Supremo agiu de maneira correta ao não intervir no processo de impedimento da presidente, uma questão política que não será julgada na Justiça comum
Transferido da Justiça para a Advocacia-Geral da União, José Eduardo Cardozo recebeu a tarefa de defender a presidente Dilma no processo de impeachment, e logo compareceu à comissão especial da Câmara formada para apreciar o pedido de impedimento. Lá, foi claro: não deixaria de recorrer à Justiça ao menor sinal, ao seu entendimento, de que direitos de Dilma estivessem sendo malbaratados.Cumpre o que prometeu. Aprovado na comissão o relatório do deputado Jovair Arantes (PTB-GO), a favor do impeachment, Cardozo o desqualificou e recorreu ao Supremo para que a Corte o invalidasse e colocasse a comissão na estaca zero. Como a evidente intenção do governo é ganhar tempo, para tentar obter votos e/ou o compromisso de ausências na votação de plenário, o PCdoB, aliado de Dilma, recorreu à Corte, ao mesmo tempo que Cardozo, contra critério do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), para proceder a votação.
Cunha estabelecera uma ordem de votação que começaria pelas bancadas dos estados do Sul e do Sudeste — de oposição. Depois, reviu a regra, para haver uma alternância entre regiões, mas ainda assim o tema foi ao plenário da Corte. Com a decisão correta do presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski, de realizar sessão de urgência logo na quinta à noite, os dois blocos de contestações, do advogado-geral da União e do partido, foram avaliados de uma só vez, numa jornada de trabalho que se estendeu até a madrugada de ontem.
O recurso mais importante, da AGU, perdeu por maioria de votos, oito a dois — de um lado, o relator Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes, Celso de Mello, Teori Zavascki, Luís Fux e Rosa Weber; de outro, Lewandowski e Marco Aurélio Mello. Já a última forma estabelecida para a votação foi aprovada. A Corte rejeitou a ideia de Cardozo de que houve cerceamento da defesa e inclusão indevida de outros assuntos no relatório da comissão, além daqueles estabelecidos como o centro do pedido do impedimento: pedaladas fiscais e edição de decretos de despesas, ao largo do Congresso, e em 2015. Não foi aceito.
Ficou perceptível em votos contrários aos pedidos da AGU e do PCdoB o cuidado da maioria da Corte em não intervir em assuntos políticos do Congresso. Afinal, na essência um processo de impeachment é político, embora tenha de, por óbvio, seguir a Constituição e legislações correlatas, além de apresentar argumentos sólidos.
Fonte: O Globo - Editorial