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quarta-feira, 21 de setembro de 2022

O 7 e o 8 de Setembro de 2022 - Revista Oeste

modus operandi j

Tendo fracassado na tática do medo para esvaziar as ruas, os demofóbicos partiram para as desqualificações de sempre

Lula, Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso | Foto: Montagem Revista Oeste/Agência Brasil/Shutterstock
Lula, Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso | Foto: Montagem Revista Oeste/Agência Brasil/Shutterstock

“Não temais ímpias falanges/Que apresentam face hostil/
Vossos peitos, vossos braços/São muralhas do Brasil.”

D. Pedro I e Evaristo da Veiga, Hino da Independência do Brasil

“A elite política do patrimonialismo é o estamento,
estrato social com efetivo comando político,
numa ordem de conteúdo aristocrático.”

Raymundo Faoro, Os Donos do Poder

Dando prosseguimento à série de textos que exploram similaridades entre a Primeira República Francesa produto sociopolítico da ideologia iluminista — e a assim chamada Nova República brasileira — criatura sociopolítica da intelligentsia de esquerda (socialista e social-democrata) culturalmente hegemônica no pós-regime militar —, gostaria de lembrar uma das características mais marcantes do Iluminismo de matriz francesa, raramente mencionada pelos apologistas e pelos saudosistas do movimento. Refiro-me ao elitismo, não raro manifesto numa autêntica demofobia, um sentimento de horror pelo povo concreto, em carne e osso.

De fato, pensadores como Voltaire e Diderot jamais o esconderam. Quando o primeiro dizia, por exemplo, que cabia a “todo homem sensato e honrado” nutrir horror pelo catolicismo, não tinha em mente o homem comum do povo, cuja ignorância, aos olhos de Voltaire, o impedia terminantemente de desenvolver tanto a sensatez quanto a honra. Também Diderot deixava claro que a massa de pessoas comuns não faria parte da nova era científica e racional anunciada pelos philosophes. “A massa genérica de homens não foi feita para promover, nem sequer compreender, essa marcha progressiva do espírito humano”, escreveu em O Sobrinho de Rameau (1805). E foi ainda mais explícito no verbete Multidão” da Enciclopédia: “Desconfie do julgamento da multidão em matéria de raciocínio e filosofia; sua voz é a da malícia, da tolice, da desumanidade, da irracionalidade e do preconceito (…) A multidão é ignorante e confusa (…) Desconfie de sua moral; ela não é capaz de produzir ações fortes e generosas”.

Para Diderot, Voltaire e seus confrades das “sociedades de pensamento”, a população comum era “imbecil” (imbécile) em termos de religião. Enquanto, entre os espíritos superiores, a superstição nacional (i.e., a fé católica) parecia recuar, esse progresso dificilmente chegaria até “o populacho” (la canaille). O povo era demasiado “idiota, bestial, miserável e ocupado” para iluminar a si próprio. “A quantidade de canaille mantém-se sempre mais ou menos estável.”

Segundo essa perspectiva, as luzes da razão estavam restritas a uma pequena elite esclarecida, grupo altamente seleto que, em carta ao amigo Maurice Falconet. Diderot batizou certa vez de “igreja invisível”. 
Como não lembrar da demofobia iluminista ao deparar com as manifestações da aristocracia neorrepublicana brasileira diante do último 7 de Setembro? 
É claro que, no caso brasileiro, nem sempre se mantém a sofisticação vocabular do contexto original, porque a nossa demofobia se manifesta frequentemente ao estilo Justo Veríssimo, imortal personagem de Chico Anysio: “Quero que o povo se exploda!”
Mas não deixamos de ter também os nossos covers de Voltaire, sendo o ministro Luís Roberto Barrosoiluminista confesso e orgulhoso o mais caricato entre eles.  
E foi de Barroso, como se sabe, uma das previsões mais sombrias e histriônicas relativas às celebrações do Bicentenário da Independência. No dia 5 de agosto, em palestra proferida no 17º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo, o nosso Voltaire de Vassouras disse que o 7 de Setembro poderia mostrar o tamanho do fascismo no país. Estigmatizando preventivamente milhões de cidadãos brasileiros, e falando por toda a aristocracia neorrepublicana, Barroso tentou semear o medo para esvaziar as ruas. Fracassou.

