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sábado, 20 de agosto de 2022

Bolsonaro e o youtuber: como atacar um líder democraticamente eleito se tornou sinônimo de defender a democracia

Vozes - Bruna Frascolla

Sinalização de virtude 

[Detalhe: individuo que atacou o presidente era um 'famoso' anônimo =  ao atacar o presidente cometeu um ato em defesa da democracia e conseguiu se tornar conhecido - atacar Bolsonaro é além de forma de sair do anonimato, caminho para disputar ser candidato por partido de esquerda.]

Vídeo mostra o momento em que o youtuber se aproxima de Bolsonaro, na quinta-feira (18)| Foto: Reprodução/G1

Um youtuber ultrapassou a segurança e promoveu um barraco no Palácio da Alvorada. Com celular em riste, filmou a si próprio chamando o presidente de tchutchuca do Centrão, de vagabundo etc. e dizendo que ele não tinha coragem de conversar consigo. O primeiro destes xingamentos foi cunhado por Zeca Dirceu e, depois, requentado por André Marinho. Foi assim: em 2019, durante uma audiência pública com Paulo Guedes sobre a reforma da previdência, o filho de Zé Dirceu, deputado federal pelo Paraná, disse ao ministro que ele tinha “uma obrigação conosco, e com o povo brasileiro”, de responder a suas perguntas “muito objetivas” por cumprir “uma função pública”. 
Eis um dos “questionamentos”: “O senhor é tigrão quando é com os aposentados, com os idosos, com os portadores de necessidades. O senhor é tigrão quando é com os agricultores, os professores. Mas é tchutchuca quando mexe com a turma mais privilegiada do nosso país.”    E seguiu com um sermãozinho, dizendo que Guedes tinha que pedir desculpas, até ser interrompido pelo ancião, que esbravejou: “Eu não vim aqui para ser desrespeitado, não. Tchutchuca é a mãe, é a avó, respeita as pessoas. Isso é ofensa. Eu respeito quem me respeita. Se você não me respeita, não merece meu respeito.”
 
De minha parte, acho difícil pensar em postura mais antipática do que a de Zeca Dirceu nesse episódio
Seria bom que fosse o símbolo de uma fase do Brasil deixada para trás, junto com o petismo: uma fase em que os arrogantes, do alto de sua enorme importância autoatribuída, se sentiam no direito de pisar e desrespeitar qualquer autoridade que lhes fosse contrária.

A escalada da arrogância

Mas, ao que parece, era uma percepção subjetiva minha – ou, ao menos, uma percepção comum na população geral, porém incomum entre os letrados. Pois não demorou muito para que André Marinho, que não era nenhum petista e cujo pai é suplente de Flávio Bolsonaro no Senado, achasse muito boa a ideia de usar a dicotomia tchutchuca/tigrão para ofender um ancião: em entrevista com Bolsonaro, chamou-o de tchutchuca com o STF e tigrão com humorista (o próprio Marinho). Senti a mesma aversão que o petista me causou, mas a bolha antipetista achou bonito.
 
Entre o episódio de 2019 protagonizado por Zeca Dirceu e o de 2021, protagonizado por Marinho, perdeu-se algo: Paulo Guedes devia explicações ao deputado por ele alegadamente falar em nome do povo brasileiro o que é inflar muito a sua condição de representante petista dos paranaenses, mas ao menos ele de fato foi eleito por uma diminuta parcela do povo brasileiro para representá-la. 
Com André Marinho, a coisa evoluiu: ele se investe como Voz da Razão ou coisa do gênero. Na precária condição de comediante que diz “verdades incômodas" sem decoro, acreditava que Bolsonaro deveria dar a ele o mesmo tratamento que dado ao STF, que é o tigrão de todos nós.

