O respeito à morte
Faça um favor ao mundo: não mate a morte. Fale sobre ela; escreva sobre
ela. Respeite a importância e o tamanho dela na vida de alguém. Tão viva
quanto qualquer outra condição natural da existência humana, a morte é
uma possibilidade real e concreta no amanhã de todos nós e de todos os
que amamos. Por essa razão, havemos de aprender a lidar com os barulhos e
os silêncios que a sucedem e que também a antecedem.
O medo do que virá, o pânico de perder um dos seus, o choro da saudade, o luto tão pouco compreendido e,
às vezes, tão pouco respeitado... Todos esses sentimentos e emoções que
cercam a morte nos colocam de joelhos perante ela. Não digo isso
baseada nos meus próprios pensamentos. Reportagem da Revista do Correio de hoje mostra como enfrentar a etapa finda da vida humana é tarefa necessária. Sim, é preciso falar sobre a morte.
A psicóloga Cristiane Ferraz Prade, vice-presidente da Casa do Cuidar,
organização social sem fins lucrativos que atua na prática e ensino de
cuidados paliativos, conta na reportagem que as pessoas têm dificuldade
de lidar com a morte e aí ficam sem saber o que fazer quando se deparam
com ela. “Procuram qual a frase certa e acabam falando coisas que não
ajudam. A gente se afasta desta angústia e não se permite elaborar a
existência da finitude, que pode ser uma elaboração enriquecedora, que
permite que se viva de forma autêntica e mais inteira. A morte é uma
grande professora, mas a gente precisa ficar para ouvir a lição”,
recomenda.
Nosso silêncio também ensurdece e, com frequência,
adoece. O momento da partida, com toda a dor que isso envolve, pode ser
mais bem vivido e compreendido se a sociedade, todos nós pudermos
entender melhor o fim. Talvez encarar a morte como um novo começo;
talvez envolvê-la com sentimentos de ternura e amor por quem partiu;
talvez abraçando as causas que o outro deixou; escrevendo suas
lembranças ou apenas dando e recebendo ombros e abraços para amparar.
Conheço muitas pessoas que conseguiram lindamente — e
não sem sofrimento — ressignificar um momento de despedida. A maioria
não se prepara para isso e, de fato, não existe ensaio antes de as
cortinas fecharem. Mas o espetáculo continua para quem segue. Porque
cada um é o protagonista de sua própria vida. É preciso refazer os
cenários, os atos, dar nova leitura aos fatos. É preciso mexer no
roteiro que fugiu do previsível e adaptar o texto para encaixar a dor e a
saudade. Na nossa biografia, sempre haverá perdas.
Neste feriado de Finados,
convido a uma reflexão e reproduzo o que já ouvi de muitos pais órfãos e
amores sofridos de uma falta eterna: não tente limitar ou abreviar o
luto de alguém; não indique soluções fáceis para preencher vazios
profundos; não procure as palavras certas na hora de consolar, procure,
antes, entender que esse momento chega para todos nós e que é preciso
falar sobre isso com mais naturalidade ao longo da vida. Não é um
preparo antecipado, é apenas um esforço para ser o humano que somos em
toda a sua dimensão.
Correio Braziliense