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domingo, 21 de novembro de 2021

Os imperadores do Supremo Tribunal Federal - Revista Oeste

Silvio Navarro

Dias Toffoli diz que o STF é moderador do 'semipresidencialismo' brasileiro e tenta esvaziar a Praça dos Três Poderes 

Artigo 98 da Constituição Imperial de 1824: “O Poder Moderador é a chave de toda a organização política e é delegado privativamente ao imperador, como chefe supremo da nação e seu primeiro representante, para que incessantemente vele sobre a manutenção da independência, equilíbrio e harmonia dos demais Poderes políticos”. O texto foi redigido há quase 200 anos, em benefício do imperador Dom Pedro II. Mas aparentemente continua valendo, segundo o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli, ex-presidente da Corte.

“Nós já temos um semipresidencialismo com controle de Poder Moderador, que hoje é exercido pelo Supremo Tribunal Federal. Basta verificar todo esse período da pandemia”, disse o ministro no 9º Fórum Jurídico de Lisboa, em Portugal. [em nossa opinião, nosso entendimento, e considerando recentes ações do ministro Toffoli - uma, quando criou o  'inquérito do fim do mundo' e outra,  o comentário emitido em Lisboa que, na prática, criou um quarto poder no Brasil (posição que revoga o artigo segundo da Constituição Federal, além de ser diametralmente oposta ao entendimento do ministro Fux, atual presidente do STF,  quando se manifestou pela inexistência de um quarto poder;  
o comentário do ministro Toffoli também revoga o decidido no plebiscito de 1993 que optou pelo pelo presidencialismo (69,20%)
Essa situação de interpretações conflituosas no tocante ao texto constitucional, nos leva a pensar (ação que ainda não é crime no Brasil e que,  respeitosamente, expressamos.) que  foram eventuais  dificuldades na interpretação da Constituição, os temas motivadores  das duas reprovações que vitimaram o atual ministro quando prestou concurso público para o cargo de juiz de primeira instância.]  
 O ministro do STF Dias Toffoli | Foto: Agência Brasil
O ministro do STF Dias Toffoli | Foto: Agência Brasil
 
Na prática, Dias Toffoli vocalizou ao que o brasileiro assiste diariamente há alguns anos: o STF legisla, julga, prende e, sempre que possível, interfere nas ações do Executivo
Boa parte dos senadores está acovardada por processos pendentes nos gabinetes dos ministros da Corte. 
Basta notar que Rodrigo Pacheco não teve coragem de pautar nem sequer um processo de impeachment contra os magistrados. 
Mas a fala de Toffoli é mais grave do que parece. Em suma, coloca em xeque o sistema de contrapesos da Praça dos Três Poderes estabelecido pela Constituição de 1988.

“Esse pronunciamento vai contra o que está na Constituição”, afirmou a presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, deputada Bia Kicis (PSL-DF). “Ela foi até desenhada para o parlamentarismo, mas a opção feita pelo constituinte de 1988 foi o presidencialismo. [e confirmada pelo eleitorado no referendo de 1993] Temos um presidente eleito. Não existe previsão constitucional de Poder Moderador, como se o STF fosse alçado a uma posição de moderar o Executivo e o Legislativo. Temos de exigir o respeito a nós, que fomos eleitos. Se tiver alguma mudança, ela terá de passar por esta Casa e por esta CCJ.”

O ministro Dias Toffoli afirma não reconhecer o regime presidencialista em curso

Para o jurista e advogado Ives Gandra Martins, o Judiciário não deveria se intrometer na política, já que sua função é preservar a lei. “O Poder Judiciário jamais pode ser Poder político porque, se for, deixa de ser um intérprete da lei e passa a ser um criador da lei”, disse Gandra. “Não existe semipresidencialismo. O Poder Judiciário não é Poder político. O Poder Moderador tem de ser representativo do povo.”

