“Hoje é dia de concentração na praça", disse-me a senhora. "Começa às
17 horas, mas os policiais do presidente chegam antes e usam essa sacada
para observação de segurança. Talvez o senhor se sinta melhor se
retornar depois do fim do evento”.
Prontamente respondi que sim. Preferi
chegar depois, porque, no mínimo, teria que me identificar para poder
permanecer e, se ficasse, certamente não poderia usar a sacada.
Eu estava em
Havana e tinha, nessa vez, alugado uma parte do apartamento de uma
professora (quarto, banheiro e sala, enquanto ela usava a cozinha e uma
outra dependência com acesso particular). O prédio estava muito bem
localizado, junto à Praça da Tribuna Anti-imperialista, e o apartamento
tinha a tal sacada a que se referia minha hospedeira.
Professora de
História, era pessoa de confiança do regime e, graças a isso tinha
“permiso” para alugar o imóvel a turistas.
Com a sala, deu-me acesso à
sua biblioteca (pouco mais de um metro de livros em espanhol e em
russo). Explica-se o conteúdo em russo pelo fato de se haver graduado em
Moscou, na Universidade da Amizade dos Povos, conhecida como Patrice
Lumumba.
Então, por
volta das 16 horas, desci para a praça e assisti aos atos que se
seguiram.
Eles consistiram numa sequência de discursos voltados ao
enaltecimento do Comandante Fidel, da Revolução e dos admiráveis êxitos
do regime tanto na Economia quanto na Educação e na dignidade do povo
cubano. Tudo, claro, embrulhado, por todos os oradores, no invólucro
comum: o dever patriótico de espinafrar o imperialismo e os “guzanos”
(vermes), cubanos que se atiravam ao mar e iam para Miami, num fluxo
contínuo, desde 1960.
Como eu
descera cedo, pude apreciar a chegada do distinto público. Eram trazidos
em ônibus, em grupos cuja afinidade se podia perceber tão logo desciam
pois tagarelavam entre si. Alguém, mais tarde, me explicaria que
provinham dos locais de trabalho e eram acompanhados por um “compañero”
que representava os olhos e os ouvidos do Estado.
Nesse dia,
Fidel não apareceu, o que deve ter representado um alívio para aquela
pequena multidão, pois quando o tirano comparecia, falava, e quando
falava proferia aqueles discursos que ficaram famosos, não pelo
conteúdo, mas pelo muito que lhe custava colocar um ponto final nas
arengas que duravam horas.
Por que este
relato? Porque o público, raro e ralo, presente à solenidade deste dia 7
de setembro em Brasília, por quanto a TV mostrou, era muito semelhante
ao daquela tarde/noite na Tribuna Anti-imperialista. Funcionários
públicos, sindicalistas e companheiros de partido, convocados pelo
governo, cumprindo ordens e portando bandeirinhas numa estranha
mistureba do verde e amarelo com convenientes detalhes vermelhos no
vestuário.
A Pátria passava muito bem sem essa.
Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org,
colunista de dezenas de jornais e sites no país.. Autor de Crônicas
contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A
Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia
Rio-Grandense de Letras.