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terça-feira, 21 de dezembro de 2021

NÃO SEI DO QUE SE TRATA, MAS O CULPADO É BOLSONARO

Vaterlucio Campelo

Pertenço ao clubinho cada vez menor dos que não encontram respostas Simples para problemas complexos. Depois que tive a oportunidade de conhecer umas três ou quatro linhas de Edgar Morin e umas duas ou três sobre sistemas complexos, tento dar as costas ao simplismo que contamina certas declarações, especialmente de políticos e analistas a respeito de temas importantes. Confesso que nem sempre consigo.

Dou como exemplo a volta insistente do aumento de preços, o velho dragão da inflação, que estava praticamente dominado desde o plano real, um dos mais elaborados e complexos planos econômicos experimentados no mundo. Hoje, convenhamos, nenhum brasileiro está tranquilo perante a situação econômica, os preços sobem e sobem. O mundo todo, aliás, incluindo o Tibet, se encontra em alvoroço.

Há, contudo, quem se satisfaça dizendo que é culpa do Bolsonaro e pronto. Diz essa bobagem e vai dormir sossegado. 
Crise energética na China? Crise de combustíveis? Desorganização das cadeias de suprimento? Inflação e taxa de juros nos EUA? Crise na oferta de fertilizantes? Restrições ambientais? Crise hídrica? Expansão monetária para cobrir despesas e proteger pobres e empresas? Tudo isso e muito mais ocorreu em escala global e os vermelhinhos, disfarçados ou não, estão lá berrando com pose de especialistas que a culpa é do Bolsonaro que não usa máscara.

Quando em março de 2020 já gritavam “finkincasa” que a economia resolvemos depois”, exigindo somas sem fim e sem controle para o sistema de saúde, ou quando acharam pouco o socorro financeiro sem contrapartida laboral para milhões de necessitados, não pensaram na inflação. Ou será que pensaram e empurraram só para que ela acordasse e hoje justificasse o novo berro?

Não tenho muita paciência, aliás, não tenho nenhuma paciência para ser professor, algo que só experimentei entre 21 e 23 anos de idade, mas vou contar umas coisinhas aqui na “sala” dos leitores.  O barril de petróleo está na casa dos 80 dólares você queria que Bolsonaro fizesse como a Dilmanta, [Dilma x Anta] segurasse os preços dos combustíveis artificialmente e quebrasse a Petrobras, mandando a conta para TODOS os pagadores de impostos?

A Crise energética na China, fabricante até daquela argola que seu filho usa nas ventas, danou a oferta global gerando escassez de brinquedos a chips para seu celular. Resultado: Aumento de preços.

– O preço do gás natural na Europa, dependendo do país, subiu até 300% no último ano por causa da política ambiental adotada na Europa que hoje está, por causa disso, de joelhos para o Putin, que se ficar mais “putin”, com o inverno chegando, fará a rainha da Inglaterra voltar aos tempos de dois ou três banhos por ano. Resultado: Aumento de preços.

– A Rússia limitou drasticamente a oferta de nitrogenados. Sabe o que é isso não? É fertilizante que importamos de lá mais de 20% do que usamos. Resultado: Aumento dos preços.

O Bolsonaro já enfiou o pé na jaca keynesiana até onde pode, e hoje tem 50% a mais de papel moeda circulando na economia brasileira. Precisa explicar que mais moeda sem níveis elevados de crescimento econômico e alta demanda implica inflação?

Enquanto o mundo todo tenta se refazer da peste de crises (desculpem o trocadilho), os babacas daqui fecham o site do UOL ou do G1 e saem papagueando “a culpa é do Bolsonaro!”. Culpa de quê, homem de Deus? 
Você não entendeu nem a primeira sílaba da palavra pandemia, passou mais de um ano em casa gastando a tecla do celular, engordou feito um leitão (falei que não tenho paciência) e quer agora mais dinheiro na economia e menos inflação? Pior ainda é acompanhar esse “raciocínio” e em seguida ouvir que o programa Auxílio Brasil é eleitoreiro, mas R$400,00 não dá pra nada.

