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sábado, 10 de junho de 2023

“O que é uma mulher?” – O transativismo e a proibição de perguntar - Gazeta do Povo

Vozes - Flávio Gordon

“Você não pode ter os seus próprios pronomes, tanto quanto não pode ter os seus próprios verbos, substantivos, preposições ou adjetivos” (Matt Walsh)

No primeiro dia deste mês de junho, o Twitter resolveu disponibilizar gratuitamente o documentário “What is a Woman?” (doravante WIAW), do jornalista americano Matt Walsh.
Lançado em junho do ano passado pelo jornal The Daily Wire, do qual Walsh é colunista, o filme consiste numa crítica mordaz e bem-humorada à assim chamada ideologia de gênero, notadamente o transgenderismo, cuja tese central consiste em afirmar que o critério para determinar se alguém é homem ou mulher é o sentimento subjetivo da pessoa (ou, no jargão militante, a sua identidade de gênero), e não o seu sexo biológico objetivo. Contrariando a postura da maioria de seus pares das plataformas digitais – cuja decisão foi banir o documentário, acusando-o de “transfóbico” –, o novo dono do Twitter, Elon Musk, não apenas o liberou para o grande público, como o recomendou especialmente aos pais. E, no momento em que escrevo, WIAW já conta com 177,3 milhões de visualizações.

Já tinha visto o documentário pouco depois de lançado, e o revi por esses dias, quando de sua disponibilização gratuita no Twitter. Mais do que tudo, o que voltou a atrair minha atenção foi aquilo que, da primeira vez, já me parecera um aspecto de culto religioso assumido pelo movimento político transativista (que, para deixar claro, não se deve confundir com o problema real da disforia de gênero, que aflige um número estatisticamente reduzido de pessoas, não necessariamente envolvidas com a agenda política). Um culto religioso do tipo que o filósofo Eric Voegelin talvez incluísse naquilo que chamou de gnosticismo moderno, cujo fundamento é a proibição-de-perguntar (Fragesverbot). Para os adeptos dos cultos gnósticos modernos, diz Voegelin, não se trata apenas de resistência à análise ou apego a emoções. Trata-se, em vez disso, de uma consciente, deliberada e minuciosa obstrução à razão, na qual proibir perguntas sobre premissas torna-se parte do dogma.

E, com efeito, no caso do filme, são frequentes os episódios em que, confrontados por Walsh com algum argumento ou pergunta sobre premissas, os entrevistados, adeptos do transativismo, alegam a malignidade do entrevistado para justificar a recusa em responder e o abandono da entrevista. Temos, por exemplo, o afetado professor Patrick Grzanka, diretor do programa interdisciplinar de estudos sobre mulheres, gênero e sexualidade da Universidade de Tennessee. Em resposta à pergunta de Walsh, ele afirma que uma mulher é “uma pessoa que se identifica como mulher”
Como obviamente aponta o autor do documentário, trata-se de uma tautologia em forma de resposta, porque recorre à palavra mulher para definir o que é uma mulher. Mas, além de tautológica, a resposta é também inteiramente falsa: uma mulher em coma ou em estado vegetativo, por exemplo, obviamente não poderia se autoidentificar como nada, e, todavia, continuaria sendo uma mulher. A premissa de que a capacidade humana de auto-identificação (seja em relação a sexo, seja a tudo o mais) determina a realidade precisaria ser provada. Quando Walsh o pressiona nesse sentido, Grzanka ameaça abandonar a conversa.


    Os radicais não querem que o debate aconteça ao nível da filosofia, de modo que, atualmente, disfarçam-no com as vestes da “ciência” e da “medicina”


Além da proibição de perguntar, há também a proibição de afirmar aquilo que, durante a maior parte da história humana e para a maioria da humanidade, sempre foi uma obviedade: que o sexo de alguém é naturalmente dado, e não social ou psicologicamente construído. A proibição dessa afirmação, aliás, parece ser o cerne do movimento. Ao contrário do que afirma a propaganda, o discurso transativista parece estar muito mais interessado em banir o senso comum do que em garantir os direitos civis das pessoas trans. E isso é afirmado por alguns ideólogos transativistas mais radicais. Num ensaio introdutório a uma coletânea de estudos sobre gênero, por exemplo, a intelectual enragée Susan Stryker chegou a propor que o maior propósito do transgenderismo era o de subverter o paradigma epistemológico do Ocidente. Nada menos.

