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sexta-feira, 15 de setembro de 2023

Uma carta de amor ao Brasil - Ana Paula Henkel

Revista Oeste

Naquele 7 de Setembro, quando ouvia nosso hino ser tocado ou cantarolado em algum ponto da Paulista, era como se eu estivesse em uma viagem boa no tempo quando a melodia era ouvida nos pódios pelo mundo afora


Foto: Shutterstock

Eu sei que você ficou triste com este 7 de Setembro. Nós também.

Foram muitos anos te presenteando com as ruas pintadas de verde e amarelo. Nos últimos quatro anos, então… parecia uma Copa do Mundo por ano! Amor, muito amor por você. Sua bandeira estava por todos os lados! Carros, janelas, sacadas, carros e carrinhos de bebês, sua bandeira era estampada e tatuada em jovens, idosos, crianças e animais de estimação! Sempre uma festa com milhões de convidados por todo o Brasil. Seu hino podia ser ouvido em caminhões ou em rodinhas de bar onde as pessoas celebravam o orgulho de te amar de novo!

Neste 7 de Setembro foi diferente, eu sei. Havia um presidente amigo de ditadores desfilando em carro aberto com uma primeira-dama vestida de vermelho. As ruas estavam vazias, e eu posso imaginar que você esteja pensando que não te amamos mais. Por favor, não se precipite em qualquer conclusão. As ruas estavam vazias exatamente porque havia um presidente amigo de ditadores desfilando com uma primeira-dama vestida de vermelho. As avenidas estavam fantasmagóricas exatamente porque te amamos demais. Os últimos meses foram de enorme provação para todos nós, você sabe. Desafios que nunca imaginamos encontrar. Já há algum tempo, tiranos covardes vêm tentando desvirtuar suas instituições, ignorar suas leis e a vontade do povo, censurar nossas dúvidas e amordaçar nossas ideias. E, você sabe como ninguém, resistimos como pudemos durante quatro anos.

Eu sei que a ausência do povo e o silêncio das ruas te incomodou. Foi muito difícil para nós também. Ainda estamos nos recuperando de imensas injustiças cometidas contra a sua gente. 
Inocentes estão presos, famílias estão quebradas, jornalistas e cidadãos estão sendo perseguidos e silenciados; e um perigoso regime totalitário só visto em páginas de livros de história anda assolando a sua democrática estrutura. Você é grande, às vezes consegue absorver o impacto e seguir, mas nós estamos assustados. Mesmo assim, não pense que nossa conclusão é de que perdemos tempo com tantas manifestações pacíficas para você em quatro anos. Não! Se te disserem isso, não acredite! 
Por você faríamos tudo de novo. Sigo tendo orgulho de você, de quem sou e de onde vim. O meu coração é seu, afinal, foram mais de duas décadas juntos e entrelaçados por tantos céus e estradas, não é mesmo? Você sabe que sempre foi difícil segurar as lágrimas quando tocava o seu hino em algum lugar do globo e eu, orgulhosa, colocava a mão no peito para mostrar o meu mais profundo amor e respeito por você. 

Por favor, não se chateie que nesta data as lágrimas não sejam de alegria. Não fique triste comigo, ainda sinto um orgulho imenso de você. Sua gente, mesmo tendo o espírito esmagado por tantas injustiças, segue lutando bravamente contra quem te usa sem escrúpulos e abusa de suas qualidades e belezas por projetos nefastos de poder. 

Ah… foram tantos anos sorrindo com você. E como demos muitas risadas juntos… Quando olho para as páginas da nossa relação, mesmo quando as lágrimas vinham, por alguma derrota ou decepção, suas cores sempre se destacavam e você me fazia sentir grande, potente! Apesar de todos os anos percorrendo o mundo com você nos ombros e nos uniformes, debaixo de sol e chuva, suas cores nunca deixaram de estar vibrantes. Todos sabiam de onde eu vinha porque suas cores me envolviam e brilhavam! 

Neste 7 de Setembro, essas cores e nossos corações estão desbotados. Perdoe-me a angústia nestas linhas. Peço, de coração aberto, que tente entender minha tristeza e por que não encontrei motivos para celebrações na semana do aniversário de sua Independência. 

(...)