A celebração da democracia
Para qualquer pessoa moral e intelectualmente honesta, o 7 de Setembro de 2022 foi um dia histórico, uma celebração da democracia. Nessa data, milhões de brasileiros foram pacífica e ordeiramente às ruas manifestar o seu patriotismo. 
É claro que, em sua maioria, manifestavam também o apoio a Jair Bolsonaro, político que, tanto por méritos próprios quanto por força das circunstâncias, acabou se tornando o representante único da vontade popular de resgatar a bandeira nacional para o centro da política brasileira.  
Resgatar sim, uma vez que, nas mãos da extrema esquerda nacional representada pelo lulopetismo, ela, a bandeira, vivia sendo queimada ou pisoteada como um pano de chão, desprezada em favor das cores e dos símbolos das facções políticas de matriz socialista. 
Mas os integrantes da aristocracia neorrepublicana não viram motivos para celebrar. 
Ao contrário, tendo fracassado na tática do medo para esvaziar as ruas, os demofóbicos partiram para as desqualificações de sempre, segundo o modus operandi já adotado no 7 de Setembro do ano passado.

Assim é que os milhões de brasileiros, que não cometeram um ato sequer de violência ou depredação ao contrário do que invariavelmente ocorre nos protestos da esquerda , continuaram sendo estigmatizados como golpistas, fascistas e nazistas. Sobre eles, tuitou um radical de esquerda fantasiado de jornalista: “As imagens dessa gente doentia nas ruas nesse 7 de Setembro irão perseguir seus filhos e netos como as fotos de apoiadores do nazismo alemão, do fascismo italiano ou dos supremacistas americanos”. E o candidato do Foro de São Paulo à Presidência do Brasil o ex-presidiário Luiz Inácio Lula da Silva — cometeu contra os patriotas a ofensa mais grave que se poderia imaginar, equiparando-os a integrantes da Ku Klux Klan (ou “Cuscuz Crã”, na pronúncia peculiar do comandante do Petrolão).

Que as ruas no 7 de Setembro traduzissem toda a diversidade étnica e social brasileira muito mais, a propósito, do que nos convescotes cada vez mais seletos frequentados pelo falso “pai dos pobres” adorado por banqueiros e empresários bilionários não importava. 
Falou mais alto o impulso odioso de difamar e demonizar os milhões de cidadãos honestos que foram às ruas celebrar a independência e, sobretudo, lutar para impedir que sua nação seja integrada e dissolvida numa “Pátria Grande” qualquer, formada por narcoditaduras bolivarianas.

Com raros momentos de exceção, assim tem sido a organização sociopolítica brasileira ao longo da história, sempre de cima para baixo

Desde, ao menos, a Proclamação da República, o Brasil tem se notabilizado pela ausência de participação popular na vida política nacional. Sobre os eventos do 15 de novembro de 1889, Aristides Lobo publicou no Diário Popular: “Por ora, a cor do Governo é puramente militar, e deverá ser assim. O fato foi deles, deles só, porque a colaboração do elemento civil foi quase nula”. E o jornalista entusiasta da República arrematava sua carta com a célebre observação: “O povo assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava. Muitos acreditaram seriamente estar vendo uma parada”. Na mesma época, o médico francês Louis Couty, amigo pessoal de D. Pedro II, resumiu numa sentença lapidar a nossa situação: “O Brasil não tem povo”.