Mas essa pretensa subversão não se realiza mediante a apresentação de argumentos ousados e consistentes, capazes de triunfar intelectualmente mesmo diante do mais acirrado debate. Não. Ela prospera mediante um lobby agressivo, que inclui censura das vozes discordantes, intimidação e ameaça. E, assim, as contradições do transativismo permanecem sempre ocultas, jamais examinadas, porque, no fundo, os ideólogos não admitem suas próprias elucubrações metafísicas. Sua retórica está repleta de afirmações ontológicas, tal como a de que as pessoas são do gênero ao qual dizem pertencer, e de que os sentimentos determinam a realidade. Os radicais não querem que o debate aconteça ao nível da filosofia, de modo que, atualmente, disfarçam-no com as vestes da “ciência” e da “medicina”, relegando os críticos (como ocorreu em relação à pandemia de Covid-19) à condição ostracizante de propagadores da “anti-ciência”.

“O que é uma mulher?”, a provocativa pergunta-título do documentário do Matt Walsh (que, aliás, já fora feita por Simone de Beauvoir há mais de 70 anos), é finalmente respondida ao final do filme pela esposa do autor: “Uma mulher é uma fêmea adulta da espécie humana”. Eis por que, revendo o documentário, lembrei-me imediatamente do caso de Alex Byrne, professor de filosofia do MIT, o qual, para escândalo de seus pares acadêmicos, teve a ousadia de sustentar a mesma afirmação, em forma de ensaio filosófico: que uma mulher é uma fêmea adulta da espécie humana. Mais grave ainda: Byrne rejeita a tese – hoje academicamente ortodoxa – segundo a qual um homem que se identifica como mulher é, de fato, uma mulher.

Em abril, Byrne publicou na revista Quillette um artigo descrevendo as reações furiosas ao seu ensaio (previsivelmente tachado de “transfóbico”), bem como violações posteriores dos mais elementares padrões de publicação acadêmica, de que foram vítimas ele e Holly Lawford-Smith, uma professora de filosofia política da Universidade de Melbourne (Austrália), para quem as mulheres devem ter direito a espaços e serviços reservados, inacessíveis a homens que apenas se identificam como mulheres. Pode-se dizer que Byrne e Lawford-Smith estão, hoje em dia, entre os poucos filósofos acadêmicos do Primeiro Mundo dispostos a defender publicamente argumentos contrários à ideologia de gênero predominante no ambiente universitário. Em particular, ambos os professores duvidam da ideia universal de uma “identidade de gênero” descrita como algo inato e subjetivo, totalmente dissociado da realidade material bio-fisiológica, dissociação que explicaria o fenômeno da disforia de gênero e embasaria as propostas (tidas como indispensáveis) de terapia de redesignação de gênero.

Seja como for, o fato é que, por desafiarem com essa altivez a ortodoxia acadêmica sobre gênero – a qual, sintomaticamente, converte-se na mais excêntrica heterodoxia fora dos muros da Universidade –, Byrne e Lawford-Smith (ela até com mais virulência) foram demonizados e cancelados. Cada um deles chegou a ter contratos para a publicação de livros cancelados pela Oxford University Press, após uma intensa campanha orquestrada pelo transativismo. Como diz o título do artigo de Byrne, a pergunta sobre a natureza da mulher (um tipo de pergunta tão tradicional na história da filosofia) virou zona proibida (“a no-go zone”) no campo da filosofia acadêmica contemporânea. Voltaremos ao tema na coluna da semana que vem.

Conteúdo editado por: Bruna Frascolla Bloise

Flávio Gordon, colunista - Gazeta do Povo - VOZES


terça-feira, 23 de maio de 2023

O paradoxo da Liberdade e a PL2630/2020 - Jusbrasil

Transcrição parcial


 
 Muito se discute a respeito do Projeto de Lei 2630/2020, a lei das Fake News, uns a favor por sua implementação por entender os perigos do discurso de ódio ou disseminaçãode notícias falsas, outros são absolutamente contra por violação de Direitos Naturais e Constitucionais entre outros. 
 
(...)
 Mas, e juridicamente? 
Qual seria um conceito adequado para este princípio basilar?  
A Liberdade seria a capacidade de fazer e não fazer tudo o que seja licitamente permitido, constituindo o direito de toda pessoa de organizar, de acordo com a lei, sua vida individual e social em consonância com suas opções, convicções ou vontades.

A nossa Constituição Federal de 1988 no tópico Princípios Fundamentais que regem os Direitos e Garantias Fundamentais em seu artigo , define que:"Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...)."é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato. 

