Gazeta do Povo - VOZES
É preciso esfregar a constituição na cara de quem censura e na cara de quem se omite da obrigação de denunciar o desrespeito
A Nicarágua de Daniel
Ortega acaba de suspender relações com o Vaticano, porque o papa
comparou o regime de Ortega com o comunismo soviético e o nazismo de
Hitler. "Ditaduras grosseiras" — postou o papa Francisco, sugerindo
"desequilíbrio" de Ortega. Imediatamente, o ditador mandou fechar a
Nunciatura Apostólica. A nota oficial nicaraguense anunciando a
suspensão usou palavras conhecidas por aqui: "Terrorismo golpista que
divulga notícias falsas". Na escalada totalitária, a primeira liberdade
que Ortega suprimiu foi a de expressão, antes de tirar as outras
liberdades. Assim fizeram Stálin e Hitler. Assim fazem todos os regimes
totalitários.
Os nossos constituintes de
1988, marcados pelo AI-5, trataram de preservar a liberdade de
expressão. Na cláusula pétrea que é o artigo 5º, está o inciso IV, que
estabelece: "É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o
anonimato". O art. 220, que trata da comunicação social, garante que "a
manifestação do pensamento, a criação, a expressão, e a informação, sob
qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição…". A
seguir, o §2º veda qualquer tipo de censura política, ideológica e
artística.
Por que
insistir com esse óbvio, que é o respeito à Constituição? Porque ela não
está sendo respeitada.
É preciso esfregar a Constituição na cara de
quem censura e na cara de quem se omite da obrigação de denunciar o
desrespeito.
Teríamos um regime de liberdade de expressão — portanto
democrático — se a Constituição fosse praticada, mas muita gente defende
sua própria liberdade de expressão, mas não a de quem discordam.
Carregam ideias totalitárias, pelas quais as pessoas são livres para
pensar, desde que pensem como se lhes impõem.
São censores a policiar
seus concidadãos. Assim agem Hitler, Stálin e totalitários políticos e
religiosos de todos os tempos. Isso já foi questão de vida ou morte.
Durante a pandemia, censuraram informações que poderiam salvar milhares
de vidas.
No nosso
país grassam modismos disfarçados de libertadores, que na realidade são
liberticidas. Quem já leu o 1984 de George Orwell identifica bem essa
ditadura que começa com o controle da expressão do pensamento e pretende
desembocar em outra Revolução dos Bichos.
Já existe um virtual
Ministério do Pensamento, impondo e criando palavras e conceitos, ainda
que contrariem a lógica e o conhecimento científico.
A justiça e o
mérito são sacrificados ante verdades inventadas — e quem expõe o
ridículo dessas teses é denunciado como infectado por alguma neofobia.
As pessoas estão sendo de tal forma patrulhadas que têm medo de resistir
e mostrar que não querem ser enganadas, se encolhem com medo da
opressão.
É um processo em que a opinião está sendo criminalizada para
formar seres acríticos e inermes. Até quem faz a propaganda disso
acabará sem liberdade para decidir como a propaganda. Quando esse
acólito da seita perceber que foi usado, já será tarde; o regime já
passou da fase primária de dominar a liberdade de expressão, e já terá
controlado as liberdades de ir e vir, de se relacionar e, sobretudo, de
pensar.
Então vai ser tarde, já não serão livres, porque seus neurônios
já terão sido algemados.
Alexandre Garcia, colunista - Correio Braziliense