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quarta-feira, 3 de março de 2021

Lei de Cotas acaba em 2022

Regra que reservou vagas para negros, indígenas e estudantes de escola pública perde a validade no próximo ano.

Criada em 2012, a Lei de Cotas das instituições de ensino federal (Lei 12.711/2012) perderá a validade em 2022, caso não seja renovada pelo Congresso. A revisão da lei sob o governo Jair Bolsonaro (sem partido) - que é antipático a ela e nega o racismo como um problema estrutural do Brasil - é fator de preocupação para o movimento negro, que teme retrocesso numa política amplamente avaliada como bem sucedida por estudiosos da educação e de políticas públicas. [chega de desprezar o mérito e privilegiar fatores que não tem a menor influência no desempenho dos estudantes.

A péssima qualidade do ensino público é que precisa melhorar - inaceitável, até criminoso,  é que a pretexto de compensar aquela falta de qualidade, o descaso, se abandone o mérito, permitindo que  alunos que são vítimas das falhas do sistema, iniciem cursos de graduação na condição de analfabetos funcionais.]

Além disso, o processo de revisão, previsto no artigo sétimo da própria lei, deve acontecer em pleno ano eleitoral, quando a polarização política estará ainda mais exacerbada."Não só temos um temor como, justamente por conta disso, já estamos, junto com outras instituições, criando uma grande frente de defesa da renovação da Lei de Cotas", diz José Vicente, reitor e fundador da Universidade Zumbi dos Palmares. Sociólogo e advogado, Vicente lembra que as cotas da magistratura, do Ministério Público e do serviço público federal também estão subordinadas à mesma legislação."Na hipótese de a lei não ser prorrogada, nós teríamos todas as políticas de cotas canceladas no nosso país, o que seria um absurdo, uma perda inominável, tendo em vista que as cotas não conseguiram dar conta ainda do que elas se propuseram", afirma o reitor. "Dos 20% de juízes negros que deveriam estar preenchendo as cotas do Judiciário, não chegamos ainda a 5%. Isso acontece também no Ministério Público, nos concursos federais e, mesmo na universidade, a ação afirmativa chegou aos bancos escolares, mas ainda não alcançou o corpo docente, a estrutura de gestão operacional do ambiente universitário e a ciência, nas bolsas de pós-graduação de mestrado e doutorado." [os que pleiteam concursos do nível dos citados e fracassam, não podem atribuir o mau resultado a cor da pele, raça,condição social - e sim, por uma certa inaptidão com o mérito.]

Vicente avalia que a conjuntura atual impõe um desafio adicional à revisão da política."Se a luta já estava difícil antes, agora com Bolsonaro e companhia vai ser uma pedreira", avalia. "A discussão pode perder seu caráter técnico para se transformar numa bandeira política, entrando para esse ambiente de conflito e confronto. Esse é um grande risco. E aí, os negros sozinhos não têm condição de fazer a defesa. Será preciso um grande concerto nacional, uma trincheira de defesa muito grande, que vai exigir esforço extraordinário."

(........)

 
Porte de armas e excludente de ilicitude
O reitor da Universidade Zumbi dos Palmares também vê com preocupação a agenda enviada pelo governo ao Congresso, por ocasião do início de mandato dos novos presidentes do Senado e da Câmara, Rodrigo Pacheco (DEM-MG) e Arthur Lira (PP-AL).

Entre as 35 prioridades elencadas pela gestão Bolsonaro, estão uma proposta que amplia o acesso a armas e outra que prevê excludente de ilicitude para militares em operações de garantia da lei e da ordem. Isso num país onde as maiores vítimas de mortes por armas de fogo e por policiais são os jovens negros."São agendas fora de lugar e de hora, que colidem com a agenda da cidadania que o Brasil precisa", afirma. "Foi um esforço extraordinário tirá-las da pauta e agora elas voltaram, com sua capacidade destrutiva e de dano. Isso  significa que vai ser necessário novo esforço para retirá-las outra vez da cena, substituindo-as por questões mais prementes."