Posso te confessar uma coisa? Naquele dia, não consegui evitar que um longo filme de mais de duas décadas com você e como atleta profissional passasse pela cabeça. Todas aquelas viagens pelo mundo com a sua bandeira talhada em nossos uniformes. Naquele 7 de Setembro, quando ouvia nosso hino ser tocado ou cantarolado em algum ponto da Paulista, era como se eu estivesse em uma viagem boa no tempo quando a melodia era ouvida nos pódios pelo mundo afora. As lembranças do passado se misturavam com as cenas da realidade diante dos meus olhos, e isso me trazia algumas lágrimas aos olhos que, algumas vezes, confesso, tentei esconder. Uma bobagem. O amor faz isso com a gente mesmo. Aquela sensação que senti tantas vezes em mundiais e olimpíadas estava de volta! 

Eu estava em uma grande — na verdade, em uma gigantesca — delegação olímpica pelo Brasil! A maior e mais bonita de todas elas! Era uma multidão feliz! E não havia lixo jogado nas ruas, não havia baderna, não havia vandalismo, não havia brigas e discussões. Havia um grande senso de civilidade e responsabilidade de te fazer feliz. Havia uma paixão profunda por você exarada no rosto das pessoas! As pessoas tinham o mesmo semblante de quando tirávamos da mala nossos uniformes novos com a bandeira do Brasil bordada na manga, como as que os soldados usam em seus uniformes nas guerras. 

(...)

Quem vive na prostituição intelectual resiste à verdade, à verdadeira luz. Neste triste 7 de Setembro, os olhos estão magoados, sim, mas entenda: agora conhecemos você como você merece ser conhecido e amado, e como você, de fato, é. Milhões de brasileiros saíram da caverna e descobriram que as sombras na parede não eram reais, que fomos manipulados e empurrados por tempo demais para que não chegássemos à superfície para apreciar o sol. 

Como escreveu Drummond, um de seus poetas mais fascinantes, também lá das minhas Gerais:

“Eu te amo porque te amo,
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.
Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.
Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.
Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.”

Meu amado Brasil, apesar da tristeza, não vamos mais voltar para a escuridão. 

Leia também “As caixas de dona Ruth”

CLIQUE AQUI, MATÉRIA COMPLETA

 

Ana Paula Henkel, colunista  

 

 


 

segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

Uma vacina contra a estupidez - Fernando Gabeira

In Blog
Com a vacina no horizonte, a dois meses de completar 80 anos, a Covid-19 me visitou. Se a ideia era me matar na praia, o vírus perdeu. Tornou-se apenas uma memória no meu sangue, na forma de IgG reagente. Um retrato na parede, como dizia Drummond. Pouca febre, muita dor de cabeça: é bom vencer uma batalha, mesmo sabendo que, no final, perde-se a guerra. [os quase 80 anos e o passado agitado do articulista, não deixam dúvidas ser ele 'duro na queda'. No agitado passado perdeu batalhas, agora venceu a peste chinesa.  
A seu favor teve, e tem, um fato reconhecido pelo nosso presidente: devemos combater e nos prevenir contra o coronavírus, mas a covid-19 é na maior parte das vezes uma "gripezinha". Graças a DEUS,  seu índice de contágio é inferior ao da influenza e sua letalidade a torna menos mortífera do que muitas outras doenças tradicionais que continuam, e infelizmente continuarão matando milhares e milhares de brasileiros.]

Ainda assim, estarei na fila da vacina. Dizem que um raio não cai duas vezes no mesmo lugar, mas a Covid-19 tem negado essa crença popular. Bolsonaro está tirando o bumbum da seringa. E o faz em situações diferentes. Em primeiro lugar, quer que as pessoas assumam um termo de responsabilidade ao tomar a vacina. Ele não leu a Constituição no trecho que afirma que a saúde como direito de todos é dever do Estado.

Em segundo lugar, afirma que não vai se deixar vacinar e ponto final. Em muitos lugares do mundo, os estadistas se vacinam em público para estimular as pessoas. Obama, Clinton e Bush se dispuseram a isso. O vice-presidente dos EUA o fez. A rainha da Inglaterra espera na fila de vacinação. Depois de muito resistir à CoronaVac, que chama de vacina chinesa, Bolsonaro decidiu autorizar o general Pazuello a comprá-la, no Instituto Butantan. [essa vacina tem um problema: não aparece, não existe pedidos de registro, encalhou na FASE 3 de TESTE e em todo o mundo conta apenas com aprovação da China e do 'bolsodoria'.]