Também consultado por Oeste, Modesto Carvalhosa, professor de Direito, criticou a declaração do ministro afirmando que o Supremo age politicamente. “Não existe Poder Moderador no Brasil. Mas hoje o STF é hegemônico, é quem governa e resolve todas as questões”, disse. “Tudo o que sai do tribunal tem natureza política, e não constitucional, como deveria ser”.

[Outras opiniões: " A juíza Ludmila Lins Grilo resgatou a própria Constituição para rebater a fala do ministro: "A Assembleia Nacional Constituinte brasileira, em 1988, definiu que o ELEITORADO teria de definir, por meio de PLEBISCITO: 1) a FORMA de governo (monarquia ou república) e o 2) SISTEMA de governo (parlamentarismo ou presidencialismo). Isso está no art. 2° do ADCT. Esse plebiscito aconteceu em 21/04/1993, tendo o POVO decidido pela república (86,6%) e pelo presidencialismo (69,20%)

Só existem 3 formas de se modificar esse cenário
1) nova Assembleia Nacional Constituinte (forma legítima); 
2) novo plebiscito (forma legítima)
3) revolução ou golpe de Estado (forma ilegítima). Qualquer tentativa de revolução/golpe é ilícita e deve ser imediatamente coibida". [e agora ministro Toffoli? Como ficamos?]

A coordenadora do Movimento Advogados do Brasil, Flavia Ferronato, questionou: "Deixa ver se entendi: políticos e ministros podem ir para Portugal defendendo a mudança do sistema político do Brasil e nós, povo brasileiro, não podemos pedir a saída de ministros e políticos porque é antidemocrático? É isso mesmo??"

A mineira Barbara, do canal TeAtualizei, apontou para o ensurdecedor silêncio dos juristas: "A constituição fala que o STF existe para guardar as leis, não debater com ex-presidentes e ex-ministros a mudança governamental que, por sinal, segundo Toffoli, já aconteceu. Juristas seguem em silêncio". LER ÍNTEGRA, CLIQUE AQUI.]

 Atualização concluída com sucesso. Bom dia Togaquistaneses! #GolpeDoSemipresidencialismo pic.twitter.com/pjxtUbR25g

A última vez que o modelo presidencialista foi minimamente relaxado ocorreu no curto mandato de Michel Temer. Egresso do Legislativo, onde presidiu a Câmara mais de uma vez e deu as cartas durante muitos anos, Temer delegou decisões ao Congresso para debelar um pedido revanchista de impeachment da esquerda e tentar aprovar sua agenda de reformas.

Ele segue entusiasta da mudança de regime. No mesmo evento em Lisboa, ao lado do ministro do STF Gilmar Mendes, do ex-prefeito Gilberto Kassab, dono do PSD, e de “catedráticos” do Direito moderno, disse que é preciso acabar com a centralização, com o multipartidarismo e com “os impeachments a todo momento”.

Os deuses da Corte
Há, contudo, uma diferença nos discursos. Michel Temer quer mudar o regime por meio do Parlamento embora o caminho correto seja um plebiscito.  
Já o ministro Dias Toffoli afirma não reconhecer o regime presidencialista em curso. Disse que o STF manda e ponto final. É possível que falte a ele notável saber jurídico. Afinal, chegou à Alta Corte sem sequer ter sido aprovado num único concurso para juiz de primeira instância.  
Sua nomeação foi um presente pelos anos em que advogou para o PT de Lula e José Dirceu. 
Outras tantas decisões arbitrárias saíram de gabinetes contíguos. Como o de Alexandre de Moraes, que impediu o deputado federal eleito Daniel Silveira (PSL-RJ) de dar entrevistas ou usar as redes sociais depois de uma temporada na cadeia pelo intangível crime de opinião.

No ano passado, em meio a uma das tantas turbulências entre o Judiciário e o Palácio do Planalto, o presidente do STF, Luiz Fux, foi provocado pelo PDT sobre a figura do Poder Moderador. Na época, a oposição ameaçava forçar um processo para tirar o presidente Jair Bolsonaro do cargo por causa da pandemia. Ives Gandra Martins discorreu sobre o artigo 142 da Constituição, que trata da convocação das Forças Armadas para garantir a lei e a ordem no país em caso de intromissão entre Poderes. O presidente do PTB, Roberto Jefferson, foi preso — entre outras razões — por ter defendido isso. A Corte concordou que o Exército não pode exercer esse papel.

