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sábado, 18 de julho de 2020

Escravidão Voluntária - Guilherme Fiuza

Ok, você quer acordar desse sonho macabro. Mas ainda não é agora. Primeiro você vai ter que sonhar que viu João Dória anunciando com um laboratório chinês a vacina para o coronavírus. Isso um dia depois de ser convidado a explicar por que comprou câmeras frigoríficas para cadáveres que não poderão ser guardados nelas. Pesadelo é pesadelo. A vacina chinesa do governador de São Paulo terá a participação do Instituto Butantã – que seguiu a linha do Imperial College de Londres e soltou projeções arbitrárias sobre a epidemia. Tudo para que o governador pudesse dizer, na ponta de um lápis imaginário, quantas vidas estava salvando com a quarentena totalitária. Nem a OMS, nem cientista nenhum no mundo tem essa fórmula. Mas sonho ruim é assim mesmo, só serve para empapar o lençol de suor.

E não adianta virar para o outro lado, porque vai vir um especialista crispado, enchendo a tela da TV, te dizer que há novos casos de coronavírus no Brasil porque o lockdown precisa ser mais asfixiante. Você vai gritar – e ninguém vai ouvir, como em todo pesadelo – que esse especialista é um irresponsável. Que ele está afirmando algo que a ciência desconhece. Que a comparação entre o Reino Unido e a Suécia joga essa certeza no lixo. Que esses tarados da quarentena burra expurgaram de suas equações delirantes o fator de contágio doméstico, atestado pela própria OMS.

Tudo em vão. Por mais que você berre, a sua voz não sai. Ninguém te ouve. E volta o apresentador funesto à tela da TV para dizer que a culpa é do velhinho que foi à padaria. Aí você grita que isso é uma leviandade, que em Nova York o grupo dos que circularam apresentou muito menos infecção que o grupo dos confinados. Você se esgoela para dizer que, depois de deflagrada a pandemia, a ideia de que a humanidade ia ficar trancada em casa deixando o vírus do lado de fora era uma miragem. Uma miragem terrível. Mas, e daí? Você queria um pesadelo com miragem bucólica?

Entre flashes difusos de Bruno Covas soldando as portas do comércio e recitando planilhas de urnas funerárias e sacos para cadáveres, surge um personagem que você não conhecia. Estamos tomando a liberdade de entrar no seu sonho para apresentá-lo: é Berbel, o Feiticeiro Multimídia, que está vendo o filme completo passando na sua cabeça e veio te ajudar a entendê-lo. Ouça as palavras de Berbel: “Bastou um único comando – fique em casa – para o mundo inteiro parar ao mesmo tempo. E disseram que o vírus veio ajudar o ser humano a dar mais valor a si mesmo e ao semelhante que está ao seu lado. Mensagens lindas começaram a circular na internet sobre a oportunidade valiosa de aprender a viver com menos, de não precisar sair para trabalhar. Caberia aos governos finalmente exercer a bondade e prover o pão para os que não têm.”

Continue ouvindo Berbel, o Feiticeiro Multimídia: “No confinamento proliferaram lições sobre os males do capitalismo e o despertar para uma nova realidade onde não pensaremos mais em dinheiro, só em vidas. Chega de mercado – cada um produz seu próprio sustento. A Terra estava mesmo precisando respirar, e agora os mares e rios estão limpos pela quarentena. Tudo natural, a não ser o chip que vão colocar em você para te vacinar. E através desse chip, uma autoridade mundial, tipo uma OMS turbinada, vai te monitorar para cuidar de você. Final feliz.”

Não entendeu o recado do Feiticeiro Berbel? Sem problemas, traduzimos para você. Ele te disse o seguinte: se o seu sonho não é se tornar um silvícola chipado... Acorda! Antes que seja tarde.

Guilherme Fiuza, jornalista - Vozes - Gazeta do Povo 


domingo, 24 de março de 2019

Fuja do final feliz

O Brasil despencou no ranking de felicidade da ONU. Encontra-se agora 16 posições abaixo da que estava quando Dilma Rousseff ainda era presidente. A felicidade da ONU é para os fortes.

[comentário 1: antes que algum militante petista, capacho da deputada Gleisi Hoffmann - que, para desespero dos petistas que ainda servem para alguma coisa, continua presidente do pt = perda total - atribua ao nosso presidente Bolsonaro a queda do Brasil no índice de felicidade (compensada pela ascensão no índice de infelicidade), informamos que não houve tempo hábil para Bolsonaro influir na apuração do índice publicado.
Aproveite, clique aqui, e conheça os motivos para Dilma continuar feliz.]
 
