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sábado, 10 de março de 2018

Sinal de alerta

O passar do tempo vai abrandando nossos movimentos de busca por “aquele futuro que nunca chega”


Quando minha mãe caminhava para os sessenta anos, ficaram mais frequentes seus telefonemas noticiando a morte de algum amigo da família, de um parente, de uma comadre, de alguém de quem gostávamos… Ela buscava, era natural, dividir comigo tristezas comuns, ainda mais porque nossa ligação e afinidade eram enormes e vivíamos distantes mais de 2,5 mil quilômetros.

Comecei a compreender aquilo como uma espécie de esvaziamento natural do seu mundo particular e da vida que ela construíra. Até o ponto de, já octogenária e uma das últimas remanescentes do seu grupo, ter partido e nos deixando com a impressão de que poderia ter vivido um pouco mais. Ao que parece, não lhe interessava permanecer naquele cenário de desmanche afetivo pela perda de tantos, quase todos a quem queria bem.

Despediu-se da vida de forma serena, quase singela – não é fácil juntar morte e singeleza! Por isso, jamais dissipará minha nítida impressão de que ela sempre esteve no comando do processo que a levou à sua hora extrema.  Hoje, os comunicados tristes já não são feitos com o adorno quase cultural dos telefones de baquelita, substituído pela aridez instantânea do mundo digital que matou o tuc tuc tuc eletrônico gerado pelo movimento de retorno do disco dos números ao ponto original de discagem. Pouca gente se dava conta de que a quantidade daqueles pulsos sonoros era correspondente ao algarismo discado.

Os amigos se espalharam por cidades diferentes e distantes, cumprindo os êxodos necessários para garantir a sobrevivência. Celulares, tabletes, computadores e internet suprem, na medida do possível, a falta da convivência cotidiana.  De repente, aquela mensagem de notificação de caixa postal cheia aparece uma, duas, diversas vezes para um mesmo amigo. É a fagulha que aperta o coração, que acende um sinal de alerta. E não há sossego até que tudo fique esclarecido – simples correria cotidiana, viagem de trabalho, férias, convalescença ou, a pior das constatações, saída definitiva de cena.

Esse é o jeito moderno de nos dar conta do avanço do tempo sobre nossas vidas. Não mais cultivamos os relatos falados com a devida dramatização, nem os retratos amarelados do passado em velhos álbuns, até porque já não temos a companhia daqueles parentes que, diante das imagens surradas, explicavam quem era quem no tabuleiro do jogo da vida.  O passar do tempo vai abrandando nossos movimentos de busca por “aquele futuro que nunca chega”, como diz um amigo com impaciência e precisão cirúrgicas.

É estranha a sensação dos primeiros sinais de que aquele futuro é apenas este presente sem graça. É normal recusá-los, como se não nos dissessem respeito. Mas eles dizem, impiedosos. Está na letra do tempo que já passou e no que vai passar sem reduzir a velocidade. Está no branco do cabelo, nas rugas espalhadas pelo rosto. Vai-se perdendo o conceito de muito ou pouco. Sobra apenas a certeza de que volumes e limites ficarão confusos, incertos, imprecisos, dúbios.

De repente, como velhos cães, vamos nos agrupando naturalmente, guiados por interesses comuns. Fortalecendo afetos e fidelidades. Aceitando emergências alheias. Perdoando ausências. Aliviando incompreensões. Dividindo medos e angústias. Amparando inseguranças e perdas. Entendendo a dor alheia que não nos dizia respeito. Recomendando o médico da moda ou o remédio da hora, mesmo sabendo que não farão efeito. A matilha é sábia, vai se juntando para o fim. Sabe tirar da prática a prática de ir vivendo da melhor maneira possível. Driblando sombras, disfarçando dores, abafando desesperanças, distribuindo sorrisos difusos, variando nas lembranças de amores imaginados, acomodando o corpo para uma soneca, ignorando sinais de alerta. E rindo dos sábios modernos que transformam tudo em conceitos que não conseguem praticar, pois a vida não cabe em teorias acadêmicas.

Como por encanto, caiu da memória direto para as minhas tintas o célebre trecho quase sinônimo de Pessoa “Navegar é preciso, viver não é preciso”, também atribuído a Pompeu, general romano que viveu antes de Cristo. E antes de Pessoa.  Preciso como as letras e seus subliminares. Impreciso no mistério da autoria. Impreciso como o sentido da vida e a vontade de seguir viagem para encontrar o próprio sentido. Preciso na certeza de que quase tudo não faz o menor sentido.

Heraldo Palmeira - Coluna do Augusto Nunes 

 

quinta-feira, 23 de março de 2017

Sempre foi assim mesmo. E daí?

Acusar a polícia de idiotice não trará de volta compradores de nossa carne no exterior

Na sexta-feira, o Brasil recebeu a chocante notícia de que muitos frigoríficos nacionais – entre os quais, os maiores protagonizavam um escândalo que atingia ao mesmo tempo o bolso e o estômago dos brasileiros: a maquiagem de carne podre com ácido ascórbico e a mistura de papelão e outros ingredientes indesejados nos embutidos nossos de cada dia. O País é o maior exportador mundial de carne. Et pour cause, a venda de alimentos contaminados com o beneplácito da fiscalização federal, além de nociva à saúde do consumidor interno, prejudica as receitas de exportação num momento de penúria causada pela maior crise econômica da História.

