Entenda por que o ex-ministro petista Paulo Bernardo, patrono do
esquema que prejudicou brasileiros endividados, virou réu e agora pode
passar uma nova temporada na prisão, como pretende o Ministério Público
Federal
Na quinta-feira 4, o ex-ministro de Dilma e Lula, Paulo Bernardo,
experimentou o seu pior infortúnio, desde que deixou a cadeia no dia 30
de junho. Virou réu no processo que apura sua participação em crimes de
corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro e obstrução à
investigação de organização criminosa. Na denúncia, os procuradores
apresentam o ex-ministro como o “patrono” e “líder” de uma organização
criminosa – composta por 13 pessoas – que se especializou em lesar
aposentados endividados, brasileiros vulneráveis vítimas de uma fraude
que arrecadou R$ 100 milhões e serviu para irrigar as contas de agentes
públicos e do Partido dos Trabalhadores.
“O NÚMERO 1 ” Nos diálogos interceptados pela Operação Custo Brasil,
Paulo Bernardo era tratado como o chefe do esquema (Crédito: ROBERTO
CASTRO)
Agora, Bernardo, que se
autoproclamava amigo de Lula e Dilma, corre sério risco de passar uma
nova e mais duradoura temporada na prisão. Este foi o desejo expressado
também na semana passada pelo procurador-geral da República, Rodrigo
Janot, que pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) a detenção do
ex-ministro, sob o argumento de que, em liberdade, há risco de Paulo
Bernardo cometer mais crimes, e prejudicar as investigações em curso.
A relação de Paulo Bernardo com entidades financeiras é antiga.
Remonta aos anos 80, quando foi dirigente do Sindicato dos Bancários de
Londrina, no Parará. Graças a essas ligações que, décadas depois, já
como ministro de Lula (Planejamento) e Dilma Rousseff (Comunicações),
conseguiu engendrar um esquema de propina que abasteceu durante anos
contas de políticos do Partido dos Trabalhadores, empresários, lobistas
e, claro, as dele também, de acordo com as investigações. A ironia dessa
história toda é que o dinheiro era desviado daqueles que um dia
Bernardo representou como sindicalista: o servidor público.
ALEGRIA DE LADRÕES - ESTÃO RINDO DE QUÊ? Além de Paulo Bernardo, sua mulher, a senadora
Gleisi Hoffmann, também está envolvida na Operação Custo Brasil
Segundo a Polícia Federal, cada servidor aposentado e da ativa que
contraiu um empréstimo com desconto em folha pagou R$ 1 por mês para a
quadrilha, totalizando R$ 100 milhões entre 2009 e 2015. A cada R$ 1
pago, a organização criminosa comandada pelo “gordinho ou número 1”,
como o petista Paulo Bernardo foi qualificado em diálogos interceptados
pelo Ministério Público Federal em São Paulo, embolsava R$ 0,70 de
propina. O sobrepreço da taxa (R$ 0,30) era usado para pagar a empresa
que desenvolveu o sistema para gerenciar o software de controle de
créditos consignados, a Consist. O serviço até 2009 era realizado pelo
Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), que cobrava menos da
metade disso.
Apesar de ser apontado como líder da organização, Paulo Bernardo agia
de forma discreta. Seus comparsas no Ministério do Planejamento atuavam
no sentido de blindá-lo. Ao nomear Duvanier Paiva como secretário de
Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, Bernardo escolheu seu
braço-direito na organização. Duvanier foi o responsável por criar o
núcleo da propina dentro do ministério. Debaixo de suas ordens, estavam
Nelson Luiz Oliveira Freitas, diretor do Departamento de Administração
de Sistemas de Informática da Secretaria de Recursos Humanos do MPOG,
Valter Correia da Silva, secretário-adjunto, e Ana Lúcia Amorim de
Brito, secretária de gestão.
Como braço-direito, Duvanier era quem cuidava de tudo para o
ex-ministro de Lula e Dilma. Partiu dele a ordem para colocar a Consist
no esquema, quando a empresa passou a ser dona do contrato do Ministério
do Planejamento com a Associação Brasileira de Bancos (ABBC) e o
Sindicato Nacional das Entidades Abertas de Previdência Privada
(Sinapp). Uma brecha técnica, por assim dizer, permitiu a contratação da
empresa que se tornaria a principal fonte pagadora das propinas. Em
2008, a ABBC e Sinapp detectarem uma suposta ineficiência do sistema de
controle da margem consignável de 30% pelo Serpro, permitindo que
houvesse o chamado “estoque da dívida”. São valores que tiveram o
desconto de pagamentos em folha limitado devido ao teto de 30% de
endividamento.