Com raros momentos de exceção, assim tem sido a organização sociopolítica brasileira ao longo da história, sempre de cima para baixo. E assim também o foi durante toda a Nova República, período em que as forças da esquerda, culturalmente vitoriosas sobre o regime militar que as derrotara política e militarmente (no caso da luta armada), fabricaram um povo fictíciouma abstração talhada à imagem e semelhança da intelligentsia progressista nacional — e, portanto, uma democracia de fachada, formalmente consagrada numa constituição eivada de idealismo, mas substancialmente elitista e demofóbica. 

De fato, da perspectiva histórica cultural, o período é, em larga medida, um produto da imaginação dos intelectuais esquerdistas da geração 1960. A Nova República pode ser compreendida como uma “comunidade imaginada” (no sentido de Benedict Anderson), cuja fundação mitopoética foi toda elaborada em oposição ao período anterior, o regime militar, o sombrio “Antigo Regime” identificado como grande obstáculo aos novos tempos que, enfim, chegavam com sua esplendorosa luminosidade.

Intelligentsia esquerdista
O efeito social desse predomínio aristocrático da intelligentsia esquerdista foi que, durante muito tempo, os valores tradicionais, os gostos e a sensibilidade do povo brasileiro, majoritariamente conservador, não dispunham de representação mínima nas instâncias formadoras da opinião pública. Bem ao contrário, silenciados e estigmatizados por uma elite cultural, econômica e política ultraprogressista e revolucionária, os integrantes das camadas médias e populares, alheios às radicais utopias da esquerda, passaram a testemunhar, igualmente bestializados, a demonização de alguns de seus hábitos mais comezinhos e — supunha-se — até então inocentes.

Tudo se passou como se os bem-pensantes progressistas, de forma mais ou menos consciente, tivessem manifestado o desejo de se vingar não apenas dos militares e da direita civil, mas também de um povo que, mantendo-se alheio e algo indiferente aos eventos dos assim chamados “anos de chumbo”, os abandonou no auge de seus sonhos revolucionários. Assim, quando veio a abertura política, aqueles que “lutaram contra a ditadura” (segundo a mitologia heroica e autobeatificante por eles recontada) viram a chance de extravasar uma revolta encruada e tomar o país para si. “Apesar de você, amanhã há de ser outro dia” — eis o verso de Chico Buarque que simboliza bem o grito reprimido, carregado de um ressentimento lírico, de uma gente que, tendo enfim a oportunidade, não cessou desde então de lançá-lo, em forma de cobrança, às gerações seguintes.

Considerando-se todo o contexto, compreende-se pois que, diante do evento inédito de um povo conservador em carne e osso que resolve enfim dar as caras e assumir o protagonismo no debate sobre o destino do país, a aristocracia neorrepublicana o estranhe, e, com um reacionarismo irônico aos olhos da história, projete nele todos os fantasmas tradicionais e atávicos de sua cultura política: “fascismo”, “golpismo”, “racismo”, etc. 
Provincianamente inseguros diante da descoberta do povo e da materialização da democracia até então restrita ao papel (“Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente”), os integrantes dessa aristocracia os Inácios, os Pachecos, os Liras, os Fux, os Barrosos, os Moraes et caterva — decidiram refugiar-se em seus gabinetes acarpetados para mais um convescote deveras (neo-)republicano, tal como haviam sido o evento de leitura da “carta pela democracia” nas arcadas da USP e a posse do novo presidente do Tribunal Eleitoral.  
 
Historicamente hostis ao 7 de Setembro popular, proclamaram a própria independência, bizarramente celebrada no dia seguinte, 8 de setembro, em sessão solene no Congresso Nacional, e a portas bem fechadas. [E o presidente Bolsonaro com a coragem e dignidade que o caracterizava,ignorou,melhor dizendo desprezou a bizarra celebração.]
 Sendo a política feita de símbolos, nada mais simbólico da demofobia estrutural do estamento burocrático brasileiro do que essa comemoração exclusiva, no dia seguinte, dos ausentes do dia 7.[provavelmente os atrasados celebrantes esperavam que suas ausências fossem notadas e lamentadas; não foram - o que mais se ouviu, do povo brasileiro, foi "não fizeram falta.]  
A passagem de um dia ao outro representa toda a distância entre dois Brasis cada vez mais irreconciliáveis: o Brasil do povo e o da casta dirigente, o das ruas e o dos salões, o das feiras e o das redações, o dos patriotas e o dos patrimonialistas.