Na ocasião, Fux foi taxativo contra “intromissões no independente funcionamento dos Poderes” (vide tuíte abaixo) e riscou a ideia da caneta moderadora para quem quer que seja. Não se sabe agora se Toffoli não entendeu o que Fux escreveu, ou se acha que a decisão não vale para o STF.

 Interessante esse trecho da decisão de Fux, sobre a inexistência de poder moderador no Brasil. Quando ele se pronunciou sobre a impossibilidade das Forças Armadas exercerem tal poder, definiu que a Constituição não prevê o exercício de tal prerrogativa por qualquer instituição. pic.twitter.com/FUm65JGTXs

O avanço da toga sobre os demais Poderes tampouco chega a ser novidade. Há anos corre uma piada nos bastidores de Brasília. Segundo ela, alguns ministros da Corte acham que são deuses. Os demais têm certeza.

Leia também “Um deputado é o alvo predileto do carcereiro fora da lei”

Silvio Navarro - Revista Oeste 


sexta-feira, 12 de novembro de 2021

Um deputado é o alvo predileto do carcereiro fora da lei - Revista Oeste

Deputado federal Daniel Silveira | Foto: Michel Jesus
Deputado federal Daniel Silveira -   Foto: Michel Jesus

O general argentino Leopoldo Galtieri e o ator americano George C. Scott

Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal, acha-se parecido com o ator Yul Brynner, que em 1960 fez bonito no papel do pistoleiro do bem Chris Adams em Sete Homens e um Destino. (O título original é ainda mais excitante: The Magnificent Seven. A tradução literal resultaria em algo como Os Sete Magníficos, Os Sete Gloriosos, Os Sete Soberbos ou Os Sete Grandiosos. Não é pouca coisa.) O protagonista, vivido por Brynner, é contratado por moradores de um lugarejo na fronteira com o México, atormentados pela opressão da quadrilha chefiada pelo brutal Calvera, e cumpre a missão de libertá-los da rotina de violências liderando outros seis anti-heróis. Pelo que anda fazendo, Moraes também parece enxergar no espelho não um sósia de Yul Brynner, mas um Chris Adams de toga.

Alexandre de Moraes e o ator russo Yul Brynner | Fotos: Divulgação
Os acordes da lira do delírio que já há alguns anos ditam o ritmo da trilha sonora do STF se tornaram especialmente agudos quando Dias Toffoli, então presidente da Corte, promoveu Moraes a gerente do inverossímil inquérito das fake news. 
Impetuoso como um Leopoldo Galtieri à paisana, o ministro fez da maluquice conhecida como “inquérito do fim do mundo” a arma mais letal na guerra contra solertes inimigos do STF, das instituições e da democracia
Na fase de aquecimento, o juiz durão pendurou no peito uma imaginária estrela de xerife para censurar revistas digitais, intimar meia dúzia de possíveis admiradores de ditaduras e colocar na alça de mira sites infectados por ideias caras ao presidente Jair Bolsonaro. 
No passo seguinte, Moraes procurou inibir com arbitrárias temporadas na cadeia quem usa a internet para criticar o Supremo. 
No começo deste ano, acumulando os papéis de vítima, investigador, acusador e juiz de todos os processos que tratem de fake news, a versão nativa de Chris Adams enfim encontrou seu Calvera na figura de Daniel Silveira, eleito deputado federal em 2018 pelo PSL do Rio de Janeiro.
 