Deve estar aí a explicação para o fato de que Dilma, a feliz testa de ferro do maior assalto da história, continua solta por aí. Só pode ser a proteção invisível do escudo inexpugnável da felicidade. Desde que ela foi deposta, o bom observador notou a escalada da tristeza nacional refletida nos olhos marejados da ONU – especialmente enquanto a entidade soltava, por meio daqueles seus diligentes subcomitês, os alertas internacionais “Lula livre”.  É muito triste mesmo você usar a sua milionária máquina burocrática em favor de um ladrão simpático e absolutamente honesto – para, no final das contas, constatar que ele continua vendo o sol nascer quadrado. O novo relatório da ONU deveria trazer na capa uma epígrafe sintetizando a filosofia da esperança que nunca morre: “A chave da felicidade está logo ali, na mão do carcereiro”.

Faltou a epígrafe, mas o Brasil não tem do que se queixar em relação a essa organização amiga dos amigos, companheira dos companheiros. A ONU fez tudo que estava ao seu alcance para ver os brasileiros felizes – particularmente aquele mesmo ladrão simpático, picareta do coração, que quando ainda não estava em situação de xadrez andou se encontrando por aí com uns ovos voadores muito mal-educados.  Foi quando Dilma, a nossa última musa da felicidade, alertou a ONU com uma sagacidade quase profética: o ônibus do Lula ia passar por uma área perigosa do Paraná e ela estava preocupada com o que poderia acontecer… Vejam o que é a intuição de uma mulher sapiens. Não deu outra: em lugar dos ovos, tiros atingiram um ônibus da caravana petista – não o que levava o ex-presidente, por coincidência – e mesmo ninguém sabendo dizer onde, quando, por que ou como aquilo aconteceu, a ONU avisou ao mundo, praticamente em tempo real, que tentaram matar o Lula.

O atentado mais misterioso da história, sem uma única testemunha, virou manchete no mundo inteiro como uma ameaça à democracia brasileira em ano de eleição presidencial. No centro de tudo, a vítima das vítimas, o pobre milionário mais querido do planeta, o filho do Brasil e enteado da ONU que queria ser candidato para não ser preso. Cada um com seu projeto de felicidade. Durante a eleição, um dos adversários do PT, mais especificamente o candidato que liderava as pesquisas, foi esfaqueado em praça pública. Dessa vez, a testemunha do atentado era todo mundo – dava até para ver a lâmina entrando e saindo da barriga por vários ângulos. Mas a tentativa de assassinato deve ter coincidido com o dia de folga da ONU: ela só foi se manifestar sobre o assunto umas 24 horas depois, dizendo basicamente que aquilo não se faz (poderia pelo menos ter explicado que lugar de faca é na cozinha, mesmo que isso não esteja previsto na Convenção de Genebra).

Estardalhaço em tempo real não é para qualquer um – só com amor de mãe e aviso da Dilma, a musa da felicidade.  Vale dizer, a propósito, que depois do impeachment a ONU virou uma espécie de testemunha ocular da infelicidade brasileira. Reforma trabalhista acabando com a mamata dos sindicatos? Não interessa. Segundo a ONU, um golpe elitista e autoritário nos direitos do trabalhador. Medida de controle fiscal para acabar com a orgia contábil do PT? Nada disso: segundo a ONU, a PEC do Fim do Mundo ia deixar crianças com fome nas escolas da periferia. [comentário 2: a Liga das Nações foi extinta; extinguir a ONU não chega a ser um absurdo -  antes que digam,  esclarecemos que Bolsonaro não tem nada a ver com este comentário;


qual a valia atual da ONU?
decisões de importância não são adotadas, já que são passiveis do veto dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU.
Alguns exemplos:
- quando são propostas sanções para acabar com a guerra civil na Síria, a Rússia veta; 

- sanções mais severas contra a Coreia do Norte (agora que o 'romance'  Trump x ditador  Kim Jong-un foi para o espaço) não adianta, já que a China veta;

- aplicar sanções contra  Israel para que pare de assassinar civis palestinos, desarmados na Faixa de Gaza, não adiantam propor, visto que os Estados Unidos vetam;

- ação da ONU para intervir na Venezuela também não funciona, a Rússia Veta.

Dos exemplos, existem dezenas de outros, se percebe que com ONU ou sem ONU as coisas continuam tal como dantes no quartel de Abrantes.
 
Como não amar uma entidade dessas, tão dedicada a cuidar incondicionalmente da felicidade dos seus pilantras de estimação? O que mais pode desejar um povo do que ser roubado por gente com boas conexões em Nova York, onde não se perde a ternura jamais?  O que terminou de azedar a situação do Brasil no ranking foi a retirada do apoio ao ditador gente boa da Venezuela (cujo massacre a ONU nunca viu mais gordo) e a turnê fracassada de um exilado profissional do PSOL – estrela cadente da agência internacional de felicidade.

Se os brasileiros fizerem a reforma da Previdência e tirarem suas contas do buraco, provavelmente serão diagnosticados no ranking da ONU com depressão profunda. O jeito é continuar fugindo do final feliz.


Guilherme Fiúza - Gazeta do Povo