Leia também “O Direito sem lei”

Flávio Gordon, colunista - Revista Oeste

 

sábado, 21 de maio de 2022

A voz dos imbecis - Revista Oeste

J. R. Guzzo

Não são os “disparos automáticos”, os “robôs” e os algoritmos que incomodam o Supremo. O que assusta a todos eles, na verdade, é o que as pessoas têm a dizer 

Alexandre de Moraes | Ilustração: Montagem Revista Oeste/STF/Shutterstock
Alexandre de Moraes  -  Ilustração: Montagem Revista Oeste/STF/Shutterstock
 
A imprensa, o Supremo Tribunal Federal e a esquerda que vive da compra, venda e aluguel de más ideias descobriram há tempos os seus piores inimigos — as redes sociais. 
É um sinal dos tempos, e um sinal bem ruim, que se considere pecado mortal aquilo que é uma das mais espetaculares conquistas do espírito humano; a internet é resultado direto do avanço da ciência e da tecnologia, e quando o progresso é tratado como se fosse uma manifestação do mal por uma parte da sociedade, estamos com um problema evidente. Ninguém diz, é claro, que é contra o progresso. 
 
Mas todos os que hoje combatem a atuação das redes sociais na política, e especialmente nas eleições de outubro próximo, são contra o progresso de que não gostam — e o “conteúdo” das redes é o tipo do progresso de que não gostam nem um pouco. Na verdade, é mais simples do que isso. O inimigo da mídia, do STF e da federação dos “progressistas” não é a internet. É o público. Nada assusta tanto essa gente como um brasileiro de carne e osso com uma cabeça para pensar e uma voz para dizer o que pensa.
 
Não deveria ser assim — ou, ao contrário, talvez tenha mesmo de ser assim. O que atrapalha a vida dos meios de comunicação de massa hoje em dia é a falta de massa, ou seja, de leitores, de ouvintes e de telespectadores. O problema do STF é a recusa em respeitar as funções que lhe foram atribuídas pela Constituição Federal
A esquerda, enfim, sofre com a escassez de votos em quantidade suficiente para formar uma maioria clara no Brasil. 
Em vez de se concentrarem na busca de soluções para estas dificuldades, porém, ficam irados com a internet. 
A mídia está ressentida com as redes sociais porque elas lhe tiraram o público — ou, mais exatamente, a relevância que imaginavam ter junto ao público. 
O STF se enerva porque não pode eliminar a imagem miserável que tem junto à população nas redes; pode prender o deputado Daniel Silveira, socar inquéritos nos inimigos políticos e aterrorizar senadores e deputados, mas não controla o que se diz pela internet. 
A esquerda nunca conseguiu predominar nas redes sociais; está perdendo a batalha, aí, para a direita, e não se conforma com isso.

A única opção numa democracia é conviver com as contrariedades — e pagar o preço da sua liberdade respeitando a liberdade do outro

Uma coisa é juntar meia dúzia de delinquentes, botar camisa vermelha e invadir propriedades, sob o olhar distante da polícia e do Ministério Público. Também é fácil escrever editoriais dizendo que o presidente da República matou 600.000 pessoas, e que vai dar um golpe de Estado se ganhar a eleição. (Imaginem, então, se perder.) 
Não há nenhum problema, se você é ministro da principal corte de justiça do país e lhe permitem que faça tudo, indiciar em inquéritos os adversários, expedir ordens de prisão para a Interpol e distribuir tornozeleiras eletrônicas. 
Tudo isso é barato, e está disponível em tempo integral. O problema é fazer os demais cidadãos pensarem como você pensa. A única opção numa democracia é conviver com essas contrariedades — e pagar o preço da sua liberdade respeitando a liberdade do outro. 
Mas a mídia, o STF e a esquerda não querem uma democracia no Brasil; na verdade, são hoje as forças que mais combatem a liberdade neste país. Voltam todas as suas energias, assim, para as mais variadas tentativas de prender as redes sociais numa camisa de força.