(...) 

Portanto, é incompatível, incoerente e ilógico com os princípios constitucionais apresentados acima com as práticas apresentadas na PL2630/2020 quando literalmente busca regular, desabilitar, limitar, banir, vedar conteúdos privados ou publicitários nas redes sociais e mensageria privada com base em um código de conduta por uma entidade de autorregulação certificada pelo Conselho de Transparência e Responsabilidade na Internet.

O duplipensar foi muito bem elaborado nesse projeto de Lei, ora, duas ideias ou crenças contraditórias, como a (Liberdade e o controle) incompatíveis uma com a outra para fazer levar a pessoa a acreditar em ambas.

Íntegra da matéria. 


Jusbrasil


domingo, 14 de novembro de 2021

Contra o aborto - Gazeta do Povo

Vozes - Francisco Razzo

Jornalistas da Argentina são financiadas com recursos da International Planned Parenthood Federation (IPPF), maior conglomerado de clínicas de aborto do mundo



A dignidade de uma pessoa, invisível ao método das ciências naturais, não muda conforme as mudanças biológicas e muito menos conforme bravatas de interesses de ativistas - Foto: Unsplash

Neste mês de novembro de 2021, meu livro Contra o Aborto completou quatro anos. O livro já está na sua quinta edição, com ligeiras correções em relação à primeira, de 2017. Nesses últimos anos, aprendi muita coisa com meus leitores. Recebi mais elogios e críticas positivas do que ataques e críticas negativas. No geral, ataques são sempre os mesmos: “homem não pode falar de aborto”; “livro cheio de falácias” e coisas do gênero. Os críticos, com zelo pela verdade, fizeram-me corrigir erros e repensar muita coisa.

Entretanto, nenhuma análise substantiva demonstrou a invalidade do que sustento do início ao fim do livro: o embrião é pessoa desde o momento da concepção e, por ser pessoa, merece respeito moral e proteção legal. Não admito reduzirem o problema do aborto a um problema de saúde pública ou de autonomia do corpo da mulher. Na verdade, o problema do aborto não pode ser compreendido por uma única perspectiva. É, pois, problema complexo. E, pela complexidade inerente, não pode ser solucionado com respostas simples e bravatas de ativistas.

    O embrião é pessoa desde o momento da concepção e, por ser pessoa, merece respeito moral e proteção legal

Nunca me importei para ataques e sempre me coloquei à disposição da conversa franca e respeitosa. Lamento pessoas que, em vez de discutir ideias, preferem repetir jargões que nada contribuem para uma construção madura acerca de tão delicado tema. Eu, por ser da área da filosofia, lido com argumentos, independentemente de quem “fala”. Não há um “lugar de fala” privilegiado quando o objetivo é a verdade. Porque não se trata de quem, mas do que se fala.

Meu livro nunca se pretendeu panfleto contra o aborto. É reflexão filosófica e propõe solução objetiva para o problema do aborto – que considero, antes de tudo, problema moral envolvendo não uma, mas toda a comunidade de pessoas.

 


O problema moral do aborto não se encerra na descrição científica de um organismo vivo e da descrição do processo de seu desenvolvimento biológico, sociológico e econômico. Logo, não se trata de evocar só esta ou aquela ciência, este ou aquele recorte da realidade. A controvérsia gira em torno, primeiro, de uma resposta para pergunta simples, porém difícil: “o que sou eu?” Sem uma resposta relativamente segura dada a essa pergunta filosoficamente difícil, não será possível pensar a pergunta mais importante no caso do aborto: “faz sentido dizer que o embrião já existe como pessoa?”

A ciência pode nos dizer muitas coisas sobre organismos vivos, porém, não diz respeito ao método científico se somos ou não pessoas. Verdade é que não há “pessoas” em tratados científicos. A categoria “pessoa” é irrelevante para a ciência natural. É curioso, no entanto, perguntar para os defensores do aborto o que certamente morre quando se pratica um aborto. A dignidade de uma pessoa, invisível ao método das ciências naturais, não muda conforme as mudanças biológicas e muito menos conforme bravatas de interesses de ativistas

A descrição da experiência interpessoal responsável por fornecer sentido à sentença “o embrião é uma pessoa” precisa ser distinta em ordem e qualidade da descrição objetiva da ciência “este organismo vivo é um embrião”. E pouco importa dizer que um embrião não tem sistema nervoso desenvolvido. Essas ordens descritivas da realidade, natural e interpessoal, não se anulam. Na verdade, subsistem enquanto formas legítimas de compreensão de duas ordens da realidade: a realidade natural e a realidade humana.

