Da Virgínia, Olavo de Carvalho age como o imbecil, que ele mesmo consagrou em sua obra: - desprovido de qualquer freio moral, o filósofo parte para uma briga pública contra os militares e atrapalha o País
Até quando o guru de Bolsonaro vai atacar a República com suas loucuras?
No livro “O imbecil
coletivo”, escrito pelo filósofo Olavo de Carvalho há mais de 20 anos,
ele acusa os intelectuais brasileiros de terem se corrompido pela
“intoxicação ideológica” com a qual “imbecilizaram” seus leitores. Nos
últimos dias, ao ultrapassar todos os limites do radicalismo e da
insanidade na escalada de ataques sórdidos aos militares, o escritor e
guru do governo Bolsonaro demonstra que o imbecil é outro. Ele mesmo.
Engana-se quem pensa, no entanto, que o Eremita da Virgínia (EUA), onde
reside e dispara seus tuítes desaforados, recheados de desrespeitos,
chutes abaixo da linha da cintura e palavras de baixo calão, não age com
método. Contraditório na essência, como quem veio para confundir, mas
firme em seus propósitos, o ex-astrólogo comanda como um maestro
distante, ao menos desde a campanha eleitoral, a ala ideológica do
bolsonarismo.
Com a ascensão de Jair Bolsonaro ao Planalto, seu séquito
passou a ocupar postos estratégicos na Esplanada dos Ministérios, mas
dois de seus apóstolos em especial justificam a astronômica influência
que o ex-astrólogo exerce sobre o presidente da República: os filhos
“02” e “03” do mandatário, Carlos e Eduardo Bolsonaro, respectivamente.
Por intermédio deles, numa espécie de atalho afetivo, Olavo ocupa a
mente e o coração daquele que foi eleito para comandar os destinos do
País por 57 milhões de pessoas, com forte apoio do Exército, mas que, ao
que parece, resolveu se deixar governar pelo exército de um homem só – o
próprio Olavo.
Foi aliado ao mais
aguerrido dos rebentos do presidente, o proverbial Carluxo, que o guru
radicado em Richmond superou, na semana passada, as fronteiras da
própria petulância – como se as diatribes perpetradas por ele até então
já não fossem o bastante. Imbuído de uma volúpia devastadora, Olavo agiu
sofregamente na clara tentativa de desmoralizar o núcleo de generais da
Esplanada — e, o pior, livre e solto, desprovido de qualquer freio
moral. Num dos mais baixos ataques já presenciados na história recente
da República, classificou o general Santos Cruz, ministro da Secretaria
de Governo, de “bosta engomada” e referiu-se ao ex-comandante do
Exército Eduardo Villas Bôas como um “doente preso em cadeira de rodas”,
numa alusão à doença degenerativa sofrida pelo general, hoje assessor
do GSI. O ideólogo do governo parte do pressuposto — e por isso se
movimenta com método — de que a defesa das instituições desempenhada
pelos militares os transforma num “inimigo” a ser eliminado no decorrer
de um processo – ou de uma “cruzada” – que o olavismo chama de
“revolução cultural conservadora”. Ocorre que as consequências para o
governo das, ao mesmo tempo, indigentes e desenfreadas agressões que
visam a atingir o seu objetivo final são imprevisíveis.
A crucificação de Cruz
Senão
vejamos. Santos Cruz foi alçado a alvo preferencial nos últimos dias.
Tudo começou com uma operação típica de criação de fake news para
alvejá-lo: uma frase do ministro sobre o uso das redes sociais por
grupos ideologicamente extremados foi tirada de contexto. Espalhou-se
então que ele desejaria censurá-los. Não era verdade. Foi quando Olavo
entrou em cena sentando o dedo no teclado contra o general: “Controlar a
internet, Santos Cruz? Controle a sua boca, seu merda”, disse Olavo por
meio do twitter no domingo 5. “A internet ‘livre’ foi o que trouxe
Bolsonaro até à Presidência e graças a ela podemos divulgar o trabalho
que o governo vem fazendo! Numa democracia, respeitar as liberdades não
significa ficar de quatro para a imprensa, mas sempre permitir que
exista a liberdade das mídias!”, emendou Carlos Bolsonaro. Quando o
general retrucou, Olavo desceu ainda mais baixo. “Santos Cruz, não me
meça por você mesmo. Você, sem seu cargo e sua farda, é um nada. Eu,
pelado e esmagado sob uma jamanta, sou ainda o autor de livros que serão
lidos por muito tempo após a minha morte”.
