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sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

Campanha de vacinação - A incerteza continua - Merval Pereira

O Globo

Governo menospreza vacina por sua origem, seja chinesa ou paulista

A decisão do ministério da Saúde de não garantir a compra das 54 milhões de doses de Coronavac produzidas pelo Instituto Butantan não tem explicação, [não tem explicação? explicar o que? foi firmado um contrato - contrato, documento em que as partes contratantes - exceto as crianças, os mentalmente incapazes, os idiotas, e similares - se obrigam a respeitar e fielmente cumprir. O contrato estabelece o prazo até o final de maio 2021 para o MS exercer o seu direito de compra. O resto é o resto. O cidadão que preside ou faz de conta que, tem uma certa aversão a documentos escritos - questiona até  a posologia da vacina na bula original. Para ele, a exemplo dos apresentadores, doutores na sinistra arte de  contagem, o que vale é o virtual - escrito, ainda que em bula de medicamento, pode transmitir o corona.]   não ser essa interminável guerra política entre o governo central e o governador de São Paulo João Dória.  Não há vacina suficiente no mundo até o momento, mesmo os países desenvolvidos estão com problemas para vacinar seus cidadãos, e o Brasil parece menosprezar a possibilidade de adquirir milhões de doses, simplesmente por sua origem, não mais chinesa, mas paulista. [cabe um registro: os produtos chineses costumam, ou costumavam, ser vistos com algumas reservas, quanto a qualidade. 
Lembram das lojas de R$ 1,99?  - a petista, escarrada da presidência da República conseguiu falir uma de sua propriedade  - fizeram sucesso e o principal bordão das mesmas era: "baratinhas, mas os produtos são ruins". 
A qualidade melhorou e muito, mas algum receio permanece. Soma o receio dos produtos chineses com a falta de credibilidade do Joãozinho, o faz e desfaz do ainda presidente do Butantan, fica dificil de acreditar. Afinal de contas, o João Doria trancou tudo em São Paulo e viajou para Miami para desestressar, sendo flagrado sem máscara. Seus aspones lembraram do desastre político da viagem e ele voltou em minutos.]

Essa birra está dando oportunidade a que Dória amplie o alcance de seu nome a nível nacional, [ampliação favorável ou desfavorável?até agora ele está se tornando conhecido como "o homem da vacina enrolada".] prometendo vender as vacinas para outros estados, que lutam para conseguir as doses que o governo central não teve capacidade de garantir. A incerteza é tamanha que ontem, ao anunciar o calendário para vacinação na cidade do Rio de Janeiro de pessoas acima dos 80 anos em fevereiro, o secretário de Saúde Daniel Soranz avisou que as datas dependem da chegada das doses das vacinas da AstraZeneca da Fiocruz, e Coronavac do Instituto Butantã.

Nós, que não somos do primeiro mundo, estamos arriscados a ficarmos sem vacina por um bom tempo, já que a escassez de produção no mundo está obrigando a que várias mudanças sejam feitas na entrega das doses, e na utilização das vacinas. [a União Europeia, a maioral do primeiro mundo, está tendo dificuldades com a vacina, imagine aqui. Fica dificil vender, sem pagamento antecipado, para um país cujo presidente não tem autonomia para decidir praticamente nada.*] Já há países que pretendem dar apenas a primeira dose das vacinas, para conseguir começar a imunizar mais cidadãos. Aqui no Brasil, esta possibilidade foi aventada, mas o Instituto Butantan insiste em que as doses da Coronavac devem ser aplicadas com uma diferença máxima de 15 dias.

A vacina da AstraZeneca pode levar até três meses entre as doses, o que a torna mais atraente para o momento inicial da produção. Mas a União Européia pode exigir que a farmacêutica inglesa não exporte suas vacinas antes de garantir a vacinação nos países europeus. Isso dificultaria a chegada das vacinas a países periféricos como o Brasil. Vem da Alemanha também a advertência de que a vacina da AstraZeneca não é aconselhável para pessoas acima de 65 anos, o que, se confirmado pela União Européia, pode causar problemas até mesmo por lá, onde já começou a vacinação em alguns países com ela, justamente entre os idosos.  

Além de toda a trapalhada que o governo fez nas negociações e nas compras, existe esse problema real, com a União Européia já ameaçando proibir a AstraZeneca de exportar antes de servir aos países do continente. É uma situação que não deveria ser assim, mas é. Quem tem mais dinheiro, leva. Isso já se evidenciou no início da pandemia, quando respiradores e material médico foram disputados em leilões onde os países mais ricos levaram vantagens.

Devido à inépcia do governo, estamos nas mãos de duas farmacêuticas produtoras de vacinas, embora existam várias outras sendo aplicadas no mundo. A vacina da Pfizer, por exemplo, foi recusada pelo governo brasileiro sob a alegação de que as condições para a venda eram inaceitáveis.
[*]A vacina está sendo aplicada em diversos outros países, e possivelmente as condições são as mesmas. Só seria cabível a decisão de recusar a vacina se tivéssemos certeza de que a farmacêutica alemã não exigiu de outros países que assumissem os riscos de efeitos colaterais, livrando-a de processos judiciais. A FIFA também fez essa exigência para a realização da Copa do Mundo de 2014, e o governo brasileiro aceitou. [governo? os ladrões do pt?]

A política correta seria comprar qualquer vacina que estivesse à mão, desde que aprovada por organismos internacionais de controle reconhecidos no mundo. Tivemos uma negociação mal feita e pretensiosa, achando que o mercado brasileiro seria atraente. Ora, o mundo tem 7 bilhões de pessoas e os mercados dos EUA e da União Européia são muito maiores do que o nosso, sem contar a China e a Índia. Há mais demanda que oferta, e, portanto, não temos margem de barganha em compras que custam vidas.

Foram erros de estratégia, de negociação e de avaliação, porque o governo não teve, nem tem, a dimensão exata da crise, que vai se aprofundar nos próximos meses, enquanto continuamos com uma vacinação muito lenta e precária, o que faz com que o vírus se espalhe mais rapidamente, especialmente a nova variante encontrada em Manaus.

Merval Pereira, jornalista - O Globo