Aqui, o movimento de tirar o bumbum da seringa é mais sutil. Ele percebeu que não será fácil conseguir vacinas rapidamente, além da CoronaVac. E o exame cotidiano das pesquisas mostra que a incapacidade de oferecer vacinas derrubará seus índices de popularidade. A ideia de sabotar a CoronaVac não era boa. Na década de 1980, no auge da epidemia de aids, o governo francês sabotou uma técnica de exame de sangue, formulada pelo Abbott. Havia uma iniciativa semelhante, porém mais atrasada, no Instituto Pasteur.

Quando se descobriu que o governo empurrou com a barriga a licença de uma técnica que salvaria muitas vidas, foi um deus-nos-acuda. Famílias de hemofílicos entraram na Justiça, houve até uma tentativa de explodir uma bomba. Para simplificar a história: dois diretores do Centro Nacional de Transfusão de Sangue foram condenados a quatro e dois anos de cadeia. São eles Michel Garreta e Jean-Pierre Allain.

Em síntese: atrasar por razões políticas uma vacina que possa salvar vidas dá cadeia. É importante que os militares da Anvisa saibam disso. O próprio general Pazuello também deveria entender. Se for difícil para ele, sempre haverá alma caridosa para explicar com desenhos e animação. Outro dia, vi nas redes um vídeo em que o general Pazuello, numa festa, cantava “Esperando na janela”. O ministro da Saúde cantando numa festinha, em plena pandemia, é sempre estranho. Pazuello já teve Covid. Foi tratado com todos os recursos disponíveis, não lhe faltou leito.

Ao dizer em discurso que não entende a ansiedade de todos nós, ele se esquece de milhões de pessoas que têm medo de não encontrar vaga em hospital, medo da falta de ar, medo de ser intubadas, medo da morte. A frase de Pazuello é a versão edulcorada do “país de maricas” que Bolsonaro enunciou num dos seus discursos no Planalto. No fundo, são pessoas que não entendem o medo em nossa economia psíquica, muito menos as qualidades do feminino. Associam ideias estupidamente.

Percebo agora como subestimei o perigo que Bolsonaro representava em 2018. Calculava apenas a ameaça à democracia e contava com os clássicos contrapesos institucionais: STF e Congresso, imprensa. Não imaginei que um presidente poderia enfrentar uma tragédia como o coronavírus ou precipitar dramaticamente a tragédia anunciada pelo aquecimento global.

Os Estados Unidos passaram por um flagelo semelhante e o superaram, apesar das marcas. A versão tropical é mais devastadora, não só pela profundidade da ignorância de Bolsonaro, mas também pelas circunstâncias. Trump deixa os Estados Unidos com pelo menos uma vacina produzida nos EUA e quantidade de doses contratada suficiente para imunizar o país. No seu lugar, entra Biden: consciência ambiental e sintonia absoluta com a ciência no combate ao coronavírus. [ser recorrente torna-se necessário: quanto estiver disponível para compra a vacina chinesa, ou outra, devidamente registrada na Anvisa ou no FDA, e o governo Bolsonaro se recusar a comprar, pode, e até deve, ser denunciado.

Por conquanto, cabe preocupação aos muitos que desde o inicio da pandemia adotam medidas estapafúrdias, conflitantes, inúteis, quase sempre cerceiam ações governamentais, . Estes certamente terão que prestar contas.]

Não tenho dúvidas de que também vamos acordar do pesadelo. Mas uma importante tarefa, assim como aconteceu com uma geração de intelectuais alemães no pós-guerra, será estudar as causas disso tudo: as raízes no imaginário nacional que nos tornam tão vulneráveis à barbárie, tão seduzidos pelo discurso da estupidez.

Blog do Gabeira - Fernando Gabeira,  jornalista

Artigo publicado no jornal O Globo em 21/12/2020

 

segunda-feira, 7 de setembro de 2020

A Pátria em horas decisivas - Percival Puggina

Não subscrevo manifestações de hostilidade ao Brasil, tão comuns entre radicais e revolucionários a cada 7 de Setembro. O que me move a este texto é um apelo aos bons brasileiros, aos que amam a pátria que aniversaria e que se sentem responsáveis por ela. Escrevo para muitos, portanto. Aproveitemos este dia para refletir sobre o que os maus compatriotas estão fazendo com nossa gente. Sob nossos olhos, à base de manobras “jurídicas”, estão restabelecendo a impunidade e a casa de tolerância. Há quem se empenhe nisso. Há quem busque fundamentos constitucionais para assegurar nosso convívio com o gangsterismo político
há quem aceite como algo natural que a população dos morros seja confiada ao “zelo” e aos “bons modos” do crime organizado
há quem conviva muito bem com o banditismo deslavado e sorridente de uma elite rastaquera, que conta dinheiro e votos como se fossem a mesma coisa. 