Sou taxativo neste ponto: uma pessoa é o seu próprio corpo. Meu livro praticamente é uma defesa da tese de que uma pessoa não tem corpo, ela é corpo. O embrião é pessoa por ser corpo com potencial de se autodesenvolver para a vida adulta autoconsciente. Não tem potencial de ser pessoa; já é pessoa em ato, desde o momento da concepção.

    Ser contra o aborto não implica em limitar a liberdade da mulher. Pelo contrário, é reafirmar que todos são livres desde o momento da concepção


A experiência humana mais elementar não diz que eu só tenho um corpo depois de me tornar consciente; eu sou meu corpo desde o momento da concepção e minha consciência será o resultado do meu autodesenvolvimento como pessoa convivendo com outras em uma relação interpessoal. O embrião é, pois, membro da comunidade moral por ser corpo pessoal e não um parasita biológico.

Se dependêssemos da vontade de terceiros para fundamentar nossa dignidade, jamais avançaríamos em relação aos direito

Francisco Razzo é professor de filosofia, autor dos livros "Contra o Aborto" e "A Imaginação Totalitária", ambos pela editora Record. Mestre em Filosofia pela PUC-SP e Graduado em Filosofia pela Faculdade de São Bento-SP.s humanos universais.

Gazeta do Povo -VOZES

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

 

segunda-feira, 20 de julho de 2020

Medo e insegurança - Denis Lerrer Rosenfield

O Estado de S.Paulo

Há um sentimento muito importante de perda de dignidade humana, de abandono

O cenário da pandemia é o da incerteza, não se sabe exatamente quando será o seu fim e, quando vier, como se voltará ou não à normalidade anterior. E mesmo lá a experiência atual ainda se fará fortemente presente, veiculando seus próprios valores. Neste meio tempo, estamos vivendo uma situação que, apesar de ser dita transitória, está se constituindo numa nova normalidade. É o aprendizado de algo novo.

Na vivência desta nova normalidade, os valores estão sofrendo profunda mutação. Os fatores são múltiplos: 
1) as pessoas estão mais reclusas, isoladas, voltadas para seus núcleos familiares, matrimoniais ou de amizade; 
2) enquanto a vida familiar e matrimonial é presencial, a vida profissional é virtual, estabelecendo dois tipos de comunicação e de relacionamento; 3) ao saírem, as pessoas usam máscaras, mantêm distância umas das outras, o que significa que o outro é uma ameaça, alguém que pode transmitir a doença e, talvez, a morte; 
4) a própria noção de consumo sofre forte transformação, porque a atenção se volta para o necessário para viver nestas circunstâncias, e não para o que passa a ser considerado supérfluo; 
5) as pessoas passam a se vestir mais simplesmente, com menor preocupação com a aparência, estabelecendo uma distinção entre a vestimenta presencial e a virtual, ou mesmo uma tomando o lugar da outra.

A linha divisória, aqui, é o medo da morte, que pode acontecer a qualquer momento pela ação de um inimigo invisível, mas bem real, o coronavírus, que a qualquer momento pode atacar. O medo da morte comunica-se, assim, a outra pessoa, vista como uma ameaça, por mais que a estimemos, amemos ou a desprezemos. A cara do outro, por sua vez, é uma máscara. Não assusta como num filme de terror, porém não deixa de aterrorizar, na medida em que ela é vista como uma proteção contra um inimigo que ali pode estar.

As pessoas querem distância umas das outras, diferentemente do que acontecia antes da pandemia, quando havia a proximidade, o cumprimento e o toque. É o medo que estipula a distância. 
Vejamos algumas situações
1) uma criança verá na outra, na escola, não mais somente um(a) colega ou amigo(a), mas alguém também ameaçador. Quais serão os reflexos disso mais adiante? 
2) Num shopping ou numa loja de rua, a relação estabelecida não é somente a de compra e venda, produto e consumo, mas de desconfiança. 
- Posso confiar que as mãos do(a) vendedor(a) estão limpas? 
- Será que sua máscara tem a espessura suficiente de proteção? 
- Estará ela higienizada? 
3) Num ponto de ônibus ou num metrô, as pessoas olham desconfiadas umas para as outras, como se o local e o veículo pudessem ameaçá-las. 4) Como se faz um namoro nestas circunstâncias, como as pessoas se aproximam, se a distância deve ser a regra? 
- As pessoas passarão a pedir testagem antes de estabelecerem uma relação? 
- E quanto tempo vale a testagem? 
- Como ficam o beijo e a relação sexual? 
5) Sob quais condições de confiança se compra um imóvel num estande, se a desconfiança ali predominar? 
De um lado, a pessoa deve ter confiança ao comprar um imóvel, de outro, porém, se vê na desconfortável situação de desconfiar do vendedor. 
6) Como fica o comparecimento a um templo, a uma igreja, se olho com desconfiança para o lado, para a frente e para trás, verificando se as distâncias de proteção sanitária são cumpridas no momento mesmo em que a pessoa se entrega à oração e a Deus?

