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domingo, 10 de setembro de 2017

Campeãs nacionais de corrupção

O depoimento de Antonio Palocci e as malas de dinheiro de Geddel Vieira Lima são voz e imagem do capitalismo de compadrio brasileiro. Como podemos nos livrar dele? 

O governo escolhe algumas empresas – as campeãs nacionais. Franqueia facilidades a essas empresas. Em geral, contratos milionários com estatais ou empréstimos camaradas de bancos do governo. Parte do dinheiro, invariavelmente, sai do Tesouro – do contribuinte. Em troca, as campeãs nacionais financiam as campanhas do governo, que assim se perpetua no poder. Em cinco frases, pode-se resumir assim o capitalismo de estado da era PT-PMDB. A academia americana já tem um nome para esse fenômeno: crony capitalism – em português, capitalismo de compadrio. Acrescentando-se a essa fórmula a vasta circulação de propinas, talvez os historiadores do futuro resumam a era Lula-Dilma-Temer em três palavras: capitalismo de compadrio corrupto.

Nos primeiros anos, parecia que o governo Lula seria lembrado pelos historiadores como um ciclo modernizador. De um lado, preservava as conquistas do período anterior – estabilidade da moeda e responsabilidade fiscal. De outro, aperfeiçoava aquilo a que, na era Fernando Henrique, se chamava de “rede de proteção social”, tornando-a mais eficiente e mais focada. Tudo isso respeitando a democracia tão duramente conquistada. O que o filósofo Renato Janine Ribeiro definiu como o tripé modernizador do Brasil – democracia, inclusão social, estabilidade econômica – parecia um consenso nacional.

Em algum momento do segundo governo Lula começou o retrocesso. Talvez tenha sido, como sugeriu o ministro Antonio Palocci em seu depoimento esclarecedor na quarta-feira (6), na descoberta do pré-sal. O governo viu aí a oportunidade de gerar dinheiro não apenas para melhorar a situação social do país, mas também para se perpetuar no poder. A troca de favores entre poderosos, tão típica do Brasil antigo, voltou a ser prática corrente. As malas de dinheiro encontradas no apartamento de Geddel Vieira Lima – que ocupou cargos de confiança nos governos Lula, Dilma e Temer – são imagem simbólica do capitalismo de compadrio corrupto.

Poucas vezes as entranhas de tal sistema ficaram tão expostas quanto nesta Semana da Pátria, em que os nomes das campeãs nacionais de corrupçãoOdebrecht e JBS – voltaram às manchetes. Como o país pode se livrar dessa cultura perniciosa? A Operação Lava Jato, que pela primeira vez na história brasileira processa e pune os grandes corruptos, é um começo. Mas não se trata apenas de um caso de polícia. É preciso acabar com os mecanismos que possibilitam o capitalismo de compadrio corrupto. O governo não pode ter tantos instrumentos para fazer escambo com empresas, nem tanta facilidade para burlar pareceres técnicos. Menos campeões nacionais e mais foco na inclusão social com estabilidade econômica. Menos empresas estatais, menos bancos estatais, menos bolsa-empresário e mais educação, saúde e segurança para os cidadãos. Eis um bom tema de debate para a campanha presidencial do ano que vem.

Fonte: Revista Época
 

 

segunda-feira, 7 de agosto de 2017

Uma foto na parede

O errático comportamento do PSDB ao longo da grave crise política, econômica e moral que atinge o País vai muito além de sua anedótica indecisão

O Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) surgiu em julho de 1988 com a pretensão de representar ideologicamente os anseios da classe média, afastando-se da demagogia de partidos trabalhistas como PT e PDT e do fisiologismo explícito do PMDB, de cuja costela foi criado. Para isso, contava com nomes de peso da política nacional, capazes de oferecer compromissos firmes com a modernização do País, a começar pela novidade de um partido que se propunha a ser uma agremiação de massa a partir de um ideário homogêneo, distinguindo-se claramente do cipoal de siglas que nada representam. Isto é, o eleitor do PSDB saberia exatamente que projeto estaria elegendo quando votasse em algum candidato do partido. Isso, o eleitor já não sabe mais.

O errático comportamento do PSDB ao longo da grave crise política, econômica e moral que atinge o País vai muito além de sua anedótica indecisão. O fato de que 21 dos 47 deputados do partido votaram a favor da admissibilidade da denúncia contra o presidente Michel Temer na Câmara, embora formalmente os tucanos sejam parte do governo, indica a profundidade da confusão que reina no PSDB. E é evidente que essa balbúrdia denota falta de rumo, deixando confusos os eleitores que pensavam ser representados pelos tucanos.

Partidos surgem e desaparecem, e não será surpresa se o PSDB se desfizer, consumido por suas dúvidas e hesitações acerca de como se comportar diante da crise, ou melhor, para superar a crise. Quando duas dezenas de deputados resolvem votar contra o presidente que seu partido apoia, colocando em risco a estabilidade do governo que esse mesmo partido integra desde o primeiro momento, é o caso de perguntar se esses parlamentares estão realmente interessados na resolução da crise ou se simplesmente estão respondendo a um cálculo eleitoreiro. Alinhando-se aos irresponsáveis que desejam implodir o governo, a pretexto de não parecerem transigentes com a corrupção no País, esses tucanos na verdade renegam o espírito fundador de seu partido, comprometido desde sempre com o reformismo, com a responsabilidade fiscal e com a estabilidade econômica – as bandeiras do atual governo.

Assim, o PSDB parece ter se desfigurado a ponto de não mais se diferenciar dos partidos que nada mais são do que um ajuntamento de interesses particulares, tendo como horizonte apenas a eleição seguinte, e não o futuro do País. Distancia-se de seu eleitor tradicional, decepcionado com sua falta de rumo, passando a disputar votos entre aqueles que se encantam com discursos demagógicos – clientela tradicional dos partidos fisiológicos. Aquele PSDB moderno de três décadas atrás é hoje, diria Drummond, apenas uma fotografia na parede.

O problema disso, para o País, é que a eleição presidencial do ano que vem, conforme se afigura hoje, será disputada por aventureiros de diversos matizes. Por essa razão, mais do que nunca, partidos fortes, com alguma ossatura programática reconhecível, são imprescindíveis, para não permitir que o governo venha a ser conduzido por um populista que, sem nenhum tipo de compromisso político responsável, descarrile o País de vez. O PSDB, pelo seu passado, deveria ser um desses partidos, mas está a cada dia mais difícil reconhecer-lhe a tal ossatura, mais parecida com uma gelatinosa cartilagem. A algaravia tucana neste momento torna impossível identificar de que lado o partido realmente está.

O Brasil que trabalha e produz gostaria que a crise se resolvesse o mais rápido possível –
e isso significa, claro está, que o governo de Michel Temer precisa de apoio sólido no Congresso para conduzir as reformas de que o País tanto necessita. Além disso, urge que líderes políticos responsáveis se esforcem para acabar com o clima de apocalipse instalado no País, serenando ânimos e oferecendo uma perspectiva realista para os próximos tempos, que serão igualmente duros. Tudo o que o Brasil não precisa é de mais confusão – e o PSDB fará sua parte se se ativer ao seu manifesto de fundação, no qual o partido convoca os brasileiros a “lutar pelas mudanças com energia redobrada, através da via democrática e não do populismo personalista”.


Fonte:  O Estado de S. Paulo - Editorial