Graças a esse ambiente político, judiciário e legislativo são capazes de embolsar comissão até nas compras para combate à covid-19.
Não lhes basta a própria corrupção. Dedicam-se, há bom tempo, à tarefa de corromper o próprio povo, porque são milhões e milhões que já não se repugnam, que já não reclamam, que já sequer silenciam. Mas aplaudem e se proclamam devotos.
Não, não é apenas no plano da política que a nação vai sendo abusada e corrompida. Também nos costumes, também no desprezo à ética, à verdade e aos valores perenes. 
Também nas novelas, na cultura, nas artes, nas baladas. 
Nas aspirações individuais e nas perspectivas de vida. Incitaram o conflito racial numa nação mestiça desde os primórdios. À medida que Deus vai sendo expulso, à base de interditos judiciais e galhofas sociais, instala-se, no Brasil, a soberania do outro. E chamam fascista quem a tanto rejeita.
Brasileiros! Recebemos de Deus e da História um país esplêndido! Herdamos um idioma belíssimo que aprendemos de nossos pais e no qual escreveram gênios como Bilac, Machado, Drummond, Graciliano; fomos ungidos, desde os primórdios, na fé que animou São José de Anchieta; 
 nossas raízes remontam às mais nobres tradições da cultura e da civilização ocidental. E nos mesclamos num cadinho de convivência onde se conjugam, nos versos de Cassiano Ricardo, os filhos do sol, os filhos do luar, os filhos da noite e os imigrantes de todas as pátrias.

Somos a nação de Pedro I, de Pedro II, de Bonifácio, de D. Leopoldina, de Isabel. E de Caxias, Maria Quitéria, Tamandaré, Osório, Rio Branco, Rondon, Mauá e tantos, (tantos!) grandes conterrâneos. Neles podemos e devemos buscar proveitosas lições para iluminar nosso compromisso como brasileiros neste 7 de setembro. Por força do vírus, ele é diferente dos demais no plano dos homens, mas não menos credenciado ao amor de seus filhos, sob as bênçãos de Deus. Que Ele nos conduza à rejeição do mal e a um firme compromisso com o bem, a justiça, a verdade e a beleza.

Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Integrante do grupo Pensar+.



domingo, 24 de junho de 2018

“Lula, teje solto ou teje preso?” e outras notas de Carlos Brickmann

Previsível é apenas a posição de Lula: continuará dizendo que é candidato, até que seu registro seja negado

[lula já era, está acabado politicamente e seus advogados, inclusive o ministro aposentado, continuam lhe dando esperanças vãs]


O próximo capítulo da novela Prisão com Lula é górpi” estava marcado para esta terça. A Segunda Turma do Supremo julgaria pedido de suspensão da condenação de Lula e sua libertação imediata. Julgaria: o mesmo ministro Edson Fachin que pedira a votação mandou suspendê-la. Motivo: o TRF-4 de Porto Alegre encaminhara o processo ao STJ, e o STF não deveria interferir no tema. Dever, não deveria, mas já tinha interferido, lançando dúvidas em todo o país.

Ou melhor, mais dúvidas. Seria julgada só a libertação ou também a proibição de se candidatar? Dúvidas havia até na defesa de Lula: o advogado Sepúlveda Pertence, em Brasília, pedira ao Supremo que, se não anulasse a sentença, transferisse Lula para prisão domiciliar; o advogado Cristiano Zanin, em São Paulo, dizia não ser aceitável que Lula continuasse preso, por considerá-lo vítima de injustiça.