O mais imbecil dos alunos da pior faculdade de Direito do Brasil sabe recitá-la em latim, vertê-la para o português e apreender o significado da frase que resume um irrevogável mandamento jurídico: Nullum crimen, nulla poena sine praevia lege. Perfeito: “Não há crime, nem pena sem lei anterior que o defina”. [que também consta  no art. 5º, inciso XXXIX, da CF e no artigo 1º do Código Penal.]  
O gordo currículo de Alexandre de Moraes avisa que o futuro jurista deve ter declamado esse latinório dois minutos depois de aprender a falar. 
O autor de uma pilha de livros sobre temas associados ao Direito Constitucional está cansado de saber que um “mandado de prisão em flagrante”, como o que expediu para engaiolar Silveira, tem o mesmo valor de uma cédula de R$ 4.  
Sabe que o instituto da imunidade parlamentar impede que um integrante do Congresso seja punido por palavras que pronunciou ou escreveu, opiniões que emitiu ou votos que efetivaram alguma opção. Sabe que a proibição de ser juiz em casos em que se é vítima é um dos pilares do Poder Judiciário
Mas Moraes também sabe que, no Brasil destes tempos estranhos, ministros do Supremo são tão inimputáveis quanto os bebês de colo, os índios de tribos isoladas ou os Napoleões de hospício.

Aos olhos das autoridades americanas, o jornalista apenas exerceu o direito à liberdade de expressão

Disposto a tudo para mostrar quem manda no País do Carnaval, o ministro resolveu que a melhor maneira de manter a democracia intocada era mandar às favas o Estado Democrático de Direito. 
Inventou o flagrante perpétuo, demitiu por justa causa a imunidade parlamentar, exonerou princípios jurídicos seculares, atropelou cláusulas pétreas da Constituição e, com a insolência de um fora da lei de nascença, deformou o Código Penal e o Código de Processo Penal com interpretações paridas às pressas.  
Ao concluir as manobras que resultaram no encarceramento de Daniel Silveira, Moraes havia ressuscitado a figura do preso político, incompatível com o regime que simultaneamente louva e espanca. Óscar Arias, ex-presidente da Costa Rica contemplado com o Prêmio Nobel da Paz, ensina que “não existem presos políticos nas democracias. Se houver algum, o país não é democrático”. Na América Latina, só há presos políticos em Cuba, na Venezuela, na Nicarágua e, graças ao STF, no Brasil.
 
No momento, permanecem ilegalmente na cadeia o ex-deputado Roberto Jefferson e o caminhoneiro Zé Trovão. O jornalista Allan dos Santos teria engordado a lista se não estivesse vivendo nos Estados Unidos
Para abrandar a frustração, o carcereiro compulsivo transformou Allan em foragido, determinou sua inclusão nos cartazes da Interpol e solicitou à Justiça americana que o extraditasse. 
Só então descobriu que o tratado subscrito pelo Brasil e pelos Estados Unidos restringe a extradição a autores de atos considerados criminosos por ambos os países. Aos olhos das autoridades americanas, o jornalista apenas exerceu o direito à liberdade de expressão. 
Se o caso chegasse à Corte Suprema dos EUA, Alexandre de Moraes é que viraria réu por abuso de autoridade. E acabaria enquadrado nos artigos que tratam de juízes que perseguem e punem sem a indispensável participação do Ministério Público, sem o acesso dos advogados aos autos, sem o devido processo legal, sem o direito de ampla defesa — quem ousar dizer ou escrever coisas que pareçam ofensivas a algum titular do Timão da Toga ou à equipe inteira.
 
No começo desta semana, ao decretar o fim da “prisão preventiva” de Daniel Silveira, o ministro deixou claro que é ele o seu perseguido predileto.  
Se fosse assaltado por um surto de humildade, reproduziria a grande imagem de Nelson Rodrigues: sentado no meio-fio, estaria chorando lágrimas de esguicho e pedindo perdão aos transeuntes. 
Se não fosse um prepotente de berço, ele simplesmente determinaria a soltura do deputado — e ponto final. 
Em vez disso, mostrou que nunca perde a chance de afrontar a sensatez, zombar dos genuínos juristas e esticar as filas que se estenderão, no próximo Carnaval, diante das barracas abarrotadas de máscaras que simularão a carranca do campeão de impopularidade. “Os atos criminosos cometidos pelo réu são gravíssimos”, reiterou Moraes, “e ainda serão julgados pelo plenário do STF.”
 