Veja Também:  “Gado demais”: quem quiser envenenar uma sociedade terá mais chances se envenenar as mulheres

Democracias não existem sem que o povo tenha liberdade para proibir

O youtuber segue na mesma linha de André Marinho e repete as acusações usuais feitas por aqueles ex-bolsonaristas que se pretendem ideologicamente puros: Bolsonaro se aliou ao Centrão; Bolsonaro acabou com a Lava Jato etc. Depois se descobre que o próprio youtuber se filiou ao União Brasil, um partido do Centrão por excelência, para tentar sair candidato a deputado federal nesta eleição e defender os interesses dos militares. Em outras palavras, ele tentou seguir o mesmo percurso que Bolsonaro, falhou, e se pôs de palmatória do mundo. Investido por qual autoridade, mesmo?

Ora, a dos incapazes de fracassar.
Sem fazer nada, não se fracassa


Já expliquei a minha teoria de que a mania da sinalização de virtude era uma doença de nichos letrados de esquerda que se alastrou, durante a pandemia, para nichos letrados antipetistas (que se tornaram ao mesmo tempo antibolsonaristas, sem serem pró-nada).  

Também creio que essa compulsão é um sintoma de vida vazia, na qual as pessoas perderam a capacidade de entender o que é ser bom e passaram a trabalhar com uma dicotomia maniqueísta para dar sentido à vida. Essa gente descobre o que é preciso fazer para estar no time dos bons contra os maus e logo se adéqua. O jogo só é possível com um papel de vilão bem definido, porque, como não têm luz própria, precisam de maus para parecerem bons. Todo o jogo acontece só com a garganta (ou os dedos). Ninguém faz nada de útil; só sinaliza virtude.

Vamos às acusações corriqueiras feitas a Bolsonaro. Todo o mundo que esteja minimamente interessado em resolver problemas sabe que as verbas de gabinete são um convite à corrupção miúda (bem diferente da do Mensalão); que o sistema partidário e eleitoral é todo atravancado; que não é possível governar sem os votos do Centrão. Quem quiser posar de puro ficará sem partido, e, portanto, como não é possível haver candidaturas avulsas, sequer ingressará na vida política. Restará ficar no banco de reservas da vida política, só palpitando.

Na esquerda, ouvíamos a mesma cantilena na boca da intelectualidade durante os governos petistas: o militante do obscuro PSTU, sim, era esquerda de verdade e defendia o proletariado. 
Lula e Dilma tinham se dobrado ao Congresso, que é conservador, homofóbico, machista etc. Ao que os governistas retrucavam: é claro que “se dobraram” ao Congresso.  
Como governar sem ele? Dando um golpe? Repetindo o Mensalão? Hoje a mesma cantilena é repetida por autodeclarados conservadores, trocando-se a palavra “Congresso” por “Centrão”.

O jeito mais fácil de não ser criticado é não fazer nada. Tanto o militante do PSTU quanto o youtuber conservador-de-verdade poderão acalentar a ideia de que, se o mundo fosse justo e reconhecesse seus dotes, aí sim eles fariam tudo muito melhor.

A encarnação da fantasia

No entanto, existe uma figura política nos dias de hoje com o qual esses tipos folgados podem se identificar. Quem não tem filiação partidária, não se sujeita à opinião do populacho, nem precisa de Congresso para fazer valer a sua vontade?  
Quem pode se gabar de prescindir de popularidade, mas mandar mesmo assim? Os ministros do Supremo Tribunal Federal. Podemos dizer que eles encarnam a fantasia do sinalizador de virtude metido a intelectual.[dentro de limites, já que apesar de não serem eleitos - podem ignorar o eleitor - precisam ser indicados por alguém, por isso precisam ser vistos e bem vistos = ainda que por um único eleitor = o indicador.]
 