Sob fogo cerrado, na
noite de domingo, o próprio general foi tirar satisfação com o
presidente. A conversa com Bolsonaro foi tensa e durou 1h30. Santos
Cruz, conhecido por não medir as palavras, ameaçou deixar o governo. As
ofensas ao colega de farda irritaram de tal maneira a caserna, que
provocou uma reação em cadeia de comandantes de todas as armas.
Indignado, um integrante militar admitiu em caráter reservado à ISTOÉ
que, se não estivesse pensando no País, “pois somos o ponto de moderação
disso tudo”, ele “já teria largado essa confusão e ido embora”. ISTOÉ
apurou que o general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança
Institucional (GSI), foi outro que cogitou desertar caso os petardos não
cessassem. A ira dos militares contra Olavo ficou explícita também em
dois instantes distintos. O Clube Militar, entidade representativa das
Forças Armadas, promoveu um ato de desagravo aos generais, afirmando que
eles foram atingidos pela “incontinência verbal que, impune, prospera
inexplicavelmente em distintas esferas de poder”. Se isso não fosse
suficiente, o ex-comandante geral do Exército, general Eduardo Villas
Bôas, também saiu em sua defesa. Nas redes sociais, Villas Bôas afirmou:
“Mais uma vez o sr. Olavo de Carvalho, a partir de seu vazio
existencial, derrama seus ataques aos militares e às Forças Armadas,
demonstrando total falta de princípios básicos de educação. Verdadeiro
Trotski de direita”. Foi nesse momento que Olavo o classificou “de um
doente preso a uma cadeira de rodas”. Não havia como se rebaixar ainda
mais na escala da degradação moral.
ALTO COMANDO As Forças Armadas querem que Bolsonaro feche a boca do ideólogo-guru e filhos (Crédito:Twitter Gen. Villas Boas)
Em meio à nova crise
desnecessária, entre inúmeras em menos de seis meses de governo,
restaria saber de que lado da trincheira estaria o presidente da
República. A decisão jamais deveria representar uma escolha de Sofia
para Bolsonaro. Afinal, de um lado está quem hoje faz a diferença no
governo — os militares. Do outro, a vanguarda do atraso. É Olavo quem
está por trás da maioria das políticas equivocadas, para não dizer
destrambelhadas, da atual gestão. Como, por exemplo, a doutrina da
alienação do MEC — baseada em cortes injustificáveis de recursos de
universidades, no sufocamento do livre pensar e nos ataques às ciências
humanas —, e a própria deletéria agenda internacional, levada a cabo
pelo chanceler Ernesto Araújo, ancorada no fantasma do marxismo
cultural, tese mais do que presente nas aulas online de Olavo. Para não
falar também dos insultos cotidianos à diversidade, sustentados por uma
ideologia carola que remonta há quase dois séculos.
Infelizmente, porém, o
presidente parece ter pego o bonde errado da história. Por mais que
tente escamotear, não é difícil descobrir por quem o coração de Jair
Bolsonaro bate mais forte e acelerado. As recentes atitudes do
presidente consagram o olavismo como o cânone principal do governo. Por
exemplo, o mandatário não moveu uma palha para defender seus auxiliares
tratados piores do que esterco humano pelo filósofo. Ao contrário, em
almoço com militares, quando muitos esperavam algum sinal de
admoestação, Bolsonaro sugeriu que todos permanecessem em obsequioso
silêncio. “Olavo é dono do seu nariz”, limitou-se a dizer.
O imbecil da Virginia, autoproclamado filósofo e astrólogo Olavo de Carvalho
As razões do
alinhamento quase que automático, pelo jeito, decorrem da gratidão do
presidente pelo que considera uma primordial contribuição de Olavo na
campanha eleitoral de 2018. Em mensagem postada no twitter na
terça-feira 7, Bolsonaro atribuiu ao escritor o “trabalho contra a
ideologia insana” dos governos anteriores. “Olavo tornou-se um ícone.
Sua obra em muito contribuiu para que eu chegasse ao governo, sem o qual
o PT teria retornado ao poder”. Assim, sem cargo ou estrelas no peito, o
imbecil da Virgínia reina quase que soberano sobre todos os escalões do
poder – e atrapalha o País. Até quando?