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terça-feira, 11 de julho de 2023

PAC Zero - Silvio Navarro

Revista Oeste

Sem dinheiro em caixa nem plano para a infraestrutura do país, Lula recicla o PAC, [no mandato passado do apedeuta presidente o codinome era PACo = lembrança do Conto do Paco.]o programa que acumula milhares de obras paradas até hoje

Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante cerimônia de início das obras do Lote 1F do Trecho 1 da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol) | Foto: Ricardo Stuckert/PR
 
No segundo semestre deste ano, o bairro Santo Antônio, no município de Morungaba, na Região Metropolitana de Campinas (SP), vai receber lombadas para reduzir a velocidade dos veículos. Serão 15, espalhadas pelas vias de acesso à pequena cidade, com 14 mil habitantes, ao custo de R$ 125 mil — autorizados pela Caixa Econômica Federal. 
A placa já foi instalada pelo Ministério da Economia. 
É um retrato da atuação na área de infraestrutura do país depois de seis meses de governo Lula.
 
A importância de uma lombada — ou da construção de uma quadra de futebol de salão — não se discute. 
Cada prefeito sabe das necessidades da população que o elegeu. 
Mas se trata de um exemplo preciso da falta de projetos, um rascunho que seja, da atual administração federal
Não há placas como essa anunciando a duplicação de rodovias, a ampliação de portos ou de usinas. 
É raro encontrar um eleitor que conheça o nome dos ministros da área de infraestrutura — e a maioria dos escolhidos tampouco tem acesso ao gabinete do presidente.

Diante desse cenário, Lula decidiu reciclar o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC). O anúncio foi feito na segunda-feira, 3, na Bahia. Ele participou do lançamento da Ferrovia Oeste-Leste (Fiol), uma linha inicial com 127 quilômetros de trilhos para ligar o município de Ilhéus a Aiquara.

O anúncio, contudo, era só uma peça de publicidade oportunista. Isso porque esse trecho da ferrovia foi leiloado em 2021, na gestão Jair Bolsonaro. Foi elaborado no modelo do governo anterior: a empresa Bahia Mineração (Bamin) arrematou a concessão de 35 anos, tocada com investimento 100% privado. O término está previsto para 2027 talvez Lula nem seja mais o presidente. 
Ou seja, a participação do governo federal, por enquanto, é nula — o que existe é a promessa de continuar a obra de onde a empresa privada parar, sem data prevista, até chegar a Goiás e Tocantins.

Lula não escondeu a preocupação com a farsa no discurso, mas foi a única obra cuja faixa inaugural conseguiu cortar depois de seis meses. “Façam um pouco de hora extra, trabalhem no final de semana se for necessário, para que a gente possa inaugurar logo. Se não, a gente corre o risco de uma outra ‘coisa ruim’ voltar neste país, e a ferrovia ficar parada outra vez. Vamos tratar de inaugurar logo essa obra”, disse.Foto: Reprodução Poder 360 (3/5/2023)

A farsa do PAC
A sigla PAC foi criada em 2007 pelo marqueteiro João Santana, que ficaria conhecido anos depois pelos milhões que recebeu do Petrolão
O PAC teve duas fases: a primeira com o próprio Lula reeleito, e a segunda para alavancar a candidatura de Dilma Rousseff, apelidada de “Mãe do PAC” na campanha de 2010. 
Foi a maior enganação já alardeada em cadeia nacional nas últimas décadas. 
Os governos do PT prometeram entregar 30 mil obras e investir R$ 1,5 trilhão em cimento, malha ferroviária e recursos hídricos — uma fatia considerável do Produto Interno Bruto (PIB) em dez anos. Quando Dilma sofreu o processo de impeachment, em 2016, o índice de execução do pacote de obras não alcançava 17%.
 
Na época, foi apresentado um estudo feito pela Inter.B Consultoria na comissão temática da Câmara dos Deputados. 
A conclusão dos economistas que estudaram o PAC foi clara: como não concluiu o que prometeu no PAC 1, Lula empurrou a cartilha de obras para o PAC 2 de Dilma.  
Mas aqui entra um detalhe fundamental: as revisões feitas de 2010 a 2014 aumentaram os custos em 50%. Ou seja, quando a era petista no poder terminou, com o impeachment, o país era um canteiro com milhares de obras paradas, e o dinheiro tinha sumido.

O sobrepreço de algumas obras era gritante: a dragagem no Porto de Santos subiu 300%;  a construção da Linha 1 do Metrô de Belo Horizonte, mais de 800%. 

O projeto mais icônico foi o trem-bala que ligaria São Paulo ao Rio de Janeiro até a Copa do Mundo de 2014.