Alguma previsão lógica? Se no Brasil nem o passado é previsível, imagine o futuro. Mesmo que houvesse certeza sobre a votação, não haveria sobre o seu alcance. Mesmo derrotada a tese da anulação da sentença que o condenou, alguma concessão – como prisão domiciliar – já representaria uma vitória política para Lula.  Se o pedido fosse integralmente rejeitado, sem concessões, ficaria mais claro ainda que Lula não poderia disputar eleições. Mas as turmas do STF são formadas por cinco ministros, há muitas decisões por 3×2, e na Segunda Turma estão pessoas que já foram muito ligadas a Lula ou ao PT. Isso não significa que seu pedido seria aceito – nem essa certeza existe – mas que seria possível algum tipo de atenuante da punição. Previsível é apenas a posição de Lula: continuará dizendo que é candidato, até que seu registro seja negado.

O adversário 1
Quem será o candidato de Lula à Presidência? Muita gente pensa que, depois da falta de gentileza de Dilma, que fez questão de se candidatar à reeleição em vez de ceder a vez a Lula, ele preferiria escolher algum nome de outro partido, que não pudesse disputar com ele o comando do PT. Pode ser; e, afinal, Jaques Wagner, fiel entre os fiéis, tem conversado muito com Ciro Gomes, o que não faria sem a aprovação de Lula. Mas as coisas são mais complexas: se Ciro ganha, passa a liderar toda a ala bolivariana da política brasileira, e Lula fica em segundo plano. O PT vai conversar com Ciro até o último instante; mas seu candidato deve ser do partido, alguém abertamente fiel a Lula e que não tenha ambições futuras. Haddad, talvez.

O adversário 2
O candidato tucano Geraldo Alckmin continua parado: não teve novos apoios, não subiu nas pesquisas, não se tornou empolgante. Mas, apesar de tudo, pode chegar ao segundo turno. E, se tiver a sorte de disputar contra radicais, pode ganhar a eleição. Meirelles, emparedado (se for apresentado como candidato do Governo, é ruim; se for apresentado como oposição, é pior), não tem onde buscar apoio e é ainda menos empolgante do que Alckmin. A tendência da maior parte do MDB – não unânime, já que haverá emedebistas dando apoio de Ciro Gomes a Bolsonaro – é aliar-se a Alckmin. O mesmo ocorre com o DEM, o PSD, e os partidos do Centrão, PR, PTB, PP, eventualmente o PRB. Isso dá voto? Não, claro; mas dá tempo de TV e ajuda no essencial trabalho de acompanhar de perto a campanha e as apurações. Urnas venezuelanas têm seus mistérios.

Os líderes
Há ainda Bolsonaro. Líder nas pesquisas, em ascensão, falta-lhe a base partidária. Seu tempo de TV é minúsculo. Pode chegar ao segundo turno (como Ciro também pode), mas precisará demonstrar sua força eleitoral. Por enquanto, vai bem; quando a campanha começar, como fica, sem TV?
Marina é empolgante, pessoalmente, mas não tem base. Como um cometa, aparece de quatro em quatro anos, brilha e some. Falta-lhe o trabalho de base, a ser realizado no intervalo das eleições. E Ciro vai bem, mas não resiste à tentação de ofender pessoas e grupos, até que se perca.

Os alicerces
Quem começa a trabalhar as bases, não para essas eleições, mas para o futuro, são dois grupos: o Partido Novo (que tem candidato, João Amoedo, mas cuja força virá da proposta de um governo baseado no mérito, e não só em acordos políticos); e o RenovaBR, que busca formar líderes políticos para o futuro, independentemente de sua ideologia. O RenovaBR dá cursos de seis meses, mais ajuda de custo, a 133 bolsistas que se comprometam com combate à corrupção, sustentabilidade e gestão fiscal responsável.
O RenovaBR foi criado pelo empresário Eduardo Mufarej (Tarpon Investimentos), com apoio de Nizan Guanaes, Armínio Fraga, Luciano Huck e outros. É trabalho bem montado: utiliza uma plataforma Canvas, da Instructure, já testada por sólidas instituições de ensino, num ambiente virtual de aprendizado que abrange todo o país. Os dois projetos podem funcionar – o que seria ótimo para o Brasil, num futuro não muito distante.

Como dizia o poeta
O PT pensa em Dilma para o Governo de Minas, em vez de Pimentel. Como disse Drummond, “quer ir para Minas, Minas não há mais”.