Para sanar o problema, as instituições resolveram
terceirizar o gerenciamento dos empréstimos consignados contratando uma
empresa que fizesse o controle adequado da margem consignável, de
maneira online. Embora concorresse com outras empresas do ramo, como a
Zetrasoft, a Consist foi a preferida da organização. Para driblar a
licitação, a ABBC e Sinapp assinaram um Acordo de Cooperação Técnica
(ACT). Assim, a Consist não seria contratada diretamente pelo
ministério. Segundo a investigação, Duvanier foi quem marcou encontro de
Paulo Bernardo com representantes da ABBC e Sinapp para tratar do
assunto. A tarefa de cooptar a multinacional para o esquema ficou a
cargo de dois lobistas. Joaquim Maranhão e Emanuel Dantas, diretores da
Consucred, empresa prestadora de serviços de consultoria, foram os que
apresentaram a “oportunidade de negócio” para os executivos da Consist
no Brasil. A aceitação veio de pronto.
A partir daí, foi montado outro braço do esquema. Não menos ambicioso
que o núcleo composto por Bernardo e seus servidores no Ministério do
Planejamento. Entraram em cena lobistas e empresas responsáveis pela
lavagem do dinheiro, emitindo notas frias para justificar o repasse a
elas. Os primeiros arregimentados foram Adalberto Wagner Guimarães e
José Silcio, que possuíam conexões em Brasília. Ao perceber o surgimento
de uma inesgotável fonte de propina, o ex-tesoureiro do PT Paulo
Ferreira entrou em cena. Escalou para representá-lo no esquema o
vereador petista Alexandre Romano, de Americana (SP), que tinha ligações
com Luiz Gushiken, ex-ministro de Lula e consultor do Sinapp à época.
Coube a Gushiken aproximar Romano do presidente da instituição,
Francisco Alves de Souza.
O esquema foi detalhado durante uma reunião na sede do PT, em
Brasília. Participaram do encontro além de Romano, Duvanier, Paulo
Ferreira e Carlos Gabas, ex-ministro da Previdência e parceiro de
passeios de moto com a presidente Dilma Rousseff. Neste encontro,
Duvanier informou aos petistas que a empresa Consist funcionaria como a
operadora da organização. Na mesma reunião, ficou acordado que parte dos
valores deveriam ser repassados ao Partido dos Trabalhadores e a
agentes do ministério. Em 22 de dezembro de 2009, o Acordo de Cooperação
Técnica (ACT) entre o ministério e ABBC e Sinapp foi assinado. Quatro
meses depois, a Consist seria contratada pelas duas entidades. O
ponta-pé inicial para a fraude que lesou milhares de servidores
aposentados era dado.
O caminho do dinheiro
Enquanto o esquema fluía a pleno vapor, o ministro Paulo Bernardo
permanecia blindado em seu gabinete no Ministério do Planejamento. Antes
de chegar às mãos de Bernardo, o dinheiro arrecadado pela Consist
passava pelo escritório de advocacia comandado por Guilherme Gonçalves,
advogado do ex-governador do Paraná, Roberto Requião. As despesas de
Paulo Bernardo eram pagas por meio de três contas bancárias de Guilherme
Gonçalves, segundo os procuradores. Em planilhas apreendidas pela
Polícia Federal durante a operação, constam pagamentos de vários
serviços. A tabela mostra previsões orçamentárias para despesas
relacionadas ao aluguel de sala comercial, condomínio, garagens do
Paraná, GVT e Cyber Office. No total, Bernardo teria recebido R$ 7
milhões, repassados pela Consist ao escritório de advocacia. “Durante
pelo menos cinco anos [Guilherme Gonçalves] ficava colocando nas
planilhas “pagamentos PB”. Tudo isso é vantagem indevida que o Paulo
Bernardo recebeu por meio do acordo para a manutenção da Consist no
Ministério do Planejamento”, disse o procurador Andrey Borges de
Mendonça. Em 2011, o faturamento da empresa Consist foi de R$ 24 milhões.
Os honorários do advogado Guilherme Gonçalves diminuíram depois que
Bernardo trocou de ministério. Quando seu cliente estava à frente do
Planejamento, Gonçalves chegou a ter comissão de 9,6% do faturamento da
Consist. Em 2012, o percentual caiu para 4,8%. Em 2014, para 2,9%. Em um
dos trechos do relatório elaborado pelo MPF, os procuradores são
categóricos não só quanto à participação do ex-ministro como da
continuidade do esquema, depois que ele foi transferido para as
Comunicações. “Paulo Bernardo recebeu valores não apenas para que o
esquema fosse implementado em 2010, mas também para que fosse mantido em
2015”, destacou.
Para o juiz Paulo Azevedo, a peça acusatória “descreve de forma
suficientemente clara os crimes de organização criminosa, corrupção e
lavagem de valores”. “A denúncia também descreve adequadamente a
materialidade e a autoria delitiva”, afirmou o juiz. O magistrado ainda
destacou que a denúncia está amparada em vasta documentação, incluindo
e-mails apreendidos e declarações em acordo de delação premiada. “Paulo
Bernardo tem ciência de tudo no esquema. Ele nomeia as pessoas chaves
para os cargos e participa ativamente nos bastidores. Embora não apareça
formalmente, tomava todas as decisões”, disse o procurador Andrey
Borges de Mendonça.
