O
que Dirceu e Vaccari parecem estar querendo dizer é isto: não é justo que apenas alguns
indivíduos paguem por um comportamento que envolve uma organização partidária
No
poema de Antônio Cícero, o inverno no Leblon é quase glacial. Lembrei-me do
poema e da canção cantada por Adriana Calcanhotto porque fez frio no Leblon.
Imagine em Curitiba.
Enquanto a economia brasileira vai, aos poucos, buscando
seu rumo, a imprevisibilidade maior está na política e em seus desdobramentos. O deputado Eduardo Cunha deve cair e pode
passar o inverno na cadeia. Isso é previsível; o comportamento dele, uma incógnita. Seria ele
capaz de enfrentar longos anos de cadeia, sem buscar um acordo de delação
premiada?
De um modo geral, os acordos de leniência são feitos com empresas. Um acordo de leniência partidária seria uma jabuticaba, e sua menção foi criticada por procuradores.
Tudo indica que suas chances são mínimas. A proposta revela uma inflexão. Os partidos são responsáveis pelo que aconteceu nos governos do PT. Vaccari não pegava todo aquele dinheiro para guardar em sua mochila. Nem José Dirceu usou a fortuna que lhe foi destinada apenas com gastos pessoais.
O que eles parecem estar querendo dizer é isto: não é justo que apenas alguns indivíduos paguem por um comportamento que envolve uma organização partidária. Naturalmente, está contida nessa proposta a sugestão de que trabalharam para o partido e esperam, agora, uma socialização da responsabilidade. É possível que esteja embutida na proposta a espera da própria redução da pena, na suposição de que a divisão do fardo alivie os ombros dos indivíduos.
Acho ingênuo supor que os partidos sobrevivam depois de reconhecerem sua culpa e pagarem pesadas multas. Mas, se escaparem, não estariam sobrevivendo como uma farsa, fingindo que nada aconteceu? Outra variável importante neste cenário foi o pedido de prisão da cúpula do PMDB. O pedido vazou, foi criticado, defendido e acabou sendo negado esta semana pelo ministro Teori Zavascki.
Observando-o à distância, dois fatores emergiram no próprio vazamento. Um deles é a articulação para sabotar a Operação Lava Jato. O outro, a pura distribuição de propinas: quem levou quanto, por que e quem entregou o dinheiro? Mesmo sem entrar no mérito de um texto que desconheço, é possível concluir que não só teremos o presidente da Câmara preso, mas o do Senado sob constante pressão.
A Lava Jato tem seu rumo, a recuperação econômica, também o seu. Cada qual segue seus trilhos, mas a tendência no horizonte é de quea Lava Jato, por meio de extensas delações, apresente uma radiografia completa do processo de financiamento político no Brasil. Isso significa que é muito tênue o fio da recuperação econômica quando o processo político entra em decomposição.
Muitos acham que o problema foi resolvido com o financiamento público de campanha. Não foi. Há sempre novos truques na cartola. E a Lava Jato não conseguirá repatriar todo o dinheiro desviado, favorecendo alguns competidores no futuro próximo. Os partidos seguem um pouco como sonâmbulos. Mas deviam perceber que, apesar da responsabilidade dos indivíduos, o próprio sistema político se inviabilizou. Nada será como antes da Lava Jato. Será preciso aprender a fazer campanha com pouco dinheiro, quase nenhum, abandonar as superproduções do marketing, retornar ao mundo das ideias.
A ideia de José Dirceu e de Vaccari – se é que é deles mesmo – não tem nenhuma chance de vingar. Mas isso não impede os partidos de buscarem a Lava Jato dispondo-se a discutir responsabilidade e reparação. Imagino como as raposas do PMDB ou mesmo o núcleo duro do PT devam achar ridícula essa proposta. Lembro apenas de uma frase célebre: a raposa sabe muitas coisas, o porco-espinho sabe uma só, que é se defender.
O estar na cadeia é a compreensão de que o mundo ruiu e o passar do tempo na cela, um longo aprendizado sobre negação, resistência e, finalmente, o desejo de negociar. A experiência de cadeia também mostra que, quanto mais autoconfiante você se mostra, mais dura é a queda. O que José Dirceu e Vaccari parecem ter dito com a proposta é isto: Não fomos apenas nós. Onde estão os outros?
Esse tipo de apelo parece muito distante de Lula, que é a voz mais poderosa do PT. Ainda há poucos dias ele voltou a dizer numa entrevista para o exterior que ninguém é mais honesto do que ele, nenhum procurador, juiz ou delegado. Ele não consegue entender o absurdo de sua frase. Como é que o líder máximo de um partido que dominou o País com uma corrupção sistêmica, com tantos companheiros na cadeia, continua se achando o mais honesto do País?
Lula e Dilma vivem ainda na fase da negação. O que prolonga essa ilusão é a certeza de que muitos não conhecem os fatos e os tomam por perseguidos políticos. E que os círculos mais próximos continuam coniventes com tudo o que aconteceu na presunção de que o cinismo é a única alternativa num mundo em que os fatos importam menos que as narrativas.
Os ventos que sopram de Curitiba podem congelar essas ilusões. Marcelo Odebrecht, José Dirceu e João Vaccari Neto, a julgar pela ideia de leniência partidária, descobriram que acabou o tempo de fingir que não aconteceu nada.
Aprender com os caídos torna a própria queda menos dolorosa. Não posso garantir que a verdade liberta. Ela pode levar gente para a cadeia. Mas seu efeito positivo será uma lufada de vento fresco na política brasileira. O faz de conta vai acabar e a realidade que nos espera é um sistema político em ruína. Pode ser o marco inicial da reforma.