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quarta-feira, 4 de julho de 2018

A esquerda e a corrupção

Um dos grandes fatores a unir a esquerda, capitaneada pelo PT, à classe média urbana e permitir a ascensão de líderes como Lula, José Genoino, Aloizio Mercadante e José Dirceu era o discurso impiedoso de combate à corrupção.  À sombra desses caciques, assessores parlamentares do PT, como foi um dia o jovem José Antonio Dias Toffoli – que começou sua carreira no petismo na CUT, passou pela Assembleia Legislativa de São Paulo, pela Câmara e chegou ao Planalto com a eleição de Lula –, eram fontes disputadas pela imprensa pelo que levantavam de irregularidades em governos aos quais o partido fazia oposição.

Treze anos de governo de dois presidentes do PT, um impeachment, mensalão e petrolão depois, o que se vê é a esquerda brasileira chegar às urnas tendo abdicado sem titubear à discussão sobre combate à impunidade, reforço nas leis de combate à corrupção muitas aprovadas no governo Lula – e compromisso com a transparência na gestão pública.  Atados irremediavelmente à “narrativa” de que Lula e o partido são vítimas de perseguição da Justiça, da Polícia Federal, do Ministério Público, do Congresso e sabe-se lá de quantas outras instituições, os petistas renunciaram, até, a louvar decisões que atingem adversários, como Eduardo Azeredo, ex-grão-tucano condenado e preso como Lula, ou Eduardo Cunha, algoz de Dilma Rousseff e sem nenhuma perspectiva de soltura.

Fazê-lo significaria reconhecer que há uma nova perspectiva, que nasce da PF, do MPF e das instâncias iniciais do Judiciário, de utilizar os mecanismos disponíveis nas leis e nos códigos para garantir que crimes do colarinho-branco (de quaisquer partidos) sejam efetivamente pagos e seus praticantes, punidos. A esperança dos partidos que antes empunhavam a bandeira da ética nos palanques e nos programas do horário eleitoral é que seu líder máximo conte com uma ajuda na undécima hora de ministros de uma Corte cindida, como é hoje o STF, para poder concorrer à Presidência da República. Mas Lula foi condenado em duas instâncias, e o STF não pode rever a condenação, apenas mexer eventualmente na pena ou no regime de cumprimento. Os petistas não se importam.  Outras condenações podem vir em vários processos a que Lula responde. Perseguição, repetem. Mas a Lei da Ficha Limpa fala em condenação por colegiadoo que Lula já tem e não em condenação final. Golpe, só para tirar Lula do pleito.

Divorciada da própria história, a esquerda abre mão de dialogar com o conjunto da sociedade, que elegeu a corrupção como assunto central em 2018. Trata-se de uma decisão que cobrará um preço maior que a pena deste ou daquele companheiro.


Vera Magalhães - O Estado de S. Paulo


quinta-feira, 5 de abril de 2018

Vitória da coerência



Vimos ontem no Supremo Tribunal Federal (STF) duas mulheres se impondo com delicadeza e firmeza a atitudes surpreendentemente grosseiras de dois ministros. É verdade que Marco Aurélio Mello estava indisposto com qualquer voto contrário à sua posição e já havia interrompido colegas que votavam contra o habeas corpus de Lula, mas foi com a ministra Rosa Weber e com a presidente Cármem Lúcia que ele se excedeu, inconformado com a derrota anunciada.

Sempre irônico, insinuou que a ministra Weber dera um voto confuso, que ele até o final não percebera para que lado ela estava indo. A ministra, conhecida por sua gentileza, respondeu com altivez, admitindo que existem pontos de vista diferentes.Mas não deixou barato, registrou sua coerência em mais de 40 anos de magistratura, sem falar na coerência no caso específico do habeas corpus, pois ela já ressaltara que sempre seguiu a jurisprudência prevalente no Supremo.   Os ministros Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski não se conformaram quando a derrota ficou desenhada. Depois de interromper criticamente Rosa Weber, o ministro Marco Aurélio acusou a presidente Cármen Lúcia de ter vencido por uma estratégia estabelecida, ao não ter pautado as Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) sobre prisão em segunda instância.

A presidente Cármen Lúcia também evitou entrar em atrito com ele e Lewandowski,que reclamou de que havia um pedido para colocar as ADCs à frente. Ela simplesmente disse que a prioridade era do habeas corpus, e que havia conversado com ele sobre isso.   O fato é que alguns dos ministros que queriam dar o habeas corpus a Lula armaram um ambiente que teoricamente ajudaria a ministra Rosa Weber a votar em caráter abstrato, reafirmando seu voto de 2016 a favor da prisão apenas após o trânsito em julgado. O ministro Gilmar Mendes, a pretexto de ter que viajar para Portugal, pediu para antecipar seu voto e lançou a tese de que o plenário do Supremo poderia rever a jurisprudência, pois é o local em que todas as questões podem ser reabertas. 

Foi apoiado por Marco Aurélio Mello e Ricardo Lewandowski, no que parecia uma manobra exitosa de mudar o rumo do julgamento, contra o que havia dito o relator Edson Facchin, apoiado pela presidente Cármem Lúcia. Os dois destacaram que estavam ali para julgar o habeas corpus específico do ex-presidente Lula. Mais adiante, o ministro Dias Toffoli retomou essa tese, mas a ministra Rosa Weber já não havia sido apanhada na armadilha.

Ela deixou claro desde o início de seu voto que considerava estar julgando um habeas corpus específico para o ex-presidente Lula, e recorreu ao respeito da colegialidade, que é uma tese recorrente em seus votos, e deu uma aula de como se curva à maioria dentro do critério de que o Estado de Direito necessita de “estabilidade” da jurisprudência e não pode estar sujeito a “variações frívolas”. Para ela, a segurança jurídica é valor característico da democracia, do Estado de Direito e do próprio conceito de Justiça.

A ministra teve o cuidado de ressaltar, logo no início de seu voto, que seria a quinta a votar, deixando claro que ela não daria o voto de condenação final. E salientou que um ministro não pode julgar por preferências pessoais, deixando claro que não votaria de acordo com o grupo político que a indicou ao Supremo – a então presidente Dilma Rousseff, sua amiga pessoal.

Com a decisão do Supremo, o ex-presidente Lula deve ser preso dentro de alguns dias, no máximo dez dias. Os advogados ainda têm prazo para impetrar o que se chama ironicamente deembargos dos embargos”, um instrumento meramente protelatório que é negado constantemente pelo TRF-4. Encerrado esse último ato, o Juiz Sérgio Moro receberá a ordem para determinar o início do cumprimento da pena.  Provavelmente ficará pouco tempo lá, pois a defesa deverá entrar com novo habeas corpus no Supremo Tribunal Federal, que deve cair na Segunda Turma, da qual faz parte o ministro Edson Facchin. Se ele levar o caso para a Turma, provavelmente Lula receberá o habeas corpus, podendo ser decretada sua prisão domiciliar ou outras medidas cautelares, como tornozeleira eletrônica.
     

Merval Pereira - O Globo