O colapso do sistema de saúde pública em Manaus, por falta de oxigênio, indignou a sociedade, além de traumatizar os profissionais de saúde do país inteiro, porque o episódio provocou a morte de pacientes que estavam estabilizados por asfixia e chegou a obrigar a transferência de crianças recém-nascidas para outros estados, ou seja, pacientes que não tinham nada a ver com a pandemia de COVID-19. Dois dias antes do colapso, o ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, esteve em Manaus, com o propósito de convencer as autoridades locais a prescreverem em massa o “tratamento precoce” da COVID-19, que vem sendo a opção preferencial dos militares à frente da pasta para combater a pandemia.
Trata-se de um coquetel utilizado em larga escala por médicos clínicos, como tratamento alternativo: hidroxicloroquina, azitromicina, zinco e vitamina D, além da ivermectina, já usada preventivamente, a cada 15 dias, de forma generalizada, por parte da população de baixa renda, como santo remédio contra o novo coronavírus. Rejeitada pelos infectologistas, por falta de comprovação científica, na surdina, essa fórmula virou o eixo da política sanitária do Ministério da Saúde. Na cabeça do presidente Jair Bolsonaro, o coquetel é mais eficiente e mais barato do que as vacinas, além de dispensar as políticas de distanciamento social, ao supostamente transformar a COVID-19 numa “gripezinha”. [Os exemplos do êxito da medicação acima é do conhecimento de qualquer pessoa que queira saber - uma simples conversa com um farmacista é suficiente para comprovar o aumento na venda de tais medicamentos.
O único que tem a compra mais complicada é a 'azitromicina' - se trata de um antibiótico e muitas farmácias exigem receita médica. Apesar de várias aceitarem digitalizar a receita apresentada, devolvendo o original ao comprador.]
Apesar de criticado por infectologistas e sanitaristas, o “tratamento precoce” é uma prerrogativa da clínica médica, ao qual muitos recorreram e acham que, por isso, foram salvos da morte. Entretanto, a essência da política de saúde pública é preventiva. Por essa razão, o descaso em relação à necessidade de distanciamento social, para desacelerar a propagação da pandemia, e o atraso na vacinação em massa, para imunizar a população, mais cedo ou mais tarde, resultarão em investigações e processos criminais na Justiça. [muito justo que seja tudo investigado - inclusive que seja divulgado número de mortes decorrentes do tratamento precoce = óbvio, caso tenham ocorridos óbitos.
Aliás, devem ter ocorrido visitas informais de autoridades as farmácias, ocasião em que constataram as vendas - o que parece dificil de ser constatado, talvez pela inexistência, são óbitos decorrentes da medicação.
Esperamos que agora as vacinas sejam eficazes, mais opções de marcas apareçam e a covid-19 passe a ser coisa do passado.]
Vacinas
O general Pazuello está no cargo por ter fama de especialista em logística e para levar adiante “tratamento precoce”. Mas esse é clamoroso erro de conceito, tanto assim que os dois ministros que o antecederam se recusaram a cumprir essa orientação do presidente Bolsonaro. Erros de conceitos, geralmente, provocam fracassos estratégicos, e transformam eventuais qualidades de seus executantes em grandes defeitos. O sujeito vira o “burro operante”. É o caso, por exemplo, do secretário-executivo do Ministério da Saúde, o coronel do Exército reformado Antônio Elcio Franco Filho, cuja experiência como secretário de Saúde de Roraima o guindou ao cargo operacional mais importante de todo o Sistema Único de Saúde (SUS). Nas entrevistas, exibe na lapela um uma faca ensangüentada, broche de ex-integrante de equipe de operações especiais, cujo lema é:
“O ideal como motivação/
A abnegação como rotina/
O perigo como irmão e/
A morte como companheira”.
[Qual crime pode cometer quem usa - merecidamente, não é para quem quer e sim para quem fez por merecer - um símbolo que junta idealismo, abnegação, intimidade com o perigo e a morte. Quem brada, escuta ou ler, em qualquer situação, fez por merecer é invadido por intensa emoção.]
Sem dúvida, o Brasil precisa de soldados treinados para “causar o máximo de confusão, morte e destruição na retaguarda do inimigo”, mas o lugar deles não é o Ministério da Saúde.
Na quarta-feira, em entrevista coletiva, o “faca manchada de sangue” se jactava da operação que estava sendo montada para buscar 2 milhões de doses da vacina de Oxford produzidas na Índia. O governo federal pretendia realizar uma grande jogada de marketing, iniciando a campanha nacional de imunização com a vacina que também será produzida pela Fiocruz, antes de autorizar o uso da vacina do Instituto Butantan, cuja eficácia o presidente Bolsonaro não perde uma oportunidade de colocar em dúvida. O avião da Azul adesivado para transportar as vacinas não pode decolar, porque as autoridades da Índia não haviam liberado as vacinas.
O Brasil, porém, é um grande país, mas não é para principiantes. Começamos a produzir 8 milhões de doses/mês da vacina russa Sputnik V, em Santa Maria, no Distrito Federal, e em Valparaíso de Goiás, no Entorno de Brasília. Os russos contrataram a União Química, que possui mais 7 fábricas no Brasil, para produzir a vacina desenvolvida pelo Instituto Gamaleya de Pesquisa em Epidemiologia e Microbiologia e financiada pelo Fundo de Investimentos Diretos da Rússia. [Fundo Soberano.] Todas as doses da vacina russa produzidas no Brasil serão exportadas para países da América Latina que já registraram o imunizante, como Argentina e Bolívia, enquanto aguarda autorização da Anvisa para realização de testes clínicos no Brasil. Ou seja, em breve teremos 3 vacinas produzidas no Brasil: a CoronaVac, do Instituto Butantan; a Oxford, da Fiocruz; e a Sputnik V, da União Química (privada), um “business” russo. Apesar de tanta incompetência, a esperança não morreu.
Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo, jornalista - Correio Braziliense e Estado de Minas