Tais atos, fantasiou, “não só atingiram a honorabilidade e constituíram ameaça ilegal à segurança dos ministros do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, como se revestiram de claro intuito de tentar impedir o exercício da judicatura, notadamente a independência do Poder Judiciário e a manutenção do Estado Democrático de Direito, em claro descompasso com o postulado da liberdade de expressão, dado que o denunciado propagou a adoção de medidas antidemocráticas contra a CORTE, insistiu em discurso de ódio e a favor do AI-5 e de medidas antidemocráticas”. O falatório pernóstico não resiste a três ou quatro perguntas em língua de gente. Por exemplo: se os exageros verbais de Silveira foram “crimes gravíssimos”, em qual categoria figuram as medonhas execuções perpetradas por bandidos que o Supremo vive soltando? 
 Onde o ministro enxergou a iminente interrupção do funcionamento do Judiciário? 
Em que trecho de qual código está escrito que ameaças não consumadas dão cadeia? 
Se sentir saudade do AI-5 é caso de polícia, que castigos merecem os que amam a ditadura do proletariado?
 
A continuação da conversa fiada ressalvou que a soltura chegaria escoltada por duas “medidas cautelares”, e com isso Moraes conseguiu inventar uma brasileiríssima cretinice: o meio solto e meio preso
 
O deputado poderá sair de casa, tomar café no bar da esquina, engraxar os sapatos, até mesmo bronzear-se na praia, tudo isso liberado da tornozeleira eletrônica. 
É provável que logo esteja percorrendo os corredores da Câmara (que endossou sua prisão por 364 votos contra 130) e concedendo entrevistas. Mas não poderá fazer tudo o que é permitido aos demais beneficiários do direito de ir e vir. A primeira restrição o proíbe de “ter qualquer forma de acesso ou contato” com outros investigados no inquérito do fim do mundo, a menos que também sejam deputados federais. 
 
A segunda medida cautelar é um desfile de minúcias amalucadas. 
O meio preso e meio solto está proibido de “frequentar toda e qualquer rede social, em nome próprio ou ainda por intermédio de sua assessoria de imprensa ou de comunicação e de qualquer outra pessoa, física ou jurídica, que fale ou se expresse e se comunique (mesmo com o uso de símbolos, sinais e fotografias), em seu nome ou indiretamente, de modo a dar a entender esteja falando em seu nome ou com o seu conhecimento, mesmo tácito”.

Proibir o acesso de um deputado federal a redes sociais equivale a condená-lo à derrota na tentativa de reeleger-se o sonho perseguido desde o berçário.. É precisamente esse o objetivo do advogado formado pela Faculdade do Largo de São Francisco que foi promotor público, procurador-geral do Estado, supersecretário na administração do prefeito Gilberto Kassab, secretário de Justiça e depois da Segurança Pública em dois mandatos do governador Geraldo Alckmin e já parecia a caminho da precoce aposentadoria política quando o destino se somou à sorte e à esperteza para colocá-lo na antessala de um gabinete no Supremo Tribunal Federal — 

Ele era secretário de Segurança do governo paulista quando comandou com a discrição necessária a localização e captura do hacker que invadira o celular de Marcela Temer, mulher de Michel Temer. A gentileza seria retribuída depois que o impeachment da presidente Dilma Rousseff instalou no Palácio do Planalto o marido agradecido. Promovido a ministro da Justiça, acabou transferido para o outro lado da Praça dos Três Poderes graças à vaga aberta pela morte de Teori Zavascki.

