recebida a pedradas por deputados que militam na "Confederação Nacional da Quarentena pelo Tempo que for Necessário". Segundo eles, não haveria condições de garantir a “segurança sanitária” de suas excelências. É mais uma prova, entre tantas que aparecem na vida diária, do sistema de castas que governa este país de forma cada vez mais absoluta – para quem está em cima, como os deputados, tudo, sempre; para quem está em baixo, como 90% da população, nada, nunca.

Não passa pela cabeça dos parlamentares brasileiros (nem dos professores, funcionários públicos de alta linhagem, etc.) que todos os dias quase 8 milhões de pessoas se apertam no metrô e nos trens urbanos de São Paulo, por exemplo, porque precisam trabalhar para ficar vivos. E no resto do país? E em todas as milhares de atividades que não permitem o “trabalho online”? Onde está o precioso “distanciamento social” para eles? E a sua “segurança sanitária”?

A mensagem dos deputados que exigem “sessões virtuais” para si próprios – e de todos os mandarins que pensam como eles – é a seguinte: quem tem de trabalhar que vá para o diabo que o carregue. Eles que se virem e continuem trabalhando dia e noite para garantir o nosso delivery.

Talvez seja melhor, para o seu próprio bem, que os senhores deputados e congêneres não continuem mais muito tempo fora do trabalho. Já não aparecem no local de serviço há um ano. Se quiserem ficar em casa mais um ou dois, ou sabe-se lá quantos, vão deixar o público se acostumar de vez com a sua ausência. Não é uma boa ideia.

JR Guzzo, jornalista - Gazeta do Povo - VOZES


quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

A marca invisível

‘Discriminação positiva’ é o nome bonito que se dá à opção por uma dupla injustiça

Três dias atrás, subitamente, as torneiras e os chuveiros secaram nas residências de dez milhões de habitantes de Delhi. O colapso de abastecimento deveu-se à invasão e sabotagem do Canal de Munak por manifestantes da casta Jat, furiosos com uma decisão da Corte Suprema de proibir a reclassificação oficial do grupo como “casta retardatária”. Não há uma genuína novidade na eclosão da revolta Jat: a política de castas na Índia provoca uma ebulição social tão permanente quanto retrógrada. Cada levante inspira outros, sempre focados na reivindicação de privilégios de grupo. A democracia indiana reduz-se, cada vez mais, a um insulfilme barato destinado a ocultar a falência do princípio da cidadania.

O conceito de casta é muito antigo, mas a política de castas é relativamente recente. As castas existem na vida terrena, mas seu fundamento pende da vida cósmica. Elas são um elemento central no edifício do hinduísmo e se articulam em torno da noção de pureza. Não se trata da pureza de um indivíduo, no seu ciclo biológico de vida, mas de algo mais complexo, expresso na crença do carma. O corpo perece, mas a alma permanece e se transmite através das gerações.

Na Índia, contam-se vários milhares de castas e subcastas regionais. Os Jat, antiga comunidade de agricultores-guerreiros, não eram uma casta no sentido hinduísta tradicional, mas uma fluida confederação formada por clãs. Contudo, desde a colonização britânica, integraram-se aos sistemas de castas das regiões setentrionais do país. A oficialização das castas produziu um modelo identitário mais ou menos uniforme, que oferece oportunidades políticas e, por isso, se sobrepõe às identidades comunitárias pretéritas.

As primeiras codificações legais do sistema de castas originaram-se nos reinos Rajput, no século XVI, como instrumento de controle social dos hindus pelos governantes islâmicos. A estratégia foi copiada, ampliada e refinada pelos britânicos, no século 19, que o utilizaram para estabelecer alianças com grupos nativos “superiores”. O primeiro censo geral da Índia, conduzido em 1872, já continha um modelo de classificação de castas. Depois da independência, os líderes políticos indianos apropriaram-se das classificações coloniais para fazer o jogo da distribuição de vantagens e privilégios.

Em tese, castas não têm lugar na ordem legal da Índia. A Constituição, de 1949, assegura a todos a “igualdade de estatuto e oportunidade”. O artigo 14, moldado pela 14ª emenda da Constituição americana, assegura a qualquer cidadão a “igual proteção da lei”. O artigo seguinte proíbe a discriminação legal com base na religião, na casta, no sexo ou no lugar de nascimento. Mas, contraditoriamente, o texto constitucional inclui um conceito de coletividade de nascimento que representa a negação do proclamado princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei.

No artigo 16, que afirma a igualdade de oportunidade no acesso aos empregos públicos, um parágrafo confere ao Estado o direito de reservar cargos públicos para “qualquer classe retardatária de cidadãos”. Além disso, diversos artigos estabeleceram a reserva de assentos legislativos às “castas retardatárias”. Abria-se, desse modo, uma senda para a introdução das emendas que formam o mais amplo programa da chamada “discriminação positiva” do mundo. De lá para cá, o princípio da igualdade sofreu corrosão profunda, tornando-se pouco mais que um vestígio das grandes esperanças suscitadas pela independência.

A Corte Suprema perdeu a batalha inicial, em 1951, quando invalidou um sistema de cotas na admissão às escolas de Medicina do estado de Madras, apenas para assistir a aprovação parlamentar de uma emenda constitucional que legalizava a reserva de vagas destinadas às “castas retardatárias”. Dali, ao longo das décadas, nasceram os programas federais e estaduais de cotas nas instituições de ensino e no funcionalismo público. Junto com eles, disseminaram-se as reivindicações pela reclassificação de grupos como “castas retardatárias”. Classificados, a partir de indicadores econômicos médios, como uma “casta superior”, os Jat do estado de Haryana exigem um proveitoso “rebaixamento”. Seguem os exemplos de vários outros grupos que obtiveram o mesmo benefício num jogo infinito de pressões políticas, chantagens eleitorais e irrupções de violência.

O princípio da igualdade legal assenta-se na promessa de que todos os indivíduos terão oportunidades decentes na vida. A política da “discriminação positiva” repousa, pelo contrário, na distribuição de privilégios para grupos sociais definidos segundo uma classificação oficial. Os Jat de classe média tendem a ser os principais beneficiários da reserva de vagas no funcionalismo público que seus líderes reivindicam. “Discriminação positiva” é o nome bonito que se dá à opção por uma dupla injustiça. De um lado, ela eterniza a baixa qualidade dos serviços públicos destinados à maioria da população, prometendo compensá-los pelo recurso às cotas. De outro, cria facilidades extraordinárias para o escalão superior da casta alegadamente retardatária.

A cor da pele não distingue as castas. Na Índia, a “discriminação positiva” legitima-se sobre uma marca social invisível. No Brasil, a política de cotas raciais legitima-se sobre uma marca individual mais ou menos visível, que é a cor da pele. A outra diferença é que, entre nós, o princípio legal da igualdade foi renegado por iniciativa da própria corte constitucional. [sem olvidarmos que  cabe ao Supremo guardar e interpretar a Constituição; atribuição descumprida pela nossa Suprema Corte quando decidiu revogar, por descumprimento (tipo: não nos convém, não cumprimos) a determinação constitucional de que 'todos são iguais perante a lei' e permitiu o imoral sistema de cotas raciais.] No mais, o Brasil segue a via trilhada pela Índia. Aqui, como lá, a marca da distinção exige classificações dos cidadãos que reduzem os indivíduos à condição de exemplares de grupos sociais tipificados por meio de atos oficiais. Além disso, crucialmente, a película da “ação afirmativa” disfarça uma persistente exclusão no âmbito educacional que discrimina negativamente os pobres de todas as “castas”.

Por: Demétrio Magnoli é sociólogo