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sábado, 14 de dezembro de 2019

Aos cuidados do general Mourão: balanço do AI-5 e o que é ditadura - Ricardo Noblat

Blog do Noblat - VEJA

Modesta contribuição para aumentar os conhecimentos do vice-presidente 

O general Hamilton Mourão refere-se ao Ato Institucional nº 5, baixado há 51 anos pelo governo Costa e Silva, como “o grande instrumento autoritário que os presidentes militares tiveram à mão”. Mas não reconhece que houve um golpe no país em 1964, nem uma ditadura que se estendeu por 21 anos. [atos oficiais do Governo Militar, deixam claro que não ocorreu um golpe e sim  uma Revolução.
De igual modo, não houve ditadura e sim um GOVERNO FORTE.] Discordo do termo ditadura para o período de presidentes militares”, argumenta. “Para mim foi um período autoritário, com uma legislação de exceção, em que se teve que enfrentar uma guerrilha comunista, que terminou por levar que essa legislação vigorasse durante 10 anos”.

Seria interessante, sugere, que se pesquisasse quantas vezes o AI-5 foi utilizado efetivamente durante os 10 anos que ele vigorou. Porque muitas vezes, segundo ele, “se passa a ideia que todo dia alguém era cassado ou afastado. E não funcionou dessa forma. É importante ainda que a História venha à luz de forma correta”. O Congresso foi fechado duas vezes com base no AI-5. A primeira sob a alegação da necessidade de se “combater a subversão e as ideologias contrárias às tradições de nosso povo”. [a principal razão do fechamento do Congresso foi a rebelião do Poder Legislativo, capitaneada pelo deputado Márcio Moreira Alves.]  A segunda, em 1977, porque o general Ernesto Geisel disse que o MDB havia estabelecido no Congresso a “ditadura da minoria”.


Enquanto vigorou, o AI-5 permitiu que o governo cassasse o mandato de 110 deputados federais, 162 estaduais, sete senadores, 22 prefeitos e 22 vereadores eleitos por pouco mais de seis milhões de pessoas. Três ministros do Supremo Tribunal Federal foram aposentados e 500 pessoas perderam seus direitos políticos.  No que diz respeito aos direitos do cidadão comum, o AI-5 suprimiu as garantias civis. Qualquer pessoa podia ser presa sem autorização judicial. O habeas corpus deixou de existir para os processados por crime “contra a segurança nacional”. Os acusados passaram a ser julgados por tribunais militares. [crimes que atentam contra a Segurança Nacional costumam ser punidos, até nos países considerados modelos de democracia, com penas severas e muitas resultantes de atos de exceção.]

Censurou-se a imprensa. Militares passaram a dar expediente nas redações dos maiores jornais para impedir a publicação de notícias que desagradassem ao governo. Espetáculos musicais, peças de teatro, filmes também ficaram sujeitos à censura prévia, assim como novelas de televisão e exposições de arte.  Sob o pretexto de se combater a corrupção permitiu-se o confisco de bens de suspeitos mesmo sem culpa formada. Estudantes considerados subversivos foram expulsos de universidades e proibidos de estudar por três anos. Houve intervenção em sindicatos e as greves foram proibidas. Mas não foi o pior.

O AI-5 estimulou a prática de torturas em delegacias, quartéis e aparelhos clandestinos de repressão que se disseminaram pelo país. Oficiais do Exército, reunidos em auditório, assistiram a aulas de tortura. Segundo levantamento da Human Rights Watch, cerca de 20 mil pessoas foram torturadas entre 1964 e 1985. [levantamento realizado sem exatidão científica e que considerava tortura até um tapa que um policial desse em um desordeiro, preso em flagrante - na época, antes mesmo do governo militar, o tapinha era procedimento padrão.]

Em seu relatório final, a Comissão Nacional da [IN]Verdade registrou que entre 1946 e 1985 pelo menos 434 pessoas foram mortas ou desapareceram por razões políticas, a maior parte delas durante a ditadura de 64. Algo como 6.300 integrantes das próprias Forças Armadas foram presos, cassados ou demitidos  Ao preferir chamar de “período autoritário” o que foi uma ditadura por qualquer ângulo que se a examine, o general Mourão lembrou que o regime militar teve que enfrentar “uma guerrilha comunista”. De fato. Descoberta em 1972, acabou dizimada em 1975. Guerrilheiros que se renderam foram executados.

Ninguém gosta de recordar maus tempos. O 51º aniversário do mais cruel dos atos de força da ditadura militar de 64 passaria em branco se recentemente o deputado federal Eduardo Bolsonaro, e depois dele o ministro Paulo Guedes, da Economia, não tivessem insinuado que uma nova versão do AI-5 poderia ser adotada.  A maioria dos brasileiros é contra a volta da ditadura. Nas escolas militares ensina-se que não houve ditadura militar. As Forças Armadas juram respeito à Constituição. O governo que temos hoje é o que mais reúne partidários de um regime autoritário desde a redemocratização do país em 1985. Portanto, temei e vigiai. [e, se necessário, aceitai.]