O único concorrente real de Lula, o presidente da República, foi definido pelo ministro Luís Roberto Barroso como “o inimigo”

É raro passarem três dias seguidos sem que o STF ponha para fora o seu rancor contra o que o público está dizendo
Conduz há mais de três anos um inquérito absolutamente ilegal, e aparentemente perpétuo, para punir “atos antidemocráticos” e bloquear a divulgação daquilo que considera fake news — ou seja, qualquer tipo de notícia, pensamento ou opinião que o ministro Alexandre de Moraes, por alguma razão, quer castigar. 
Fez acordos com as multinacionais que controlam as redes para censurar postagens feitas durante a campanha eleitoral. 
Ameaça com prisão os infratores das leis não existentes que vão inventando para defender as suas posições políticas. 
Interfere grosseiramente no processo da eleição presidencial — isso para não falar no candidato que o ministro Edson Fachin criou, um condenado pela justiça por corrupção e lavagem de dinheiro que legalmente não podia ser candidato.  
O STF trabalha por sua vitória de maneira aberta — o único concorrente real de Lula, o presidente da República, foi definido pelo ministro Luís Roberto Barroso como “o inimigo”. Mas nada disso parece suficiente. O ataque às redes promete continuar até o dia da eleição.
 
A última explosão de hostilidade veio do ministro Moraes. Numa plateia onde se sentavam peixes graúdos do PT e outros devotos da candidatura do ex-presidente Lula, Moraes decidiu apresentar o que faz parte da visão filosófica, digamos assim, que tem sobre a questão. “A internet deu voz aos imbecis”, disse ele, repetindo uma frase já cansada e supostamente sábia que qualquer autor de palestra de autoajuda utiliza no seu ganha-pão diário. 
Quem disse isso, vários séculos atrás, foi um desses intelectuais-vagalume que piscam por uns instantes, e em seguida se apagam na noite, depois de fazerem sucesso temporário com alguma ideia deixada pela metade. É um dito interessante, mas a verdade é que a internet deu voz, realmente, ao público. Aos imbecis, especialmente? Não: deu voz a todos. Foi uma revolução
 
Pela primeira vez na história da humanidade, desde que o homem saiu da caverna e evoluiu até andar na Lua, todos os seres humanos que consigam ler e escrever, qualquer um deles, podem dizer em voz alta o que pensam ou têm vontade de dizer — basta ir ao celular e teclar o que lhes vem na cabeça. 
Podem, ao mesmo tempo, ouvir tudo o que está sendo dito. Pronto: ninguém precisa mais dar entrevista no jornal, ou pedir licença da autoridade, para dizer o que quer. Também não está mais limitado a ler, ouvir ou ver os meios de comunicação para saber o que está se falando na praça.

O que aparece, então, é o que as pessoas acham das coisas, do mundo e da vida, nem mais nem menos. Não gostam do que está sendo dito? Paciência. Vai ser preciso trocar de humanidade e achar uma mais ao gosto do ministro Moraes e seus colegas do STF, dos jornalistas e do candidato da esquerda à Presidência da República. 

