Vimos
ontem no Supremo Tribunal Federal (STF) duas mulheres se impondo com delicadeza
e firmeza a atitudes surpreendentemente grosseiras de dois ministros. É verdade
que Marco Aurélio Mello estava indisposto com qualquer voto contrário à sua
posição e já havia interrompido colegas que votavam contra o habeas corpus de
Lula, mas foi com a ministra Rosa Weber e com a presidente Cármem Lúcia que ele
se excedeu, inconformado com a derrota anunciada.
Sempre irônico, insinuou que a ministra Weber dera um voto confuso, que ele até
o final não percebera para que lado ela estava indo. A ministra, conhecida por
sua gentileza, respondeu com altivez, admitindo que existem pontos de vista diferentes.Mas não deixou barato, registrou sua coerência em mais de 40 anos de
magistratura, sem falar na coerência no caso específico do habeas corpus, pois
ela já ressaltara que sempre seguiu a jurisprudência prevalente no Supremo.
Os ministros Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski não se conformaram quando a
derrota ficou desenhada. Depois de interromper criticamente Rosa Weber, o
ministro Marco Aurélio acusou a presidente Cármen Lúcia de ter vencido por uma
estratégia estabelecida, ao não ter pautado as Ações Declaratórias de
Constitucionalidade (ADCs) sobre prisão em segunda instância.
A presidente Cármen Lúcia também evitou entrar em atrito com ele e Lewandowski,que reclamou de que havia um pedido para colocar as ADCs à frente. Ela
simplesmente disse que a prioridade era do habeas corpus, e que havia
conversado com ele sobre isso.
O fato é que alguns dos ministros que queriam dar o habeas corpus a Lula
armaram um ambiente que teoricamente ajudaria a ministra Rosa Weber a votar em
caráter abstrato, reafirmando seu voto de 2016 a favor da prisão apenas após o
trânsito em julgado. O ministro Gilmar Mendes, a pretexto de ter que viajar
para Portugal, pediu para antecipar seu voto e lançou a tese de que o plenário
do Supremo poderia rever a jurisprudência, pois é o local em que todas as
questões podem ser reabertas.
Foi apoiado por Marco Aurélio Mello e Ricardo Lewandowski, no que parecia uma
manobra exitosa de mudar o rumo do julgamento, contra o que havia dito o
relator Edson Facchin, apoiado pela presidente Cármem Lúcia. Os dois destacaram
que estavam ali para julgar o habeas corpus específico do ex-presidente Lula.
Mais adiante, o ministro Dias Toffoli retomou essa tese, mas a ministra Rosa
Weber já não havia sido apanhada na armadilha.
Ela deixou claro desde o início de seu voto que considerava estar julgando um
habeas corpus específico para o ex-presidente Lula, e recorreu ao respeito da
colegialidade, que é uma tese recorrente em seus votos, e deu uma aula de como
se curva à maioria dentro do critério de que o Estado de Direito necessita de
“estabilidade” da jurisprudência e não pode estar sujeito a “variações
frívolas”. Para ela, a segurança jurídica é valor característico da democracia,
do Estado de Direito e do próprio conceito de Justiça.
A ministra teve o cuidado de ressaltar, logo no início de seu voto, que seria a
quinta a votar, deixando claro que ela não daria o voto de condenação final. E
salientou que um ministro não pode julgar por preferências pessoais, deixando
claro que não votaria de acordo com o grupo político que a indicou ao Supremo –
a então presidente Dilma Rousseff, sua amiga pessoal.
Com a decisão do Supremo, o ex-presidente Lula deve ser preso dentro de alguns
dias, no máximo dez dias. Os advogados ainda têm prazo para impetrar o que se
chama ironicamente de “embargos dos embargos”, um instrumento meramente
protelatório que é negado constantemente pelo TRF-4. Encerrado esse último ato,
o Juiz Sérgio Moro receberá a ordem para determinar o início do cumprimento da
pena. Provavelmente ficará pouco tempo lá, pois a defesa deverá entrar com novo
habeas corpus no Supremo Tribunal Federal, que deve cair na Segunda Turma, da
qual faz parte o ministro Edson Facchin. Se ele levar o caso para a Turma,
provavelmente Lula receberá o habeas corpus, podendo ser decretada sua prisão
domiciliar ou outras medidas cautelares, como tornozeleira eletrônica.
Merval Pereira - O Globo