Uma parte dos recursos públicos que desapareceram foi encontrada pela Operação Lava Jato ao longo de sete anos de investigação
O dinheiro saiu do caixa de estatais, ministérios e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e abasteceu contas clandestinas de partidos, de políticos com ou sem mandato e de empreiteiras — especialmente na Suíça. 
A Lava Jato conseguiu mapear R$ 15 bilhões surrupiados, cifra que seria ainda maior se os acordos de leniência assinados pelas empresas não fossem rasgados pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Com a volta do PT ao poder, algumas das grandes empreiteiras — Odebrecht, UTC e Andrade Gutierrez — que estavam no centro do escândalo foram reabilitadas até pela Petrobras para voltarem à cena. A Odebrecht foi incluída na “categoria plena”, que libera a participação em qualquer tipo de concorrência.

Além do propinoduto institucionalizado do Petrolão, o aumento desenfreado do gasto público para ganhar eleições agravou a crise fiscal no país e promoveu a escalada da inflação, duas marcas de Dilma Rousseff que levaram o Brasil à ruína econômica e à recessão. ​​”A violência dos números de 2016, informando o prejuízo advindo das obras inacabadas, é mais sentida por meio do comparativo com o valor do estoque da dívida pública federal em abril de 2019. O desperdício representa, aproximadamente, 30% de toda a dívida contraída pela União.”
(O Labirinto das Obras Públicas, um raio X publicado no ano passado pela Câmara Brasileira da Indústria da Construção — CBIC)

Atraso sistemático
Ao anunciar que tem um novo PAC saudosista em mãos, Lula deve apresentar neste semestre nada mais do que uma planilha de obras que ele e Dilma iniciaram e jamais foram concluídas.  

A explicação para o fiasco passa por três caminhos. O primeiro deles foi a corrupção do Petrolão, que exigiu ajustes e cancelamentos em contratos com empreiteiras durante os governos Michel Temer e Jair Bolsonaro. Depois, a pandemia forçou o direcionamento de recursos para a saúde por quase dois anos. Por fim, resta o eterno entrave ambiental e técnico, que ganha fôlego a cada guinada de governo de esquerda e tem forte respaldo do Ministério Público — pressionado por ONGs e grupos ideológicos.

Em 2019, a pedido do Congresso Nacional, o Tribunal de Contas da União (TCU) fez um amplo levantamento do Brasil travado.  
O tribunal informou em acórdão que havia 14 mil obras paralisadas, em mais de 38 mil contratos, com valor estipulado em R$ 144 bilhões.  
Desse universo estagnado, 91% dos recursos eram das enfadonhas exibições de PowerPoint do PAC.“De plano, os números são assustadores. Das 38 mil obras levantadas, mais de 14 mil estão paralisadas. Ou seja, mais de um terço das obras que deveriam estar em andamento pelo país não teve avanço ou apresentou baixíssima execução.

(Acórdão do TCU, de 2019, com o diagnóstico das obras no país)

De lá para cá, mesmo com as limitações impostas pela pandemia, houve avanço significativo na gestão de Paulo Guedes no Ministério da Economia. De acordo com a base de dados atualizada do TCU, consultada nesta semana por Oeste, 8,6 mil obras contratadas estão estagnadas atualmente, de um total de 21 mil — o montante total é de R$ 113 bilhões.

Dos projetos que não saíram do papel, os Estados campeões em ineficiência eram administrados — ou ainda são — por aliados do atual governo petista: Maranhão, Bahia e Pará, respectivamente pelos ministros Flávio Dino (Justiça) e Rui Costa (Casa Civil), que elegeram sucessores, e pelo governador Helder Barbalho, cujo irmão, Jader Filho, é ministro das Cidades.

Segundo o TCU, essas regiões interromperam a construção de creches, escolas, quadras esportivas e até a reforma da Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia. Foram encontradas deficiências técnicas e casos de abandono pelas empresas contratadas.
Nesse cenário de escassez de boas ideias, o governo colocou outra carta na mesa: tem liberado as chamadas emendas parlamentares no varejo para os deputados que aceitam votar projetos do seu interesse — especialmente os que podem ampliar a arrecadação, em debate nesta semana no Congresso. 

Esses recursos, que antes eram chamados de orçamento secreto para desgastar Bolsonaro, servem para pequenas obras em redutos eleitorais. No caso dos deputados, há pressa em entregá-las por causa da eleição municipal do ano que vem.

Mas o fato é que, em meio ao relançamento do programa grandioso de Lula — sem datas de execução, lista de obras nem dinheiro no Orçamento —, chamou a atenção uma declaração da ministra Simone Tebet, aquela a que o petista se referia como “Simone Estepe” na campanha, mas que precisou levar depois para a Esplanada.  
A ministra afirmou: “O governo está para anunciar novas medidas. Uma delas é um novo PAC, que não vai ser um PAC”. Tebet chefia a pasta do Planejamento e Orçamento. Ela sabe do que está falando. “Muita coisa já está aí e só vamos envelopar”, disse. Traduzindo: vem aí o PAC Zero.
 