E que essa mania tenha se alastrado, a própria reação da imprensa e dos letrados ajuda a evidenciar. Quando um moleque arrogante xinga a autoridade eleita por milhões de brasileiros, isso não é tratado como crime de desacato sequer pelo presidente, que ao cabo se dedicou a responder ao youtuber. 
Por outro lado, sabemos muito bem que tal coisa jamais aconteceria a um ministro do Supremo, já que eles, sim, podem botar quem quiserem na cadeia, a despeito do que diga a lei. Lewandowski nem é dos piores; no entanto, para compará-lo a Bolsonaro, lembremos como ele agira quando um passageiro de avião sacara o celular e lhe dissera – sem o xingar pessoalmente – que o STF o envergonha. O passageiro foi detido. O episódio ocorreu em 2018, antes de o Inquérito do Fim do Mundo desencorajar críticas.
 
Sabemos ainda que toda expressão de reprovação aos ministros do STF é prontamente recebida como um “ataque à democracia e às instituições”. 
Não obstante, os ataques reiterados à pessoa de Bolsonaroataques que incluem uma facada não são considerados ataques à democracia
Muito pelo contrário: atacar o líder democraticamente eleito que segue popular, capaz de mobilizar multidões nas ruas, é considerado requisito necessário para entrar no chique clube dos verdadeiros defensores da democracia.

Os letrados estão loucos. Mas não é de surpreender; afinal, era mesmo de se esperar que a clausura em panelinhas causasse a perda de noção da realidade. E quanto à incoerência lógica, dá para mascará-la com um discurso enlatado pró criminalização de fake news ou anti-populismo.

Se há povo, eles são contra. É preciso colocá-lo no lugar de vilão para eles, que não têm substância, se sentirem superiores.


Bruna Frascolla, colunista - Gazeta do Povo - VOZES


terça-feira, 31 de março de 2020

O tsunami - Nas entrelinhas

“Mesmo que a pandemia avance, Bolsonaro mantém litígio com governadores, prefeitos e autoridades de saúde, que defendem a permanência de Mandetta”

A epidemia de coronavírus é um tsunami invisível que varre o mundo. No momento, seu epicentro é Nova York, nos Estados Unidos, o que obrigou o presidente Donald Trump a mudar completamente o discurso no domingo, quando pediu para a população ficar em casa até 30 de abril. Trump vinha defendendo o afrouxamento das medidas de isolamento e chegou a declarar no sábado que uma quarentena não seria necessária em Nova York, New Jersey e Connecticut. Mudou de ideia no dia seguinte, quando admitiu que o pico da epidemia será daqui a 15 dias. Já são mais de 2 mil mortos e mais de 100 mil casos confirmados, segundo levantamento da Universidade Johns Hopkins, na economia mais poderosa do mundo. O sistema de saúde de Nova York está à beira do colapso.

Ao contrário de Trump, aqui, no Brasil, o presidente Jair Bolsonaro aproveitou o domingo para contestar a política de isolamento social e deu um rolé pelo comércio do Sudoeste, de Ceilândia e de Taguatinga, defendendo que as pessoas precisam trabalhar para sobreviver. Depois do périplo, devidamente registrado no Twitter — que apagou duas de suas postagens por colidirem com a orientação das autoridades de saúde pública —, Bolsonaro disse que era preciso enfrentar a situação como homem e não como moleque, porque as pessoas um dia vão mesmo morrer. Não se sabe a quem ele se referia, mas o fato é que desautorizou a orientação do seu ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, o que aumentou as especulações de que ele seria demitido.
Nas Entrelinhas - CB
Não foi o que aconteceu, porém, apesar de Mandetta estar visivelmente constrangido na entrevista coletiva concedida no final da tarde de ontem pelo comitê de crise do Palácio do Planalto, que coordena as ações do governo contra a epidemia, sob comando do ministro-chefe da Casa Civil, general Walter Souza Braga Netto. Quando Mandetta foi indagado pelos jornalistas sobre as divergências com Bolsonaro e se sairia do governo, foi interrompido por Braga Netto, que matou a pergunta no peito e respondeu: “Está fora de cogitação”, “Não existe essa ideia”. Também participaram da entrevista os ministros Tarcísio Gomes (Infraestrutura), Onyx Lorenzoni (Cidadania) e André Mendonça (Advocacia Geral da União), além de um representante do Ministério da Defesa.