Blog do Noblat - Ricardo Noblat, jornalista - Blog em VEJA


sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

Bolsonaro e os militares

Militares por trás da ascensão de Bolsonaro

Presidente ecoa um sentimento arraigado nas Forças Armadas de que o PT tentou levar o país para o socialismo

O que o general Villas Bôas, então comandante do Exército, conversou com o candidato Jair Bolsonaro não saberemos tão cedo, ou nunca. Mas sabemos que Bolsonaro atribui a ele ter chegado à Presidência da República e, juntando pedaços de narrativas, desenha-se uma versão muito próxima do que ocorreu nos bastidores militares nos últimos anos. O general Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), deu informações preciosas na entrevista ao “J10” da Globonews quarta-feira. Disse, por exemplo, que os militares perceberam que o que chamou de “efeito Bolsonaropoderia ajudar a que participassem da vida política num momento em que a situação no país era de “grande calamidade”.
Ficou-se sabendo também que quando Bolsonaro fala em “livrar o país do socialismo”, não está falando à toa. Ecoa um sentimento arraigado nas Forças Armadas de que o PT tentou levar o país para o socialismo, num esquema regional montado pelo Foro de São Paulo, agrupamento de esquerda coordenado por Lula e Fidel Castro que chegou a ter quase o monopólio político dos governos da América Latina. Essa desconfiança em relação ao PT se deve a fatos concretos. A então presidente Dilma chegou a consultar as Forças Armadas sobre a decretação do estado de emergência para evitar a votação de seu impeachment, e foi rechaçada.
Consumada a derrota política, uma análise do Diretório Nacional do PT lamentou que o partido tenha sido descuidado na reforma do Estado, citando, entre outras ações, a não interferência nos currículos das academias militares. Este “sincericídio” petista confirmou a intenção de controlar a formação militar, o que estava implícito em um decreto assinado pela presidente Dilma em setembro de 2015, transferindo para o Ministério da Defesa, ocupado pelo PT, poderes aparentemente burocráticos, mas que dariam margem justamente à interferência nos currículos das escolas militares, um sistema definido pelo general Heleno como “primoroso”.

O decreto foi neutralizado por outro, mas a nota do Diretório Nacional do PT mostrou que realmente o partido tinha entre suas prioridades o aparelhamento do ensino nas escolas e centros de formação militares. A possibilidade de Lula, através de uma manobra jurídica, poder disputar a eleição presidencial mesmo depois de ter sido condenado em segunda instância inquietava os militares próximos ao general Villas Bôas. Na véspera do julgamento de um habeas corpus de Lula no Supremo Tribunal Federal (STF), o general Villas Bôas divulgou um tuíte advertindo: “Nessa situação que vive o Brasil, resta perguntar às instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do país e das gerações futuras e quem está preocupado apenas com interesses pessoais?”.
A mensagem foi vista como uma pressão sobre o Supremo, e o próprio general Villas Bôas admite que ali “nós conscientemente trabalhamos sabendo que estávamos no limite. Mas sentimos que a coisa poderia fugir ao nosso controle se eu não me expressasse. Porque outras pessoas, militares da reserva e civis identificados conosco, estavam se pronunciando de maneira mais enfática”. Um deles era o general quatro estrelas Hamilton Mourão, íntimo de Villas Bôas, a quem chama de VB, que o considera “uma figura fantástica, um grande soldado”. Ainda na ativa, defendeu a intervenção militar caso as crises por que o país passa não fossem resolvidas pelos poderes constitucionais. E permitiu uma homenagem a favor do "torturador [nada existe em termos jurídicos, transitado em julgado que considere  o HERÓI dos Brasileiros, coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, um torturador.] Brilhante Ustra, a quem chamou, em entrevista à Globonews, de “meu herói”.
Foi transferido para um cargo burocrático e advertido, mas continuou próximo de VB e do general Heleno, que o defendeu na ocasião em nota no Facebook. Hoje, Mourão é o vice-presidente da República. Outra prova da influência do general Heleno: a maioria dos militares do primeiro e segundo escalões do novo governo, assim como ele, chefiou missões de Paz da ONU, no Haiti ou em outras áreas. Chefes militares que se destacaram em ações de combate. Não é por coincidência, portanto, que o general Fernando Azevedo e Silva, hoje ministro da Defesa do governo Bolsonaro, foi colocado anteriormente como assessor do presidente Dias Toffoli no Supremo Tribunal Federal (STF).
 
Merval Pereira - O Globo