Blog Prontidão Total NO TWITTER

Blog Prontidão Total NO  TWITTER
SIGA-NOS NO TWITTER
Mostrando postagens com marcador crony capitalism. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador crony capitalism. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 23 de agosto de 2019

A política do crime - Carlos Alberto Sardenberg

Coluna publicada em O Globo - Economia 22 de agosto de 2019
 
Começo a examinar aqui algumas teses politico/jurídicas supostamente articuladas para conter “excessos da Lava-Jato”. Conhecendo a prática do direito penal no Brasil, sabe-se que advogados, juristas e juízes sempre encontraram teses para tudo. Basta acompanhar um debate no STF – longas  argumentações, na técnica jurídica, para sustentar verdades perfeitamente opostas.
         Por exemplo: a prisão em segunda instância é ou não constitucional?
         Há teses para os dois lados. O que fazer? Vai aqui uma sugestão. Examinar as teses dentro do contexto em que foram criadas.
         Esclarece muita coisa, espero.

Criminalização da política a expressão tem sido utilizada para atacar a Lava Jato, em especial, e as ações de combate à corrupção em geral, envolvendo políticos e seus partidos. Diz que certos promotores e  juízes têm uma visão negativa do exercício da política, enxergando só roubalheira e troca de favores, cegos para a arte de propor e negociar a implantação de projetos de governo. Por exemplo: criminalizar a política seria não perceber que a negociação de cargos é parte do processo legítimo de formar maiorias – e não uma simples compra de votos.

         Do mesmo modo, criminalizar a política seria não perceber que a distribuição de verbas públicas faz parte do processo legítimo de administrar. Nessa intepretação, promotores e juízes todos sabem quais – seriam moralistas xiitas, querendo jogar  os todos políticos na fogueira da Lava Jato. Foi com base nesse entendimento que deputados e senadores aprovaram a lei de abuso de autoridade, com o apoio de magistrados de cortes superiores. Justificaram: tem que colocar um freio na Lava Jato porque senão ela vai avançar contra a classe política.

Mas, olhando os fatos, a Lava Jato não pega políticos, pega políticos ladrões. Não avança contra a classe política em abstrato, mas contra membros da classe política que colocaram nos seus bolsos ou no caixa de seus partidos um dinheiro que não lhes pertencia. Dinheiro do público.
Ora, quem criminalizou a política? Agentes públicos que apanharam a corrupção ou políticos que se corrompiam há muitos e muitos anos?

Criminalização da atividade empresarial – a lógica é a mesma. A expressão quer dizer que a Lava-Jato, no fundo, considera criminosa toda a atividade no mundo dos negócios, especialmente dos grandes, sobretudo as empreiteiras. Procuradores e juízes da operação seriam xiitas contra o capitalismo. A contra-intepretação vai na mesma linha. A história econômica mostra que, em qualquer país, sempre há o risco de se cair numa modalidade conhecida como “crony capitalism”, o capitalismo de amigos, arranjo entre empresários e políticos e agentes públicos. As empresas financiam eleições, os políticos e agentes distribuem facilidades (“boas” leis e “bons” negócios). Assim, as empresas não precisam ser eficientes, basta ter “bons” amigos no governo e na política.

No comunicado em que informou sobre o processo de delação premiada, a direção da Odebrecht diz mais ou menos o seguinte: a companhia sempre foi de ponta, não precisa dessas práticas.  Um  acionista da empreiteira me disse uma vez: todo mundo fazia, como não fazer? O capitalismo de amigos cresceu no Brasil sem restrições, em larga escala. De novo: quem criminalizou a atividade empresarial, a Lava-Jato que apanhou as falcatruas ou os empresários e políticos que organizaram e apitaram o jogo dos negócios facilitados? 

Empresas brasileiras capturadas na Lava-Jato foram também apanhadas nos EUA, como a Petrobras e a Odebrecht. E chama a atenção uma diferença de tratamento. Nos EUA, acordos de leniência saíram rapidamente, com pagamento de pesadas indenizações e liberação das companhias para que voltassem a atuar normalmente. No Brasil, o que está destruindo empresas – e empregos não é a Lava-Jato, mas um emaranho jurídico que impede o fechamento de acordos de leniência, com negociações com diversos órgãos, em um processo sem fim.
Não, a Lava-Jato não é contra o capitalismo. É contra um capitalismo de compadres, que muita gente tenta restabelecer.


(Continua com análise da tese do “cerceamento da defesa”)

domingo, 10 de setembro de 2017

Campeãs nacionais de corrupção

O depoimento de Antonio Palocci e as malas de dinheiro de Geddel Vieira Lima são voz e imagem do capitalismo de compadrio brasileiro. Como podemos nos livrar dele? 

O governo escolhe algumas empresas – as campeãs nacionais. Franqueia facilidades a essas empresas. Em geral, contratos milionários com estatais ou empréstimos camaradas de bancos do governo. Parte do dinheiro, invariavelmente, sai do Tesouro – do contribuinte. Em troca, as campeãs nacionais financiam as campanhas do governo, que assim se perpetua no poder. Em cinco frases, pode-se resumir assim o capitalismo de estado da era PT-PMDB. A academia americana já tem um nome para esse fenômeno: crony capitalism – em português, capitalismo de compadrio. Acrescentando-se a essa fórmula a vasta circulação de propinas, talvez os historiadores do futuro resumam a era Lula-Dilma-Temer em três palavras: capitalismo de compadrio corrupto.

Nos primeiros anos, parecia que o governo Lula seria lembrado pelos historiadores como um ciclo modernizador. De um lado, preservava as conquistas do período anterior – estabilidade da moeda e responsabilidade fiscal. De outro, aperfeiçoava aquilo a que, na era Fernando Henrique, se chamava de “rede de proteção social”, tornando-a mais eficiente e mais focada. Tudo isso respeitando a democracia tão duramente conquistada. O que o filósofo Renato Janine Ribeiro definiu como o tripé modernizador do Brasil – democracia, inclusão social, estabilidade econômica – parecia um consenso nacional.

Em algum momento do segundo governo Lula começou o retrocesso. Talvez tenha sido, como sugeriu o ministro Antonio Palocci em seu depoimento esclarecedor na quarta-feira (6), na descoberta do pré-sal. O governo viu aí a oportunidade de gerar dinheiro não apenas para melhorar a situação social do país, mas também para se perpetuar no poder. A troca de favores entre poderosos, tão típica do Brasil antigo, voltou a ser prática corrente. As malas de dinheiro encontradas no apartamento de Geddel Vieira Lima – que ocupou cargos de confiança nos governos Lula, Dilma e Temer – são imagem simbólica do capitalismo de compadrio corrupto.

Poucas vezes as entranhas de tal sistema ficaram tão expostas quanto nesta Semana da Pátria, em que os nomes das campeãs nacionais de corrupçãoOdebrecht e JBS – voltaram às manchetes. Como o país pode se livrar dessa cultura perniciosa? A Operação Lava Jato, que pela primeira vez na história brasileira processa e pune os grandes corruptos, é um começo. Mas não se trata apenas de um caso de polícia. É preciso acabar com os mecanismos que possibilitam o capitalismo de compadrio corrupto. O governo não pode ter tantos instrumentos para fazer escambo com empresas, nem tanta facilidade para burlar pareceres técnicos. Menos campeões nacionais e mais foco na inclusão social com estabilidade econômica. Menos empresas estatais, menos bancos estatais, menos bolsa-empresário e mais educação, saúde e segurança para os cidadãos. Eis um bom tema de debate para a campanha presidencial do ano que vem.

Fonte: Revista Época