O governo
Temer deu, afinal, as condições legais para a intervenção das Forças Armadas na
greve dos caminhoneiros, permitindo inclusive a chamada “requisição de
bens", isto é, que os caminhões sejam tomados para garantir o
abastecimento. Está começando a ser desmontado o bloqueio das estradas, em
situação ainda caótica, mas o governo deveria ter feito essa intervenção antes
de qualquer acordo. Teria dado uma demonstração de força e garantido uma
perspectiva de solução.
Fazer agora com os ânimos exaltados é muito perigoso, embora o bom senso pareça
estar prevalecendo nos primeiros momentos. Nesses casos, o governo reprime e
depois negocia, mas antes é preciso demonstrar que tem força para impedir os
bloqueios ilegais. Sem isso, é pedir para sofrer mais pressão.
[Temer já foi autorizado até pelo Vaticano a usar a força necessária para desbloquear as estradas - em um excesso de prudência e tendo lembrado que já teve um decreto nomeando um ministro 'revogado' pela presidente do STF, decidiu para usar as Forças Armadas no desmonte do 'lock-out' que bloqueia as estradas, consultar previamente um ministro do Supremo e recebeu o 'amém' para usar o poder que a Constituição lhe atribui]
O acordo com o governo não funcionou por duas razões: os caminhoneiros reunidos
no Palácio do Planalto não eram completamente representativos da classe, e a
Câmara, depois da trapalhada nas contas do deputado Rodrigo Maia, aprovou o fim
do tributo PIS/ Confins sobre o frete, e os caminhoneiros colocaram a condição
para acabar com a greve, impossível de ser atendida, de aprovação pelo Senado
da medida.
Com os ânimos exaltados, a entrada das Forças Armadas no conflito é uma medida
temerária, depois de um acordo fracassado. Nas greves anteriores houve
negociação, no governo Dilma, por exemplo, uma das greves durou 12 dias. No governo
Fernando Henrique, ela acabou em três, quatro dias, depois de o presidente
anunciar que desbloquearia as estradas, se necessário, com a ajuda das Forças
Armadas.
Era o que o governo Temer deveria ter feito antes de negociar um acordo que não
é possível cumprir sem a aderência das lideranças dos caminhoneiros autônomos.
O acordo fechado no Palácio do Planalto interessa mais às grandes
transportadoras do que aos autônomos. Soube-se no meio do dia de ontem, quando
a situação ainda era de tensão máxima, que no acordo firmado os ministros
Eliseu Padilha e Carlos Marun prometeram contratar sem licitação as frotas das
cooperativas e entidades sindicais que aceitaram suspender a paralisação.
No documento, revelado pelo site O Antagonista, o governo diz que vai editar
uma Medida Provisória para “autorizar a Conab a contratar transporte rodoviário
de cargas, dispensando-se procedimento licitatório, para até 30% de sua demanda
de frete”.
No item K do acordo, autorizado por Michel Temer, os ministros dizem que vão
“buscar junto à Petrobras a oportunização aos transportadores autônomos à livre
participação nas operações de transporte de cargas, na qualidade de
terceirizados das empresas transportadoras contratadas pela estatal”. Ficou muito claro nesse acordo que as grandes transportadoras estavam por trás
da greve e dos termos da rendição do governo. Um dos pontos foi a desoneração
da folha de pagamento, e só empresas grandes têm folha de pagamento.
É sabido que uma greve desse tipo terá sempre um final vitorioso para os
grevistas, pois é impossível resistir à paralisação literal do país. Hoje eles
conseguem paralisar o país com muito mais facilidade. Há muito mais
caminhoneiros, pois sucessivos governos financiaram caminhões em condições
vantajosas, e a tecnologia ajuda a unir os manifestantes mais rapidamente.
A tecnologia dá também uma característica nova a essa greve, pois o
abastecimento das cidades é atingido mais de imediato porque não há mais
necessidade de estoques. O processo just in time permite baratear o custo da
distribuição à medida que as entregas são feitas de acordo com a demanda, mas
também provoca o desabastecimento pela falta de entrega da mercadoria a tempo e
hora.
A indústria automobilística parou justamente por esse efeito colateral da greve.Mas, já que o governo vai ter que ceder, que o fizesse em posição de
autoridade, exigindo o fim dos bloqueios ilegais antes de qualquer coisa. A
população, que no começo apóia os grevistas, com o passar do tempo vai sentir
na pele os efeitos dessa paralisação no seu cotidiano, e não é possível
sustentar uma greve impopular por muito tempo.
É uma situação delicada, muito difícil mesmo, especialmente para os
caminhoneiros autônomos. O aumento diário impede que seja planejado o trabalho,
que seja cobrado preço justo, pois nunca se sabe qual será o preço do diesel.
Isso não dá, no entanto, o direito aos caminhoneiros de impedir o direito de ir
e vir dos cidadãos, e nem a legitimidade de algumas reivindicações permite à
categoria fazer exigências absurdas.