Outros, aplaudem e alimentam diariamente a insegurança do país, apoiam as decisões judiciais que causam insegurança jurídica, torcem pela prisão dos jornalistas decentes, vibram com CPI’s de araque e trocentos pedidos ridículos de impeachment que causam instabilidade política, fazem da questão sanitária uma espécie de guerrilha anti-governo, desgraçam a democracia com decisões por cima e por baixo da Constituição e “inocentemente” se assustam com a alta do dólar “Ui, não posso comprar o iphone 13 que minha filha pediu, culpa do Bolsonaro!”

O sujeito entra com gosto na guerra da pandemia e quer sair ileso, quem sabe, contabilizando despojos. 
Preste atenção, amiguinho: Se você ficou em casa e não estava naquele consórcio lá do Nordeste, ou em outro rolo qualquer de compras sem licitação, perdeu, playboy! 
Sim, porque mesmo sendo servidor público, a inflação lhe tomou a picanha da feira. Não notou?

Já que o Congresso não está disposto a fazer reformas econômicas que propiciem liberdade e crescimento econômico, parece certo que o Banco Central vai ter que dar mais porrada pra cima na taxa de juros. É o jeito. É necessário que uma política monetária restritiva seja mantida a fim de que não percamos o controle da moeda. Entrar 2022 com IPCA na marca de 10% seria péssimo sinal.

Alta inflação em ano eleitoral, com mídia, justiça e políticos contra, será explorado como descontrole e estabelecerá descrédito na equipe econômica. Por outro lado, ao elevar a taxa Selic para uns 9-10% como prevê o mercado, o Banco Central – guardião da moeda, estará enviando um recado às empresas para que adiem seus planos de investimentos. A tendência é enxugar o mercado.

Do lado do consumidor, uma Selic mais alta fará elevarem-se os juros bancários diminuindo também o consumo, situação que não pode ser sustentada no longo prazo sob pena de dano estrutural na economia, desinvestimento, desindustrialização, desemprego, aumento da pobreza e perda de arrecadação, sem falar no custo da dívida pública.

Este cenário, difícil, turbulento e ameaçador, rapidamente esboçado como permite este espaço, é realmente dramático, mas é hoje a regra na maioria dos países. Talvez um jovem de vinte e poucos anos, que não sabe o que é viver sob alta inflação, tenha o direito de traduzir sua raiva culpando estupidamente o governo, porém, seu pai ou sua mãe, se não perdeu a memória ou age de boa-fé, não pode culpar Bolsonaro com a simplicidade de quem o acusa de não usar máscara.

Sim, eu sei. Tem um monte de gente torcendo para o “quanto pior, melhor”. A única forma de voltarem ao poder é desgraçando o país e com isto eles não se importam, já que estarão (?) no andar de cima. Mas, pelo menos, poderiam ser um pouco mais honestos. Por favor, tenham respeito e não tratem a economia com a ligeireza e a expertise de quem frita um ovo.

Publicado originalmente em https://ac24horas.com/2021/11/12/nao-sei-do-que-se-trata-mas-o-culpado-e-bolsonaro/

valbcampelo@gmail.com  Valterlucio Campelo


domingo, 12 de janeiro de 2020

O Ano do Rato - Nas entrelinhas

“O povo sentiu na carne, literalmente, a alta dos preços, mas também em outros itens da alimentação, nos aluguéis, nos transportes, nos planos de saúde e na educação

No milenar calendário chinês, estamos no limiar do Ano do Rato, que começa em 25 de janeiro e segue até 11 de fevereiro de 2021, sob influência do metal. Segundo os astrólogos, isso deve motivar o empreendedorismo, facilitar os pequenos negócios, os investimentos, as aplicações e as aquisições e promete um período de descobertas, agitação, busca por conhecimento, uso da inteligência e abertura de novos caminhos, boas estratégias e soluções práticas. Quando as pessoas recorrem ao horóscopo chinês ou a qualquer outro recurso metafísico para prever o próprio futuro, estão administrando as suas expectativas, o que levou os economistas a estudá-las no comportamento da economia.