As pessoas estão muito mais inseguras. Algumas perdendo o emprego, outras sofrendo redução salarial, outras trabalhando só na metade do tempo. O desemprego e a queda da renda, numa situação de pandemia, são em muito agravados, porque as pessoas se sentem ainda mais desguarnecidas. 
Como vão conseguir um novo trabalho nesta situação? 
Qual o risco de sair de casa para buscar um novo emprego? 
Como alimentar os seus? 
Há um sentimento muito importante de perda de dignidade humana, de abandono, o que se traduz não apenas psicologicamente, mas também familiar e existencialmente.

Os núcleos familiares são muito diferentes entre si. Uns constituem casais heterossexuais com filhos numa situação econômica estável. Outros numa condição econômica precária. Outros constituem casais homossexuais. Outros têm relações amorosas abertas, acostumados com outro tipo de vida social, e assim por diante. Isso significa que os sentimentos que nascem de tais relações podem ser moralmente mais elevados quanto mais baixos, uns baseados em Eros, outros em Tânatos, outros na solidariedade, outros na agressividade. Tais valores e formas de conduta se reconfiguram diferentemente em pandemias, nesta nova normalidade, dadas as condições de reclusão, medo, desconfiança e insegurança.

Nas sociedades modernas, as pessoas estão muito voltadas para si mesmas, na busca do desejo, na procura incessante do prazer, nos entretenimentos que podem extrair da vida. 
- O que acontece, porém, se outras dimensões da vida/morte se fazem presentes? 
- E se as pessoas aprenderam a viver diferentemente?

Denis Lerrer Rosenfield, professor de filosofia - O Estado de S. Paulo


sábado, 10 de março de 2018

Sinal de alerta

O passar do tempo vai abrandando nossos movimentos de busca por “aquele futuro que nunca chega”


Quando minha mãe caminhava para os sessenta anos, ficaram mais frequentes seus telefonemas noticiando a morte de algum amigo da família, de um parente, de uma comadre, de alguém de quem gostávamos… Ela buscava, era natural, dividir comigo tristezas comuns, ainda mais porque nossa ligação e afinidade eram enormes e vivíamos distantes mais de 2,5 mil quilômetros.

Comecei a compreender aquilo como uma espécie de esvaziamento natural do seu mundo particular e da vida que ela construíra. Até o ponto de, já octogenária e uma das últimas remanescentes do seu grupo, ter partido e nos deixando com a impressão de que poderia ter vivido um pouco mais. Ao que parece, não lhe interessava permanecer naquele cenário de desmanche afetivo pela perda de tantos, quase todos a quem queria bem.

Despediu-se da vida de forma serena, quase singela – não é fácil juntar morte e singeleza! Por isso, jamais dissipará minha nítida impressão de que ela sempre esteve no comando do processo que a levou à sua hora extrema.  Hoje, os comunicados tristes já não são feitos com o adorno quase cultural dos telefones de baquelita, substituído pela aridez instantânea do mundo digital que matou o tuc tuc tuc eletrônico gerado pelo movimento de retorno do disco dos números ao ponto original de discagem. Pouca gente se dava conta de que a quantidade daqueles pulsos sonoros era correspondente ao algarismo discado.

Os amigos se espalharam por cidades diferentes e distantes, cumprindo os êxodos necessários para garantir a sobrevivência. Celulares, tabletes, computadores e internet suprem, na medida do possível, a falta da convivência cotidiana.  De repente, aquela mensagem de notificação de caixa postal cheia aparece uma, duas, diversas vezes para um mesmo amigo. É a fagulha que aperta o coração, que acende um sinal de alerta. E não há sossego até que tudo fique esclarecido – simples correria cotidiana, viagem de trabalho, férias, convalescença ou, a pior das constatações, saída definitiva de cena.