A humanidade que existe na vida real é essa aí. É duro, com certeza; a maioria dos 8 bilhões de habitantes da Terra, e dos 200 milhões de brasileiros, não é de grandes pensadores, nem de Einsteins e nem mesmo, talvez, de pessoas atraentes. Mas se são “imbecis” ou não, como repete o ministro Moraes, não vem ao caso; são seres humanos com direitos iguais ao dele, ou de qualquer pessoa, a expressarem o que pensam em público. O que dizem nas redes é o que têm dentro de si; se o que têm dentro de si são essas coisas que estão dizendo, sentimos muito, mas é inevitável aceitar. 
O que o STF, a mídia e a esquerda querem é restringir, limitar e reprimir o pensamento. 
Isso é a marca mais clássica das ditaduras.

Se Moraes considera “imbecis” os que discordam das suas posições políticas, qualquer um pode dizer a mesma coisa dele

Não são os “disparos automáticos”, os “robôs” e os algoritmos que incomodam o Supremo, como querem fazer crer os seus inquéritos, os seus agentes na “justiça eleitoral” ou o noticiário maciço da imprensa. O que assusta a todos eles, na verdade, é o que as pessoas têm a dizer. Não é difícil entender. Até há pouco só a mídia, os supremos tribunais e as elites tinham condições de expor o que pensavam; a liberdade de expressão só se aplicava à “gente bem”, com dois ou três sobrenomes, dinheiro no banco e curso de “humanas”. Hoje, por força das redes, todo mundo fala e, principalmente, todo mundo fica sabendo o que se fala. O STF e a sua atual companhia não suportam essa realidade. 

Da mesma maneira, é falso que alguém nesse bonde esteja realmente preocupado com o mau uso que é feito da internet. Ninguém no Supremo dá a mínima para a onda de crimes digitais que oprime o Brasil; pouco se lhes dá se roubam o Pix, invadem contas bancárias ou clonam celulares. Não querem, ali, punir os bandidos. Querem punir a sua opinião

Também não são os delitos cometidos com a palavra que estão envolvidos na guerra contra as redes; todos esses crimes são perfeitamente previstos no Código Penal Brasileiro, e não precisam mais de lei nenhuma para serem combatidos. Experimente dizer na internet que o seu vizinho é ladrão de cargas ou traficante de drogas; ou melhor, não experimente, porque quem fizer isso vai acabar com um processo por calúnia nas costas.

A internet, como diz o ministro Moraes, dá a voz aos imbecis. O que Moraes não diz é que a internet também dá voz a ele. Temos um óbvio problema aí. 
Por que raios o ministro julga que a sua voz é linda e a voz dos outros não é? Quem é ele para decidir quem é imbecil e quem é inteligente, ou quem é qualificado o bastante para se exprimir nas redes sociais? 
Se Moraes considera “imbecis” os que discordam das suas posições políticas, qualquer um pode dizer a mesma coisa dele; não existem, no Brasil ou no mundo, leis estabelecendo regras para a cretinice — ou qual o nível de excelência mental que as pessoas devem ter para receberem um certificado de não imbecil. 
Nada disso, é claro, tem o mínimo interesse para os inimigos da internet. No momento, só pensam numa coisa: ganhar a eleição. Se a liberdade está no caminho, pior para a liberdade.

Leia também “A negação da democracia”

J. R. Guzzo, colunista - Revista Oeste


terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

Sugiro aos deputados que voltem a bater ponto em Brasília [trabalhar... outra coisa] - Gazeta do Povo - VOZES

JR Guzzo 

Sessão "presencial"

De volta às atividades para mais um ano legislativo, e agora sob nova gerência, a Câmara do Deputados dá a impressão de que vai examinar pelo menos examinar a possibilidade de reabrir o estabelecimento para sessões “presenciais”, a palavra da moda para definir se alguma coisa está sendo feita de verdade ou não. Uma reunião “presencial”, por exemplo, é uma reunião que realmente acontece, com a presença de seres humanos. Uma reunião “não presencial” pode ser qualquer coisa. Em geral não é nada: não requer a presença de pessoas de carne e osso, e tem funcionado desde o início da epidemia de covid como um excelente recurso para a simulação de atividade.