Devido às acusações, Paulo Bernardo chegou a ser preso em 23 de
junho. Seis dias depois, em 29 de junho, o ministro do Supremo Tribunal
Federal (STF) Dias Toffoli revogou a prisão – decisão contestada pelo
procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Na manifestação, Janot
pede que Toffoli reconsidere sua decisão e argumenta que o ministro
violou o devido processo legal por ter, indevidamente, antecipado
liminar de habeas corpus contra ato da Justiça em primeira instância, no
que seria uma interferência indevida na competência do juiz original.
Operador de Gleisi
No início do ano, a Justiça Federal encaminhou ao Supremo Tribunal
Federal (STF) documentos que mostrariam que a senadora Gleisi Hoffmann
(PT), mulher de Bernardo, teria sido beneficiada diretamente pelo
esquema de fraude, corrupção e desvio de dinheiro público. O
desmembramento foi solicitado pela Polícia Federal e pelo Ministério
Público Federal. “Havendo indícios de que autoridade com foro
privilegiado seria beneficiária de pagamentos sem causa, é o caso de
acolher o requerimento da autoridade policial e do MPF e remeter o feito
para o Egrégio Supremo Tribunal Federal”.
A Operação Custo Brasil apontou que o advogado Guilherme de Salles
Gonçalves bancou R$ 32 mil referentes a custos de um loft alugado em
Brasília para uso de Gleisi durante a campanha de 2010. Planilhas
obtidas pela Polícia Federal no computador do advogado indicariam ainda
que, além de despesas pessoais de Paulo Bernardo e Gleisi, o esquema de
propina da Consist bancou a campanha da petista ao Senado, em 2010.
Segundo a PF, 20% do líquido pago pela Consist ao escritório de
Gonçalves foi repassado mensalmente ao “caixa eleitoral”. A planilha
consta do inquérito da Custo Brasil. Os investigadores, porém, não
puderam aprofundar a investigação por causa do foro privilegiado da
petista, que situa-se hoje na linha da frente da tropa de choque de
Dilma no Congresso.
Em sua delação, o ex-líder do governo no Senado, Delcídio do Amaral,
chegou a dizer que Paulo Bernardo ‘sempre foi, desde a época que passou
pelo Mato Grosso do Sul e até mesmo antes, considerado um ‘operador’ de
Gleisi Hoffmann’. Questionado sobre o que queria dizer com a expressão
‘operador’, Delcídio respondeu. “Ele (Bernardo) tinha uma capacidade
forte de alavancar recursos para a campanha (de Gleisi)’. “Em 2010,
Paulo Bernardo já captava recursos para Gleisi. Não havia
incompatibilidade no fato de Paulo Bernardo ser ministro do Planejamento
e operador de Gleisi”, disse Delcídio. As investigações não só o
corroboram, como prenunciam dias sombrios para o casal encrenca.
Como agia a organização criminosa comandada por Paulo Bernardo
Segundo a investigação, a quadrilha tinha três núcleos:
Agentes públicos: foram fundamentais para
desenvolver e gerenciar software de controle de créditos consignados.
Neste grupo estão: Paulo Bernardo, então ministro do Planejamento;
Duvanier Paiva (secretário de Recursos Humanos do MPOG), Nelson Luiz
Oliveira Freitas (Departamento de Administração de Sistemas de
Informática da Secretaria de Recursos Humanos); Valter Correia da
Silva(secretário-adjunto) e Ana Lúcia Amorim de Brito (secretária de
gestão).
Político: Responsável por agir politicamente
para que o esquema fosse adiante. Composto por Carlos Gabas (ministro da
Previdência) e os tesoureiros do PT Paulo Ferreira e João Vaccari Neto
Parceiros: lobistas e donos de empresas que
faziam a intermediação entre a empresa Consist e os agentes públicos e
políticos, visando evitar que houvesse contato direto entre as duas
pontas da cadeia. Entre eles: Alexandre Romano, ligado a Carlos Gabas,
Guilherme Gonçalves, que recolhia a propina para Paulo Bernardo, e os
lobistas Adalberto Wagner e José Silcio.
A ARRECADAÇÃO E A DISTRIBUIÇÃO DA PROPINA
O esquema arrecadou R$ 100 milhões com propina. Foram repassados
aproximadamente 70% do faturamento líquido do contrato da Consist entre
início de 2010 e no mínimo no final de 2015:
Paulo
Bernardo: recebeu 9,6% do faturamento da Consist. Assim que saiu da
pasta, percentual caiu para 4,8%, em 2012. Depois para 2,9% (2014).
Recebeu, no total, R$ 7 milhões.
Alexandre Romano, EX-vereador do PT: tinha faturamento de 22,9%