Esse é o jeito moderno de nos dar conta do avanço do tempo sobre nossas vidas. Não mais cultivamos os relatos falados com a devida dramatização, nem os retratos amarelados do passado em velhos álbuns, até porque já não temos a companhia daqueles parentes que, diante das imagens surradas, explicavam quem era quem no tabuleiro do jogo da vida.  O passar do tempo vai abrandando nossos movimentos de busca por “aquele futuro que nunca chega”, como diz um amigo com impaciência e precisão cirúrgicas.

É estranha a sensação dos primeiros sinais de que aquele futuro é apenas este presente sem graça. É normal recusá-los, como se não nos dissessem respeito. Mas eles dizem, impiedosos. Está na letra do tempo que já passou e no que vai passar sem reduzir a velocidade. Está no branco do cabelo, nas rugas espalhadas pelo rosto. Vai-se perdendo o conceito de muito ou pouco. Sobra apenas a certeza de que volumes e limites ficarão confusos, incertos, imprecisos, dúbios.

De repente, como velhos cães, vamos nos agrupando naturalmente, guiados por interesses comuns. Fortalecendo afetos e fidelidades. Aceitando emergências alheias. Perdoando ausências. Aliviando incompreensões. Dividindo medos e angústias. Amparando inseguranças e perdas. Entendendo a dor alheia que não nos dizia respeito. Recomendando o médico da moda ou o remédio da hora, mesmo sabendo que não farão efeito. A matilha é sábia, vai se juntando para o fim. Sabe tirar da prática a prática de ir vivendo da melhor maneira possível. Driblando sombras, disfarçando dores, abafando desesperanças, distribuindo sorrisos difusos, variando nas lembranças de amores imaginados, acomodando o corpo para uma soneca, ignorando sinais de alerta. E rindo dos sábios modernos que transformam tudo em conceitos que não conseguem praticar, pois a vida não cabe em teorias acadêmicas.

Como por encanto, caiu da memória direto para as minhas tintas o célebre trecho quase sinônimo de Pessoa “Navegar é preciso, viver não é preciso”, também atribuído a Pompeu, general romano que viveu antes de Cristo. E antes de Pessoa.  Preciso como as letras e seus subliminares. Impreciso no mistério da autoria. Impreciso como o sentido da vida e a vontade de seguir viagem para encontrar o próprio sentido. Preciso na certeza de que quase tudo não faz o menor sentido.

Heraldo Palmeira - Coluna do Augusto Nunes 

 

quarta-feira, 18 de maio de 2016

Enfim, temos governo

Duas boas notícias de Temer: há governo e o presidente fala a nossa língua. Mas elas não bastam..

Alvíssaras, brasileiros! Temos governo. Fazia muito tempo que administração não havia mais, pois, instalada no posto mais alto da República, com legitimidade garantida pela maioria dos votos válidos na eleição presidencial, Dilma Rousseff abusou de sua autoridade tentando forçar a própria permanência.
 
 Por determinação de 367 (71%) dos 513 deputados federais e de 55 (68%) dos 81 senadores, o vice Michel Temer tomou posse interinamente na Presidência e escolheu ministros que já começaram a tomar providências efetivas, anunciando a evidência de que, no mínimo, há uma gestão em marcha.

Com alívio, a Nação ouviu um chefe de governo que fala a língua de todos nós, o português cuidado com engenho e arte por Camões, Eça, Pessoa, Castro Alves e Machado. Pois é: nossa língua materna, em que os gerúndios têm dê, ou seja, andando, e não andano; os pronomes pessoais, mesmo nas formas coloquiais, devem ser usados corretamente (pra eu fazer, em vez de pra mim fazer); e adjetivos têm gênero, com mulheres falando obrigada, não obrigado, reservado apenas para emprego masculino. Ao discursar apresentando-se à Nação, Temer tratou as instituições e quem as ocupa em nome da cidadania com o devido respeito. E deu ao distinto público – escorchado por uma carga tributária indecente e afligido por crise moral, econômica e política como “nunca houve antes na História deste País” – esperança de que os cidadãos sejam tratados com decência. Não tendo de arcar com o ônus da desmoralização desta República desgovernada à matroca.

Dois dos ministros que assumiram autorizam a esperança de que, pelo menos, algo será feito para resgatar a fé e o respeito que o Brasil merece. Tendo presidido uma grande instituição financeira internacional e nosso Banco Central, com gestões que o fizeram gozar de boa fama nos mercados financeiros interno e externo, Henrique Meirelles, ex-tucano e várias vezes sugerido a Dilma por Lula para ocupar o lugar que assumiu, é o que se chama no turfe de pule de dez.