Publicado na Coluna de Carlos Brickmann

 

segunda-feira, 7 de agosto de 2017

Uma foto na parede

O errático comportamento do PSDB ao longo da grave crise política, econômica e moral que atinge o País vai muito além de sua anedótica indecisão

O Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) surgiu em julho de 1988 com a pretensão de representar ideologicamente os anseios da classe média, afastando-se da demagogia de partidos trabalhistas como PT e PDT e do fisiologismo explícito do PMDB, de cuja costela foi criado. Para isso, contava com nomes de peso da política nacional, capazes de oferecer compromissos firmes com a modernização do País, a começar pela novidade de um partido que se propunha a ser uma agremiação de massa a partir de um ideário homogêneo, distinguindo-se claramente do cipoal de siglas que nada representam. Isto é, o eleitor do PSDB saberia exatamente que projeto estaria elegendo quando votasse em algum candidato do partido. Isso, o eleitor já não sabe mais.

O errático comportamento do PSDB ao longo da grave crise política, econômica e moral que atinge o País vai muito além de sua anedótica indecisão. O fato de que 21 dos 47 deputados do partido votaram a favor da admissibilidade da denúncia contra o presidente Michel Temer na Câmara, embora formalmente os tucanos sejam parte do governo, indica a profundidade da confusão que reina no PSDB. E é evidente que essa balbúrdia denota falta de rumo, deixando confusos os eleitores que pensavam ser representados pelos tucanos.

Partidos surgem e desaparecem, e não será surpresa se o PSDB se desfizer, consumido por suas dúvidas e hesitações acerca de como se comportar diante da crise, ou melhor, para superar a crise. Quando duas dezenas de deputados resolvem votar contra o presidente que seu partido apoia, colocando em risco a estabilidade do governo que esse mesmo partido integra desde o primeiro momento, é o caso de perguntar se esses parlamentares estão realmente interessados na resolução da crise ou se simplesmente estão respondendo a um cálculo eleitoreiro. Alinhando-se aos irresponsáveis que desejam implodir o governo, a pretexto de não parecerem transigentes com a corrupção no País, esses tucanos na verdade renegam o espírito fundador de seu partido, comprometido desde sempre com o reformismo, com a responsabilidade fiscal e com a estabilidade econômica – as bandeiras do atual governo.

Assim, o PSDB parece ter se desfigurado a ponto de não mais se diferenciar dos partidos que nada mais são do que um ajuntamento de interesses particulares, tendo como horizonte apenas a eleição seguinte, e não o futuro do País. Distancia-se de seu eleitor tradicional, decepcionado com sua falta de rumo, passando a disputar votos entre aqueles que se encantam com discursos demagógicos – clientela tradicional dos partidos fisiológicos. Aquele PSDB moderno de três décadas atrás é hoje, diria Drummond, apenas uma fotografia na parede.

O problema disso, para o País, é que a eleição presidencial do ano que vem, conforme se afigura hoje, será disputada por aventureiros de diversos matizes. Por essa razão, mais do que nunca, partidos fortes, com alguma ossatura programática reconhecível, são imprescindíveis, para não permitir que o governo venha a ser conduzido por um populista que, sem nenhum tipo de compromisso político responsável, descarrile o País de vez. O PSDB, pelo seu passado, deveria ser um desses partidos, mas está a cada dia mais difícil reconhecer-lhe a tal ossatura, mais parecida com uma gelatinosa cartilagem. A algaravia tucana neste momento torna impossível identificar de que lado o partido realmente está.

O Brasil que trabalha e produz gostaria que a crise se resolvesse o mais rápido possível –
e isso significa, claro está, que o governo de Michel Temer precisa de apoio sólido no Congresso para conduzir as reformas de que o País tanto necessita. Além disso, urge que líderes políticos responsáveis se esforcem para acabar com o clima de apocalipse instalado no País, serenando ânimos e oferecendo uma perspectiva realista para os próximos tempos, que serão igualmente duros. Tudo o que o Brasil não precisa é de mais confusão – e o PSDB fará sua parte se se ativer ao seu manifesto de fundação, no qual o partido convoca os brasileiros a “lutar pelas mudanças com energia redobrada, através da via democrática e não do populismo personalista”.


Fonte:  O Estado de S. Paulo - Editorial

 

terça-feira, 13 de setembro de 2016

Uma mulher na Corte



O Supremo Tribunal Federal passa a ser presidido por uma mulher pela segunda vez na história da Corte. Isso significa um passo a mais no esforço de se quebrar o espaço de poder quase que completamente masculino, mas não significa que ela deva ser cobrada ou elogiada por ser mulher. O que levou Cármen Lúcia ao posto é sua competência jurídica. Sua posse foi um ato político, pelos discursos e ambiente.