Na avaliação de Vicente, a resistência da sociedade civil brasileira ganha agora um reforço com a eleição do democrata Joe Biden nos Estados Unidos."A nova direção do governo americano é um fator moderador adicional. Isso deve refletir no Brasil, pois Bolsonaro vai ter que rever e reconstruir sua relação com o governo americano, que tem o meio ambiente e os direitos humanos como temas prioritários." 

[pretendíamos encerrar a transcrição da matéria no trecho em que o tema da extinção das cotas raciais  se encerrou. 
Mas o reitor da Zumbi dos Palmares trouxe à baila o  Porte de armas e excludente de ilicitude,   transmitindo a impressão - talvez estejamos incorrendo em equívoco - que ele é favorável à criação de  um sistema de cotas estabelecendo o máximo de afrodescendentes que podem ser abordados  em uma blitz policial.

O excludente de ilicitude é essencial para valorizar o trabalho policial - podem ocorrer casos excepcionais,  mas a quase totalidade dos abatidos em ações policiais são de transgressores da lei que resistiram  aos policiais. Aproveitamos o ensejo para lembrar aos esquecidos que a ficha criminal do senhor  João Alberto Silveira Freitas, suscita dúvidas sobre as razões dele não estar encarcerado.

'Nós continuamos sendo racistas'
Outro indicativo disso, na avaliação de Vicente, é o avanço da discussão sobre desigualdade racial no ambiente corporativo. Segundo ele, no entanto, não surpreendem reações como a da juíza do Trabalho Ana Luiza Fischer, que afirmou que o trainee exclusivo para negros do Magazine Luiza seria uma "discriminação inadmissível", ou a ação civil movida pelo defensor público federal Jovino Bento Júnior contra o mesmo programa.
"Nós continuamos sendo racistas. O Magalu ao longo de 15 anos fez processos de trainee, só se apresentavam brancos, e ninguém nunca contestou isso, porque é considerado como parte da normalidade", observa o reitor.[se só os brancos se apresentavam o problema estava no desinteresse dos que dispensavam a oportunidade.
Agora a conduta da Magalu representou um indiscutível caso de racismo às avessas - os brancos não deixaram de se apresentar, apenas não foi permitida que participassem.]

Em G 1 - Educação, leia MATÉRIA COMPLETA


quarta-feira, 4 de abril de 2018

Maioria de um e militares são cidadãos brasileiros que vestem fardas - não são cidadãos de segunda classe





O julgamento de hoje no Supremo Tribunal Federal gira em torno de dois ministros que, pela polarização do plenário, tornaram-se formadores de maiorias ou, como na definição usada nos Estados Unidos, “a maioria de um”.

O ministro Gilmar Mendes é o único dos ministros que mudou de posição desde a votação de 2016, dando a maioria virtual hoje aos que eram contrários à permissão para prisão após condenação em segunda instância. O falecido ministro Teori Zavascki, que votou a favor da prisão em segunda instância, foi substituído por Alexandre de Moraes, que tem a mesma posição e não alterou a maioria. Já a ministra Rosa Weber, que votou a favor da prisão somente após o trânsito em julgado, tem dado um exemplo de comportamento em um colegiado, acatando a maioria que ficou estabelecida naquela votação de 2016.

Dos 28 habeas corpus de condenados em segunda instância que teve que julgar desde então, ela recusou 27, mesmo contra sua opinião pessoal. O constitucionalista Gustavo Binenbojm,  pela circunstância de fazerem parte de um Tribunal radicalmente polarizado, vê uma proximidade entre as experiências da Justice Sandra Day O’Connnor, a primeira mulher a ocupar uma cadeira na Suprema Corte dos Estados Unidos da América, e da Ministra Rosa Weber, a terceira mulher em nossa história a integrar o Supremo Tribunal Federal.