[a mudança do formato das entrevistas diárias foi uma medida excelente e permite conter os arroubos do ministro da Saúde.
Quanto ao comentário do presidente Bolsonaro afirmando: 'porque as pessoas um dia vão mesmo morrer', se trata de uma verdade e falar a verdade as vezes magoa, aborrece, mas não é crime.

A OMS não tem primado pelo acerto de suas manifestações - no inicio da crise chegou a prever uma vacina para breve e nada de concreto até agora. É mais um cabide de empregos estilo ONU - esta, nada faz contra a mortandade perpetrada na Síria.
O impeachment do presidente da República, Jair Bolsonaro, é um sonho - e sonhar, por enquanto, não custa nada.]

Na sua entrevista, Mandetta desconversou sobre o assunto e reiterou que a orientação do Ministério é focada no combate à epidemia, em termos técnicos e científicos. Justificou a decisão de mudar o formato das avaliaçoes diárias, que agora serão feitas por todos os ministros, não sob seu comando, mas o de Braga Netto, com o argumento de que a pandemia transbordou a esfera de sua pasta e exige engajamento de todo o governo, o que é verdadeiro. Bolsonaro vem defendendo o relaxamento das medidas de isolamento adotadas nos estados e a retomada da atividade econômica, com a reabertura do comércio e volta dos estudantes às escolas. As recomendações de especialistas, da Organização Mundial de Saúde (OMS) e do próprio Mandetta são de que o isolamento é necessário para evitar a expansão da pandemia.

Tensões
Ontem, o diretor executivo da Organização Mundial de Saúde (OMS), Michael Ryan, fez nova advertência quanto à expansão da pandemia. Disse que o coronavírus ultrapassou as ruas e está sendo levada para “dentro das famílias”, o que reforça a necessidade de isolamento social, sobretudo onde há transmissão comunitária e faltam testes, como é o caso do Brasil. “O ideal é que a quarentena ocorra em um lugar que não seja a casa [do infectado], porque esse doente pode infectar sua família. Mas isso não é sempre possível”, disse. No Brasil, já houve 159 mortes, com 4.579 casos confirmados, uma taxa de letalidade de 3,5%. A epidemia ainda está concentrada no Sudeste, com 2.507 casos, 55% do total. São Paulo é o epicentro, com 1.451 casos. O aumento do número de mortos de ontem para hoje no estado foi de 17%, sendo 7,9% o de casos.


Mesmo que a pandemia avance, Bolsonaro mantém seu litígio aberto com os governadores, prefeitos e autoridades de saúde pública, que defendem a permanência de Mandetta no cargo. O ex-ministro da Cidadania Osmar Terra(MDB-RS), que é deputado federal e médico, se movimenta para substituir Mandetta e faz coro com as teses de Bolsonaro. As relações de Mandetta com Bolsonaro vão de mal a pior e somente não houve uma ruptura porque o ministro já avisou que não pede demissão. Demiti-lo agora seria a implosão da equipe de sanitaristas do ministério e uma porta aberta para a articulação do impeachment do Bolsonaro, por crimes de responsabilidade. O Congresso está fazendo seu dever de casa, mas cobra um comportamento mais responsável do presidente da República.

Ontem, o Senado aprovou o chamado “corona voucher”, a ajuda de R$ 600,00 para os trabalhadores informais sem atividade, que se soma ao pacote de medidas econômicas anunciadas pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. É fundamental para garantir uma renda básica aos que ficaram sem nenhuma outra fonte e evitar uma situação de caos social. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, articula a aprovação do que está sendo chamado de “orçamento de guerra”, as medidas necessárias para o país atravessar a pandemia sem um cenário de tragédia social e reativar a economia logo depois. De certa forma, o foco na pandemia e nessas medidas econômicas é um elemento estabilizador do processo, em meio às tensões criadas por Bolsonaro, que ameaçam transformar a pandemia num tsunami político.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - Correio Braziliense