Numa reação inédita, o presidente Michel Temer, que até hoje não se dignou a visitar os presídios conflagrados no início do ano em Manaus, Boa Vista e Nísia Floresta, na Grande Natal, chefiou uma série de reuniões para anunciar medidas como compor uma força-tarefa para reforçar a fiscalização da pecuária. [Temer agiu corretamente ao não visita presídios e optar por priorizar a defesa dos interesses comerciais do Brasil, especialmente a exportação,  que passaram a correr grande risco em função da malfadada 'operação carne fraca'; inadmissível seria Temer perder tempo indo visitar presídios.
Presídio é assunto da Justiça e da Polícia.]  

Além disso, o episódio provocou uma reação indignada do ministro da Agricultura, Blairo Maggi, que, em defesa de seus parceiros da agroindústria, condenou a investigação policial. Numa entrevista em que esquartejou a pobre língua portuguesa com uma sequência atroz de barbarismos inaceitáveis num aluno de grupo escolar, reclamou da ausência dos investigados na avaliação técnica da investigação. E classificou de “idiotice” insana a interpretação do uso de papelão na carne, atribuindo-o à embalagem e esquecendo-se de informar desde quando frigoríficos exportadores embalam carne com o dito material.

O presidente Michel Temer defendeu a Polícia Federal (PF), que, num desvario dos desesperados ante os efeitos maléficos da divulgação da investigação, foi comparada aos responsáveis por um dos maiores erros policiais, com cumplicidade dos meios de comunicação, da História: o caso da Escola Base, em São Paulo. Nenhum dos acusadores, contudo, se lembrou de apontar uma causa lógica para tamanha irresponsabilidade da PF.

Nervoso e confuso, Temer adotou a desculpa usada pelos pecuaristas, que também participaram da reunião dele com a imprensa e 40 diplomatas das embaixadas de 27 países compradores: das 4.837 unidades sujeitas à inspeção federal, apenas 21 foram acusadas de irregularidades.E dessas 21, seis exportaram nos últimos 60 dias.” Para provar sua convicção, o presidente convidou os presentes no encontro para comer carne de boi, postando em seu Twitter: “Todas as carnes servidas ao presidente Temer e embaixadores na churrascaria Steak Bull eram de origem brasileira”. Mas a Coluna do Estadão foi informada pelo gerente, Rodrigo Carvalho, que tinham corte europeu, uruguaio e australiano. Um papelão!

Vexames do tipo poderiam ser evitados se o governo tratasse o escândalo com a transparência sugerida pelo ministro Maggi, “rei da soja”, citado nas delações premiadas da Odebrecht e tido como responsável por metade da devastação ambiental brasileira entre 2003 e 2004, segundo o Greenpeace. Não será com truques de malandro campainha (que se anuncia antes de assaltar) que os governantes e pecuaristas brasileiros manterão seus mercados, invejados por outros grandes e poderosos produtores de carne. De Genebra, Jamil Chade relatou que, se o Brasil não retirar essas companhias da lista de exportação, a União Europeia vai bloquear a entrada dos produtos. E China, Hong Kong e Chile informaram oficialmente ao Ministério da Agricultura a suspensão de importação de nossa carne.

Não é desprezível a afirmação do delegado Maurício Moscardi Filho de que a propina que a PF diz ter sido paga a fiscais irrigava contas do PMDB e do PP. Esses partidos – antes aliados de Dilma e agora, de Temer – ocupam a pasta há 18 anos. Maggi trocou o PR pelo PP para assumi-la na atual gestão. E esse não é o primeiro dano provocado pelo loteamento do governo federal.

Não faltará quem lembre que se compram fiscais nestes trágicos trópicos desde o desembarque de Cabral em Porto Seguro. Já há também quem lembre que corrupção na política não é uma exclusividade brasileira, uma jabuticaba, como se usa correntemente. Pois sim! E não disse Otto Eduard Leopold von Bismarck-Schönhausen, duque de Lauenburg, unificador da Alemanha sob o punho da Prússia, morto antes da chegada do século 20, que “os cidadãos não dormiriam tranquilos se soubessem como são feitas as salsichas e as leis”? Pois então…

A sábia sentença vale como nunca no Brasil destes nossos idos de março, nos quais não faltam também trágicos avisos, como o que o general romano Júlio César ouviu, nas ruas de sua Roma, de um vidente anônimo sobre os punhais que o esperavam na escadaria do Senado. A não ser que a PF tenha cometido barbaridade similar à da Escola Base, em que um casal de educadores perdeu tudo pela acusação cruel de uma criança que viralizou na imprensa, a onda de lodo que se abateu sobre toda a República não terá poupado a galinha de ovos de ouro da economia nacional: nossa produtiva, próspera e moderna agroindústria. Se a polícia exagerou, o caso merece punição pesada.

Mas se a polícia contou, como parece lógico, a verdade, não dá para cair na lorota do empreiteiro Emílio Odebrecht, que desonrou a memória do pai, Norberto, que construiu e deu nome à maior empreiteira do Brasil, pretendendo conquistar o perdão para o filho, Marcelo, e seus comparsas. E, para tanto, adotou o mantra sórdido de Tavares, o canalha cínico encarnado por Chico Anysio: “Eu sou, mas quem não é?”. Ou seja, “não foi?”.  A Operação Carne Fraca, que deveria chamar-se Carne Podre ou Carniça, precisa abrir a caixa-preta onde se guardam mistérios como o milagre da multiplicação das picanhas, em que uma família de pequenos açougueiros de Anápolis hoje controla a empresa campeã na produção de proteína animal neste mundão todo.

Fonte: Estadão - Blog do José Nêumanne