No Itamaraty, o senador José Serra (PSDB-SP) começou com o pé direito. Em plena turbulência causada pelo inconformismo dos derrotados no processo legal do impeachment, ele teve a serenidade e a ousadia de não deixar sem resposta a impertinente tentativa de intromissão em nossos assuntos internos feita por aliados bolivarianos no autoritarismo e no malogro econômico. Com sua tirania de 57 anos, que aprisiona adversários políticos e homossexuais, Cuba não tem autoridade para denunciar o tal “golpe jurídico-parlamentar”. Desde o golpe comunista do clã Castro, a ilha, sustentada antes pelo extinto império soviético e depois pela Venezuela, que não ampara mais ninguém, devia calar-se.
A dura nota do Itamaraty, repetindo o tom utilizado pelo ex-rei de Espanha Juan Carlos quando refutou a molecagem malcriada de Hugo Chávez – “por qué no te callas?” –, pôs em seu devido lugar o sucessor deste, Nicolás Maduro, e os aliados sul-americanos do Partido dos Trabalhadores (PT). Falta a Maduro um espelho no Palácio de Miraflores para ver a falência de sua gestão. E perceber que, tendo a Justiça a seus pés, não tem como criticar decisões do Supremo Tribunal Federal brasileiro. Pois este convalidou, com amplas maiorias e até unanimidade, o afastamento de sua comadre repetidas vezes, tornando lana caprina o uso de chicanas em sua defesa. Isso vale ainda para o boliviano Evo Morales, o equatoriano Rafael Correa e o uruguaio José Mujica que já não é presidente nem, ao que se saiba, fala por Tabaré Vázquez.

Atitude corajosa, similar à de Serra, foi tomada pelo ministro da Educação e Cultura, deputado Mendonça Filho (DEM-PE). Ele enfrentou e calou baderneiros que foram desmoralizá-lo e saíram do confronto derrotados por sua argumentação lógica, lúcida, respeitosa à democracia e que deveria ser imitada em enfrentamentos públicos do tipo.

Recriar o Ministério da Cultura (MinC) ou subordinar a secretaria à Presidência seria recuo que dificultaria ao governo adotar as providências necessárias para desmontar o deletério legado da desastrada gestão petista nesses 13 anos e quatro meses e meio. O MinC foi uma má iniciativa de José Sarney para pôr ao menos um amigo no Ministério, então só composto por indicações do titular morto, Tancredo Neves. Um de seus ministros foi o economista Celso Furtado. Mas a biografia impoluta do grande mestre foi maculada por seu injustificável apoio à censura ao filme Je vous Salue, Marie (Ave, Maria[), de Jean-Luc Godard, imposta ao então presidente pela devota mãe, dona Kiola.

À exceção de Ipojuca Pontes, que ousou extinguir a Embrafilme e por isso é hostilizado, Antonio Houaiss e Francisco Weffort, a pasta foi sempre usada para uma ação entre amigos, à nossa custa. Lula e Dilma a aparelharam para servir ao PT e à indústria fonográfica. E a usaram para tungar direitos de nossos autores e aumentar os lucros das multinacionais da cultura e de artistas nativos que se beneficiam da “bolsa show”, sob as bênçãos de Xangô e do Senhor do Bonfim. Enquanto as traças devoram a Biblioteca Nacional e os museus sob sua égide se tornam inaptos para visitas públicas.

A Cultura é um detalhe simbólico, mas também relevante, tendo em vista as dificuldades com imagem do presidente em exercício. Urge ao governo-tampão evitar que Dilma e seus asseclas completem o desmanche do País, sob os aplausos dos decadentes aliados subcontinentais. Para tanto basta que os senadores contra seu afastamento cheguem a 25 (um terço de 81), três a mais do que os obtidos na votação da abertura do processo.

Essa tarefa não é impossível, mas fácil também não é. Dois passos são exigidos: demitir não 4 mil, mas todos os comissionados que for possível, para que não sabotem a gestão; e fazer de tudo para pôr de novo as contas públicas nos eixos. Esta luta terá de ser travada com lisura e na guerra pela paz.
 

Fonte: José Nêumanne - O Estadão

 

segunda-feira, 29 de junho de 2015

Agenda de gênero, uma agenda bem programada!