Para surpresa do doutor em Direito Constitucional Alexandre de Moraes, o político Alexandre de Moraes topou virar juiz do STF antes que Temer terminasse de formular o convite. Na tese que apresentou ao concluir o curso de doutorado na Universidade de São Paulo, o atual ministro sustentou que deveria ser abolida a indicação para o Pretório Excelso de quem ocupa um cargo de confiança do presidente da República. “A vaga na Corte não se presta a demonstrações de gratidão política, nem pode servir de prêmio pessoal para demonstrações de fidelidade político-partidária”, argumentou o premiado pela fidelidade a Michel Temer. Se o Moraes de toga tivesse compromisso com o que escreveu no século passado o Moraes de terno, não teria concordado com a transformação do STF num simulacro de vara criminal que julga questões sem quaisquer vestígios de parentesco com as reais atribuições da Corte. 

No livro Constituição do Brasil Interpretada, o futuro carcereiro supremo afirmou que o STF deveria ser “um tribunal exclusivamente constitucional, deixando de atuar como última instância em causas variadas”. Se ainda pensasse como o homônimo que existiu no século 20, não estaria piorando a imagem da Corte com o caso Daniel Silveira. (E tampouco teria determinado, como fez há dias, o afastamento da presidência nacional do PTB do ex-deputado federal Roberto Jefferson, outro hóspede involuntário do seu cativeiro particular.)

Nosso Chris Adams de chanchada cavalga rumo ao destino em companhia de cinco homens (Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Luís Roberto Barroso e Edson Fachin) e uma mulher (Cármen Lúcia, que se reveza com Rosa Weber)
Pelo desempenho do elenco, pode estar em gestação um clássico do faroeste à brasileira, que sempre termina com o triunfo dos bandidos. No filme de 1960, a vitória do personagem interpretado por Yul Brynner livra os habitantes indefesos da submissão a uma quadrilha. 
Na versão protagonizada pelo Chris Adams de toga, graças às proezas dos sete cavaleiros do Apocalipse brasileiro, o bandido Calvera pode virar xerife do vilarejo.

Leia também “O terrorista tapeou o doutor em fake news”

Augusto Nunes, colunista - Revista Oeste, com   reportagem de Cristyan Costa.

domingo, 24 de março de 2019

Fuja do final feliz

O Brasil despencou no ranking de felicidade da ONU. Encontra-se agora 16 posições abaixo da que estava quando Dilma Rousseff ainda era presidente. A felicidade da ONU é para os fortes.

[comentário 1: antes que algum militante petista, capacho da deputada Gleisi Hoffmann - que, para desespero dos petistas que ainda servem para alguma coisa, continua presidente do pt = perda total - atribua ao nosso presidente Bolsonaro a queda do Brasil no índice de felicidade (compensada pela ascensão no índice de infelicidade), informamos que não houve tempo hábil para Bolsonaro influir na apuração do índice publicado.
Aproveite, clique aqui, e conheça os motivos para Dilma continuar feliz.]
 
Deve estar aí a explicação para o fato de que Dilma, a feliz testa de ferro do maior assalto da história, continua solta por aí. Só pode ser a proteção invisível do escudo inexpugnável da felicidade. Desde que ela foi deposta, o bom observador notou a escalada da tristeza nacional refletida nos olhos marejados da ONU – especialmente enquanto a entidade soltava, por meio daqueles seus diligentes subcomitês, os alertas internacionais “Lula livre”.  É muito triste mesmo você usar a sua milionária máquina burocrática em favor de um ladrão simpático e absolutamente honesto – para, no final das contas, constatar que ele continua vendo o sol nascer quadrado. O novo relatório da ONU deveria trazer na capa uma epígrafe sintetizando a filosofia da esperança que nunca morre: “A chave da felicidade está logo ali, na mão do carcereiro”.

