Portos do Brasil se tornaram plataforma de exportação de cocaína da Bolívia, Peru e Colômbia para África e Europa. Confisco já é sete vezes maior que nos aeroportos
Semana passada
no Porto do Rio, estado sob intervenção militar, no intervalo de 12 horas foram
confiscados 1.300 quilos de cocaína com mais de 70% de pureza. Estavam dentro
de dois contêineres (TCLU2094075 e MSCU5657761), com lacres clonados,
escondidos entre produtos de construção civil. Chegaram de Santos e seguiriam
para a Bélgica a bordo do navio MS Arica.
No
governo considerou-se fato típico da paisagem criminal carioca. Mas a vida real
mostra outra coisa. Como demonstram sucessivos relatórios policiais, é outra
nova notícia sobre a mudança de patamar do Brasil na economia global do
narcotráfico. O país
agora é a principal plataforma de exportação de cocaína da Bolívia, Peru e
Colômbia para rotas protegidas na África e na Europa. O fluxo ocorre a partir
dos portos de Rio, Santos, Vitória, Ilhéus, Salvador, Paranaguá, Itajaí, Rio
Grande, Santarém, Manaus e Fortaleza. Nas últimas oito semanas, por exemplo,
foram apreendidos 902 quilos no porto de Santos.
Essa
mudança de posição brasileira no mapa-múndi do tráfico começou a ser percebida
em 2016, quando as apreensões de cocaína nos portos somaram 15 toneladas — sete
vezes mais que o volume confiscado nos aeroportos. O embargo cresceu 30% no ano
passado, na estimativa preliminar dos órgãos de segurança. Um dos
efeitos é o aumento do risco financeiro e patrimonial para empresas
exportadoras com negócios lícitos. Suas vendas ao exterior se tornam passíveis
de sobrepreço, como consequência da fiscalização mais lenta e minuciosa sobre
as cargas procedentes do Brasil.
Máfias
domésticas (PCC, CV e FDN, principalmente) estão ascendendo ao clube das
transnacionais do crime na América do Sul. De forma visível, ampliam laços com
bandos do México, Colômbia, Peru, Bolívia e Paraguai nas cadeias de produção,
transporte, distribuição e exportação de drogas à Europa, África e ao Oriente
Médio, sobretudo via Rio e São Paulo. Na
organização doméstica, os brasileiros se dividem, basicamente, em três núcleos:
os “banqueiros” financiam; os “transportadores” protegem e conduzem a carga; e,
os “despachantes”, que identificam navios, rotas, contêineres, falsificam
lacres e embarcam a droga.
A
internacionalização de grupos criminosos brasileiros ocorre numa etapa de
aumento da produção de coca na Colômbia (+ 40%), no Peru (+8%) e na Bolívia (+14%),
em quatro safras anuais. Os produtos da Colômbia e da Bolívia são disputados
pela pureza e rentabilidade — a desvalorização do peso colombiano aumentou os
lucros em 40%, desde 2016. Compra-se
o quilo de pasta-base a US$ 800 em Guaviare (Colômbia) e em Santa Cruz
(Bolívia). Vende-se o quilo de cocaína por US$ 83 mil em Genebra, Suíça. A
valorização é de 10.275%, sem paralelo na economia legal.
Essas
transnacionais brasileiras florescem numa etapa de debilidade institucional,
agravada pela crise fiscal e incompetência demonstrada pelo Executivo,
Legislativo e Judiciário, prisioneiros de discursos baratos. Pobres
são meros peões no tráfico. A mais recente “lavanderia” de lucros, descoberta
em Foz do Iguaçu, fronteira com o Paraguai, operava com 1.382 contas bancárias,
pelas quais transitaram cem mil CPFs. Movimentou R$ 5,7 bilhões entre 2012 e
2016. Principalmente, em operações de comércio exterior.
José Casado, jornalista - O Globo
José Casado, jornalista - O Globo