O presidente Michel Temer e o ex-presidente Lula ficaram na mesma sala antes de entrar no plenário. Lula chegou antes. Os dois sequer se olharam durante os minutos que aguardaram o início da cerimônia. O discurso do ministro Celso de Mello deu o tom político. Fez uma longa e forte condenação da corrupção, com palavras contundentes

Atrás dele, estava o ex-presidente Lula. O discurso do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, foi na mesma linha, acrescentando a defesa das 10 medidas anticorrupção. O representante dos advogados também falou do tema, mas argumentando que não se pode aceitar provas de origem ilícita mesmo que de boa-fé. A Lava-Jato estava presente o tempo todo, nas entrelinhas, ou em referências diretas.

A nova presidente foi republicana logo na lista de saudações. Quebrou o protocolo e primeiro fez homenagem à sua excelência o cidadão. Admitiu que ele, o cidadão, não está satisfeito com a Justiça. Usando a poesia de Cecília Meireles, Drummond e Guimarães Rosa defendeu uma Justiça mais eficiente. Cármen Lúcia tem visão crítica de alguns dos benefícios que têm os juízes, desembargadores e ministros de tribunais superiores como auxílio moradia, por exemplo. Não está no momento disposta a abraçar a causa do aumento do Judiciário, como fez o ministro Ricardo Lewandowsky. Em outro momento, talvez. Por outro lado, espere-se dela a defesa intransigente dos ritos e da independência da Justiça.

Em um fim de semana tormentoso da vida do país, o ministro Lewandowsky viajara para fora do Brasil, e ela ficou na presidência. Um integrante do alto escalão do governo Dilma lhe telefonou para dizer que ela não se preocupasse, porque qualquer urgência que houvesse eles poderiam recorrer ao ministro no exterior. — A presidência do Supremo Tribunal Federal não viaja, por isso gostaria de informar que é a mim que devem recorrer. Exatamente pela conjuntura política eu cancelei até a viagem a Minas, e ficarei de plantão. Se houver qualquer problema vocês poderão me encontrar domingo no meu gabinete — respondeu.

Ela assume em momento de extrema judicialização da política. A Segunda Turma do STF, sem Cármen Lúcia, pode ter outra tendência. Serão tomadas decisões cruciais, como o cumprimento da pena após a condenação em segunda instância. Quem julga é o pleno da Corte, mas ela presidirá, e o mundo jurídico está totalmente dividido sobre isso.  Sua posse é oportunidade para se entender um pouco mais da questão de gênero, tão desentendida. Certa vez, conversando sobre a obtusa e desatualizada decisão de nomear um ministério todo masculino, ouvi de um integrante do governo Michel Temer que o importante é o “mérito”. Fica parecendo então que não havia talentos ao alcance desse mérito.

Há um fenômeno bem conhecido que é a invisibilidade do grupo discriminado. O mérito do ex-presidente Lula foi ver o talento de Cármen Lúcia e do ministro Joaquim Barbosa, como o ex-presidente Fernando Henrique viu o mérito de Ellen Gracie. Não é verdade que não haja mulheres com méritos, é que é preciso ter olhos de ver. Cada vez que uma mulher assume cadeira no comando do país, as mulheres dão um passo a mais no esforço coletivo para quebrar o monopólio exercido pelos homens desde sempre. [pena que a eleição e reeleição da Dilma atrapalhou em muito as mulheres, visto que depois de Dilma fica complicado acreditar, sem ressalvas, que as mulheres, fora raras exceções, sejam competentes.] 

Em Espinosa, no sertão de Minas, onde Cármen cresceu, sua mãe Anésia plantava flores na quintal. Mas o tempo seco e o excesso de sol costumavam destruir todo o trabalho. Ela plantava novamente. Um dia “seu” Florival disse para a mulher que aquele trabalho incessante era inútil, já que a seca destruía suas flores. Ela respondeu: “Pois eu continuarei plantando, porque não tenho vocação para cultivar erva daninha.” As flores da ministra Cármen Lúcia podem não prosperar, mas não se peça à filha de dona Anésia que ela cultive erva daninha.

Fonte: Blog da Miriam Leitão - Com Álvaro Gribel, de São Paulo