Faltou a epígrafe, mas o Brasil não tem do que se queixar em relação a essa organização amiga dos amigos, companheira dos companheiros. A ONU fez tudo que estava ao seu alcance para ver os brasileiros felizes – particularmente aquele mesmo ladrão simpático, picareta do coração, que quando ainda não estava em situação de xadrez andou se encontrando por aí com uns ovos voadores muito mal-educados.  Foi quando Dilma, a nossa última musa da felicidade, alertou a ONU com uma sagacidade quase profética: o ônibus do Lula ia passar por uma área perigosa do Paraná e ela estava preocupada com o que poderia acontecer… Vejam o que é a intuição de uma mulher sapiens. Não deu outra: em lugar dos ovos, tiros atingiram um ônibus da caravana petista – não o que levava o ex-presidente, por coincidência – e mesmo ninguém sabendo dizer onde, quando, por que ou como aquilo aconteceu, a ONU avisou ao mundo, praticamente em tempo real, que tentaram matar o Lula.

O atentado mais misterioso da história, sem uma única testemunha, virou manchete no mundo inteiro como uma ameaça à democracia brasileira em ano de eleição presidencial. No centro de tudo, a vítima das vítimas, o pobre milionário mais querido do planeta, o filho do Brasil e enteado da ONU que queria ser candidato para não ser preso. Cada um com seu projeto de felicidade. Durante a eleição, um dos adversários do PT, mais especificamente o candidato que liderava as pesquisas, foi esfaqueado em praça pública. Dessa vez, a testemunha do atentado era todo mundo – dava até para ver a lâmina entrando e saindo da barriga por vários ângulos. Mas a tentativa de assassinato deve ter coincidido com o dia de folga da ONU: ela só foi se manifestar sobre o assunto umas 24 horas depois, dizendo basicamente que aquilo não se faz (poderia pelo menos ter explicado que lugar de faca é na cozinha, mesmo que isso não esteja previsto na Convenção de Genebra).

Estardalhaço em tempo real não é para qualquer um – só com amor de mãe e aviso da Dilma, a musa da felicidade.  Vale dizer, a propósito, que depois do impeachment a ONU virou uma espécie de testemunha ocular da infelicidade brasileira. Reforma trabalhista acabando com a mamata dos sindicatos? Não interessa. Segundo a ONU, um golpe elitista e autoritário nos direitos do trabalhador. Medida de controle fiscal para acabar com a orgia contábil do PT? Nada disso: segundo a ONU, a PEC do Fim do Mundo ia deixar crianças com fome nas escolas da periferia. [comentário 2: a Liga das Nações foi extinta; extinguir a ONU não chega a ser um absurdo -  antes que digam,  esclarecemos que Bolsonaro não tem nada a ver com este comentário;


qual a valia atual da ONU?
decisões de importância não são adotadas, já que são passiveis do veto dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU.
Alguns exemplos:
- quando são propostas sanções para acabar com a guerra civil na Síria, a Rússia veta; 

- sanções mais severas contra a Coreia do Norte (agora que o 'romance'  Trump x ditador  Kim Jong-un foi para o espaço) não adianta, já que a China veta;

- aplicar sanções contra  Israel para que pare de assassinar civis palestinos, desarmados na Faixa de Gaza, não adiantam propor, visto que os Estados Unidos vetam;

- ação da ONU para intervir na Venezuela também não funciona, a Rússia Veta.

Dos exemplos, existem dezenas de outros, se percebe que com ONU ou sem ONU as coisas continuam tal como dantes no quartel de Abrantes.
 
Como não amar uma entidade dessas, tão dedicada a cuidar incondicionalmente da felicidade dos seus pilantras de estimação? O que mais pode desejar um povo do que ser roubado por gente com boas conexões em Nova York, onde não se perde a ternura jamais?  O que terminou de azedar a situação do Brasil no ranking foi a retirada do apoio ao ditador gente boa da Venezuela (cujo massacre a ONU nunca viu mais gordo) e a turnê fracassada de um exilado profissional do PSOL – estrela cadente da agência internacional de felicidade.

Se os brasileiros fizerem a reforma da Previdência e tirarem suas contas do buraco, provavelmente serão diagnosticados no ranking da ONU com depressão profunda. O jeito é continuar fugindo do final feliz.


Guilherme Fiúza - Gazeta do Povo