Um desses economistas foi o norte-americano John Muth, que estudou engenharia industrial na Universidade de Washington de Saint Louis e economia matemática na Carnegie Tech de Pittisburg, na qual foi aluno de quatro prêmios Nobel: Franco Modigliani, John Nash, Herb Simon e Robert Lucas. Muth foi o primeiro a desenvolver uma teoria sobre expectativas racionais. Sua tese se baseia na ideia de que as pessoas são racionais e fazem previsões usando todas as informações possíveis, não somente o horóscopo ou o passado. Com isso criam expectativas racionais sobre o futuro e ajustam seu comportamento, o que faz muitas vezes as políticas de governo se tornarem ineficazes, porque preveem os efeitos das suas tentativas de estimular a economia e avaliam se estão funcionando ou não.

Muth desenvolveu sua teoria no começo dos anos 1960, quando as políticas keynesianas esgotavam suas possibilidades nos Estados Unidos. Os governos promoviam “choques econômicos” e aumentavam os gastos para ampliar a demanda. Presumia-se que os salários aumentariam em decorrência dos incentivos à economia, mas o aumento da demanda também implica aumento de preços, o que acaba anulando o aumento dos salários. Num primeiro momento, as pessoas não se apercebem disso e têm expectativas positivas; quando descobrem a perda salarial, porém, o desânimo volta e o nível de emprego regride ao que era antes. Isso se chama “expectativa adaptativa”.

A teoria das “expectativas racionais” de John Muth partiu da premissa de que o povo não é burro e não se deixa enganar por muito tempo. Não tenta adivinhar os preços futuros com base nos anteriores apenas, prevê os preços com base nas demais informações disponíveis. Sabe que não pode considerar apenas o passado, porque isso pode custar mais caro. No Brasil, até a implantação do Plano Real, que fez uma transição programada de moeda sem gerar falsas expectativas, muitos “choques econômicos” fracassaram porque as pessoas sabiam das limitações dos pacotes criados para estimular a economia. As pessoas aprenderam que um nível de emprego mais alto não se sustenta quando a inflação sobe, ainda mais num cenário de hiperinflação como nas décadas de 1980 e 1990. E que não adianta caçar o boi no pasto para a carne ficar mais barata, como se tentou no Plano Cruzado

A volta do dragão
Isso significa que as pessoas só tomam decisões racionais? Não, se fosse assim, a vida dos economistas e governantes seria muito mais fácil. Existe uma economia comportamental, as pessoas costumam violar as suposições-padrão dos economistas quando as consequências são imprevisíveis. Acabam influenciadas pelo modo como as soluções e propostas são apresentadas. Estudos psicológicos mostram que, contraditoriamente, as pessoas são avessas ao risco quando diante do ganho, mas se arriscam diante da perda iminente. Na política, isso fica muito mais claro do que na economia, principalmente durante as eleições. Essa teoria comportamental, por exemplo, orienta todas as campanhas de marketing que adotam a “estratégia do medo”.

No Brasil, o Ano do Rato começou com a volta do dragão da inflação, frustrando as expectativas, inclusive em relação ao aumento do salário mínimo, que teve perda de seu valor real antes mesmo de o trabalhador recebê-lo, pois o aumento de 4,1% (de R$ 998 para 1.039) ficou abaixo da inflação. Pressionado pelos preços das carnes, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) fechou 2019 em 4,31%, acima do centro da meta para o ano, que era de 4,25%. Trata-se da maior inflação anual desde 2016, quando o índice ficou em 6,29%. Em 2018, o índice foi de 3,75%.

O mercado previa uma inflação de 4,13% em 2019, segundo a última pesquisa Focus do Banco Central. Apesar de estar dentro da meta, o aumento da inflação desconstrói a narrativa baluartista do ministro da Economia, Paulo Guedes, e frustra a onda de otimismo que operadores e analistas tentaram injetar na sociedade entre o Natal e o ano-novo. O povo sentiu na carne, literalmente, a alta dos preços, mas também em outros itens da alimentação, nos aluguéis, nos transportes, nos planos de saúde e na educação. A alta do dólar (política de Trump), o deficit fiscal (gastos públicos) e a queda das exportações (resultado da atual política externa) estão entre as causas do aumento de preços e revelam que o governo Bolsonaro ainda não fez o seu dever de casa. Se não fizer, a economia patina e o desemprego aumenta. E haverá nova alta de juros. [para saber mais,  leia: Inflação baixa que pesa no bolso]

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - Correio Braziliense