Sob a nova direção de Arthur Lira (PP-AL), Câmara dos Deputados discute a retomada das sessões presenciais apesar da pandemia de Covid-19. Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

A Câmara, e mais um monte de gente, está sem trabalho “presencial" há quase um ano; os senhores deputados estiveram entre os primeiros brasileiros a fugir do serviço e se converter à religião do “#fique em casa”. Mantiveram intactos, é óbvio, os seus salários, benefícios, passagens aéreas, apartamentos “de função”, funcionários dos gabinetes, carros, motoristas e cada tostão que o regulamento permite. Em troca, vão de vez em quando para a frente do computador e ali apertam uma tecla qualquer para 
cumprir com suas obrigações parlamentares.                            [sobre a religião do "#fique em casa", não podemos deixar de citar outra categoria fervorosa = professores.
Grande
parte dos professores do estado do Joãozinho, após quase um ano de cumprimento integral da política do não comparecimento às escolas, (ficar em casa é outra coisa, afinal com o advento dos celulares, dar aula virtual é possível de qualquer ponto do Brasil.)se declarou em greve para não voltar ao trabalho presencial, real. Tais indivíduos integram a categoria dos 
professores mercenários.

Temos duas categorias de professores: - os mercenários = aqueles que são professores, ou estão, apenas pelo salário que, convenhamos, já foi melhor. Permanecem na profissão com um único objetivo = uma aposentadoria mais favorável.
- Felizmente, grande parte dos professores são os DEDICADOS, os que tem vocação para ensinar e que honram a máxima: PROFESSOR, a PROFISSÃO QUE FORMA TODAS AS OUTRAS. Que pode ser sintetizada: A profissão de professor é a mais importante de todas, porque ele forma do médico ao engenheiro, passando pelos cientistas, nenhuma atividade é tão essencial a uma sociedade como a educação. É por isso também que o professor tem de ser cada vez mais valorizado e respeitado como um mestre.
Estes, obviamente, trabalham por um salário, necessidade presente, mas são movidos principalmente pela dedicação e amor pela arte de ensinar.Estes, em sua maioria, até durante a pandemia,  tentaram reduzir os efeitos maléficos da absurdo fecha tudo.]

Parece estar em discussão, agora, uma proposta para a Câmara voltar às sessões "presenciais”, ou seja, voltar ao trabalho. Nem é preciso dizer que a ideia foi recebida a pedradas por deputados que militam na "Confederação Nacional da Quarentena pelo Tempo que for Necessário". Segundo eles, não haveria condições de garantir a “segurança sanitária” de suas excelências. É mais uma prova, entre tantas que aparecem na vida diária, do sistema de castas que governa este país de forma cada vez mais absoluta – para quem está em cima, como os deputados, tudo, sempre; para quem está em baixo, como 90% da população, nada, nunca.

Não passa pela cabeça dos parlamentares brasileiros (nem dos professores, funcionários públicos de alta linhagem, etc.) que todos os dias quase 8 milhões de pessoas se apertam no metrô e nos trens urbanos de São Paulo, por exemplo, porque precisam trabalhar para ficar vivos. E no resto do país? E em todas as milhares de atividades que não permitem o “trabalho online”? Onde está o precioso “distanciamento social” para eles? E a sua “segurança sanitária”?

A mensagem dos deputados que exigem “sessões virtuais” para si próprios – e de todos os mandarins que pensam como eles – é a seguinte: quem tem de trabalhar que vá para o diabo que o carregue. Eles que se virem e continuem trabalhando dia e noite para garantir o nosso delivery.

Talvez seja melhor, para o seu próprio bem, que os senhores deputados e congêneres não continuem mais muito tempo fora do trabalho. Já não aparecem no local de serviço há um ano. Se quiserem ficar em casa mais um ou dois, ou sabe-se lá quantos, vão deixar o público se acostumar de vez com a sua ausência. Não é uma boa ideia.

JR Guzzo, jornalista - Gazeta do Povo - VOZES