Neste artigo, Pe. Rafael Solano, faz um alerta muito sério acerca de uma agenda de 8 itens que vem-se instaurando sorrateiramente nas mentalidades e culturas mundiais.

Quando ouvimos falar em ideologia de gênero, pensamos que estamos diante de uma situação definitiva. Tenho ouvido muitos se manifestarem contra e tantos outros se manifestarem a favor. O que muitos talvez não saibam é que a ideologia de gênero, faz parte de uma agenda muito bem montada; dentro da qual há diversos passos e momentos que aos poucos vem-se instaurando nas mentalidades e culturas.

Em 1885 se deu o primeiro dos passos para a elaboração desta agenda. O trabalho desenvolvido por Lewis Henry Morgan e continuado por Frederich Engels, foi muito bem tematizado. Primeiro, colocar em questão o valor da família como estrutura privada e capaz de formar a consciência da pessoa. Tanto um como o outro criaram um modelo no qual as pessoas dentro da família, não tivessem nenhum tipo de relação. Eliminando as relações familiares se destrói o conceito de pessoa.
O segundo passo foi dado em 1968, Robert Stoller, define e especifica a necessidade de fortalecer o conceito e a definição do termo gênero, em detrimento da definição do termo sexo. Segundo Stoller, utilizar o termo sexo masculino e feminino constituía uma séria problemática para a identidade sexual do próprio individuo.
Em 1975, Elisabeth Clarke e Simone de Beauvoir, são sem dúvidas as maiores promotoras do feminismo ocidental, no qual a ideologia de gênero e o aparecimento de um novo sexo, atrai a atenção sobre a situação que se vivia desde os alvores do século XX quando, em Nova York, um grupo de mulheres decidiu sair nas ruas exigindo o direito ao sufrágio e este movimento lhe deram o nome de “Feminismo ideológico”.
Desde o ano de 1999, iniciamos um quarto momento, que é aquele no qual nos encontramos. Diante da situação vivida pelos apelativos do gênero e pelos novos movimentos sexuais, no século XXI, tornou-se mais relevante o processo educativo que países como Holanda, Bélgica e Suécia iniciavam a viver.
O quarto ponto da agenda é criar um sistema educativo, pedagógico dentro do qual um dos passos, seja permitir que a pessoa não se sinta reconhecida na sua natureza; que simplesmente com o passar do tempo, ela mesma possa descobrir qual é o seu estado natural e assim mesmo “decidir” se é homem ou mulher. Esta suposta decisão, vem acompanhada de uma aniquilamento da pessoa; substituindo ela por alguém sem identidade.
 
Qual deve ser o tempo que se deve esperar e quais os modelos que esta pessoa não definida deve seguir dentro da sociedade? Nos países supra citados, hoje as pessoas que optaram por este sistema, não conseguem encontrar uma forma acertada para o tal desenvolvimento da identidade; pois os estudiosos da ideologia de gênero não tem a suficiente certeza se ela levará em conta a liberdade genuína da pessoa, que nasce nas mesmas relações, que eles se permitem proibir.
A meu ver existem mais quatro passos a serem cumpridos e bem desenhados dentro desta agenda. O próximo será a desconstrução do significado do termo pessoa e até mesmo o termo indivíduo, sendo assim quem decide no seu lugar não é mais alguém autônomo, e sim alguém que poderia deixar nas mãos de um outro essa decisão.
O seguinte passo seria o mais próximo de todos. Eliminada a pessoa, se eliminam suas relações e seus efeitos. Uma tendência em forte atualmente é o assim chamado “poli amor”. Onde as pessoas podem estabelecer matrimônios ou uniões de fato, mas sempre abertas à outro tipo de relações, sem compromisso definitivo ou sem a exigência da estabilidade ou unicidade.
O último dos itens desta agenda é de caráter anti-metafísico. Qualquer tipo de relação com a transcendência, com a religião, ou com o ser Criador, deve ser simplesmente anulada. O homem do século XXI, dono e senhor do seu poderia mais precioso a sua identidade. Os passos a seguir só serão evitados se percebemos que existe algo mais profundo e delicado quando se fala em ideologia de gênero.

Padre José Rafael Solano Durán.
Doutor em Teologia Moral, especialista em Bioética, professor da PUC – PR, Assessor de Bioética do Regional Sul II da CNBB – Post Doutorado em Teologia Moral e Família pela Pontifícia Universidade Lateranense de Roma, Instituto João Paulo II. É autor do livro: Família, Novo Sinal dos Tempos, pela Editora Canção Nova