Silvio Navarro, colunista - Revista Oeste
 


Leia também “Arthur Lira no olho do furacão”

 

 

domingo, 18 de junho de 2023

Fazer o quê? E como? - Carlos Alberto Sardenberg

No início deste mês, dava-se como certo que a ministra do Turismo, Daniela Carneiro, seria demitida nesta semana. Não foi. 
Na próxima, o presidente Lula vai para a Europa, de modo que a ministra, também deputada federal pelo Rio, pode ganhar mais alguns dias, se escapar neste final de semana
Estaria o governo avaliando a política para o turismo? 
Teria a ministra fracassado em apenas cinco meses de governo? [se desonestidade fosse critério que impedisse alguém de ser ministro, certamente a reunião 'ministerial' não  estaria sendo presidida pelo petista; o ilustre  Sardenberg esqueceu que tinha um outro para ser demitido, aquele que gosta de cavalos.]

Ingenuidade.

Há uma intensa discussão sobre o futuro desse ministério, mas ninguém, entre amigos e adversários da deputada, fala sobre programas para desenvolver o turismo interno ou para atrair mais estrangeiros para este belo país.

Tem mais. Daniela Carneiro integra o grupo político liderado por seu marido, prefeito de Belford Roxo, o Waguinho. O casal, com ligações à direita, apoiou Lula nas últimas eleições — e o presidente é muito grato. Logo, se a questão não tem nada a ver com turismo, tem muito a ver com a compensação que se dará ao grupo de Waguinho.  
Algo numa área parecida? Algo a ver com viagens? Aeroportos? Nada. Especula-se que o prefeito e sua mulher estejam interessados na gestão dos serviços de saúde do Rio. Mais exatamente, nos grandes hospitais federais. São cinco grandes. Problema: estão sob controle do PT.
De novo, não se fala de políticas para melhorar a eficiência dos hospitais, reduzir as filas de espera, coisas assim. Nos bastidores da disputa, comenta-se que essa área da saúde tem mais capilaridade e, sobretudo, muito mais verbas, contratos de prestação de serviços, compra de equipamentos e medicamentos. (Aliás, como registrou Bernardo Mello, do GLOBO, dois diretores desses hospitais, indicados pelo PT, já foram exonerados, depois de reportagens do jornal e da TV Globo, levantando questões de administração.) Repararam?  
A ministra tem apenas cinco meses de gestão. Os diretores, nem isso. Não daria para avaliar nenhuma política séria. 
 
Na última reunião ministerial, Lula disse a seus auxiliares que não queria mais saber de ideias novas, mas da aplicação de propostas já definidas. Quem tem propostas? O ministro Fernando Haddad, certamente. Tem conseguido desenvolver seus programas, mas não sem enfrentar surpresas dentro do próprio governo. Ele vinha repetindo que seu objetivo é reduzir os incentivos fiscais, quando o vice-presidente e ministro da Indústria, Geraldo Alckmin, anunciou um programa de concessão de incentivos para a indústria automobilística. 
 Haddad ainda se salvou de uma goleada feita de gols contra. Conseguiu limitar o programa de Alckmin, mas teve de entregar algumas centenas de milhões de reais.
A questão dos incentivos aparece em dois temas cruciais para o governo e para o país: a reforma tributária e o arcabouço fiscal. 
Qual linha prevalecerá? É a pergunta que se fazem senadores e deputados. Na verdade, uma questão mais ampla: o governo e suas bases apoiam que projeto de reforma dos impostos? 
São dilemas que prejudicam o funcionamento do governo. Primeiro, saber quais são as propostas. Segundo, quando se sabe, qual prevalece. E terceiro, o mais importante, quem será nomeado para tocar as coisas. 
 
Considerem a disputa aberta entre ambientalistas e desenvolvimentistas. Estes querem os investimentos na indústria do petróleo, incluindo a exploração do óleo na Margem Equatorial, ao longo da foz do Amazonas, e na construção de ferrovias e estradas, de apoio ao agronegócio, que passam pela Amazônia. 
Ora, a preservação da floresta é compromisso firme de Lula, local e internacional. 
E os ambientalistas, liderados por Marina Silva, demonstram muita firmeza. Parece que o presidente tentará conciliar as posições.
 
Muitas escolhas precisam ser feitas, e logo. O governo está para anunciar uma nova versão do Programa de Aceleração do Crescimento [PAC, mais conhecido como PACO em homenagem ao famoso conto do PACO - só que o PACO petista é mais nocivo  que o PACO que dá nome ao conto.] e ali deverão constar os investimentos e financiamentos prioritários. Aí veremos. 
Aliás, saberemos também o nome. PAC lembra Dilma. E está meio queimado. É outro dilema. O de menos.

Carlos Alberto Sardenberg, jornalista  - Coluna Opinião publicada em O Globo