Como hoje no plenário do Supremo, por razões distintas, a divisão da Suprema Corte entre juízes republicanos e democratas conduzia as votações a virtuais empates em quatro a quatro, colocando a Justice Sandra O’Connor na posição de decidir sozinha grandes questões nacionais, mesmo quando isso significava votar contra a posição dos republicanos.  Nomeada por Ronald Reagan, foi criticada por ser contrária ao aborto e acabou acusada de ser a favor, tal a independência intelectual com que agia. Para Gustavo Binembojm, certo desapego pragmático a qualquer rigidez dogmática na aplicação do direito transformou O´Connor em swing vote, ou seja, no voto decisivo em inúmeras votações importantes.

Não há no Brasil, como se pode atestar nas principais votações pelo menos a partir do mensalão, a identificação político-partidária da maioria dos ministros do Supremo nos mesmos moldes norte-americanos, o que depõe a favor da nossa Corte. Basta ver que na votação de hoje do habeas corpus para o ex-presidente Lula, pelo menos metade dos votos que se supõe sejam dados contra ele virá de ministros nomeados na era petista. E o próprio ministro Gilmar Mendes se valeu de sua posição favorável a Lula para dizer que não pode ser acusado de ser petista.

O constitucionalista Binembojm define nosso cenário como mais complexo e nuançado, além de marcado por um sério problema de instabilidade jurisprudencial e insegurança jurídica. Essa polarização, analisa ele, coloca a Ministra Rosa Weber na posição de swing vote: embora tenha votado no julgamento das ações declaratórias de constitucionalidade (ADCs) pela impossibilidade de execução provisória da pena na condenação em segunda instância, tem denegado quase todos os habeas corpus a pacientes nessa situação, “curvando-se, respeitosamente, ao entendimento da maioria de 6 a 5 formada no julgamento preliminar das ADCs”.

À semelhança da atuação de Sandra OConnor, a Ministra Rosa Weber não parece exercer a judicatura vinculada por laços de lealdade aos interesses do grupo político que a nomeou para o Supremo, ressalta Binembojm. Ele considera que o fato de ser uma juíza do trabalho de carreira a deixa à  vontade para fazer escolhas doutrinárias sobre questões constitucionais sem o peso de uma vida dedicada matéria. Por saberem dessa independência é que ministros que querem mudar a jurisprudência tentarão hoje fazer com que o julgamento do HC de Lula seja considerado “de repercussão geral”, transformando-se em um caso abstrato em que o mérito estará em julgamento, e não o caso concreto de Lula.

A ministra Rosa Weber se sentiria à vontade, nesse caso, para reafirmar sua posição contra a prisão em segunda instância. No caso concreto, ela seria incoerente pela primeira vez diante de um habeas corpus, desistindo de seguir a maioria que ainda prevalece no plenário do Supremo.  A manobra dos que querem mudar a jurisprudência aproveitando-se do caso de Lula é difícil de realizar, pois seria preciso que os dois relatores, ministros Edson Facchin e Marco Aurélio, entrassem em um acordo nesse sentido. Mas uma contramanobra pode surgir, assim como foi uma surpresa a ministra Carmem Lucia ter colocar o habeas corpus de Lula em julgamento, para evitar que Marco Aurelio pedisse que as ADCs fossem julgadas antes.

A presidente do Supremo pode antecipar-se e marcar o julgamento das ADCs para mais adiante. Dessa maneira o plenário terá que enfrentar o caso de Lula sem subterfúgios. E a ministra Rosa Weber terá a oportunidade de manter sua coerência.    Seja como for, o julgamento do HC de Lula impõe à Ministra Rosa Weber a responsabilidade de decidir. Na visão de Gustavo Binembojm, “a democracia brasileira depende da maioria de um”.

Militares têm que ficar de fora [militares são cidadãos brasileiros que vestem fardas.]
Foi surpreendente e inapropriada a manifestação do comandante do Exército numa rede social sobre a decisão do STF. É uma questão que pode ser política ou jurídica, nunca militar. Não é possível que a esta altura, militares insinuem ações contra esta ou aquela posição que o STF venha a tomar. Uma coisa é o povo ir para a rua, os políticos criticarem ou elogiarem, mas militares não deveriam participar desta disputa.
Vejam os comentários da Globonews:

Merval Pereira - O Globo