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sexta-feira, 19 de novembro de 2021

A zona de conforto e a gasolina - Alon Feuerwerker

Análise Política

Um aspecto menos abordado da influência das redes sociais é os políticos terem podido entrar numa zona de conforto. Manifestam-se sem muita possibilidade de questionamento, e suas manifestações são distribuídas em geral a seco pelos veículos. Pois estes precisam informar, e não podem se dar ao luxo de ignorar o que é dito por quem está no poder, ou quer estar.

No passado, para aparecer, o político precisava expor-se. Isso ainda não foi neutralizado de todo, mas ficou mais administrável. Claro que com a hegemonia das redes no debate público vem junto a possibilidade cada vez maior de políticos serem alvo de críticas. Mas há aí dois pontos. Os críticos e as suas críticas costumam trafegar preferencialmente dentro de bolhas. E “crítica” é muito diferente de “questionamento”.

Perguntas podem causar bem mais dano que afirmações.

Uma consequência do novo ecossistema é anabolizar o domínio dos políticos sobre a agenda. Eles tuítam alguma coisa, aí o tuíte é distribuído e passa-se à repercussão. Se políticos não precisam responder perguntas incômodas, o debate público tende a orbitar em torno de polêmicas criadas em laboratório. Arranca-rabos geneticamente modificados para causar o menor dano possível ao “projeto”.

E por falar em agenda, dois ensaios brilham por estes dias: se Geraldo Alckmin vai ser o vice de Luiz Inácio Lula da Silva e se Jair Bolsonaro vai ou não para o Partido Liberal (PL). Temas relevantes, mas talvez o distinto público esteja mais interessado em outros, que mais diretamente afetam a sobrevivência. Um: que medida concreta o eleito adotará para baixar o preço dos combustíveis? [um palpite: considerando que o preço dos combustíveis está atrelado ao mercado internacional (área em que nem o Supremo,  que costuma agir como quem pode tudo, ousa interferir) e a cotação do dólar não funciona por decreto, o presidente eleito, melhor dizendo, reeleito, NADA PODERÁ FAZER.]

O que será que os nossos presidenciáveis pensam a respeito?

Aguardam-se respostas concretas. Sem rolando lero. E o assunto abre muitas possibilidades. Como baratear os combustíveis fósseis ao mesmo tempo que, para salvar o planeta, assume-se o compromisso de reduzir a produção e o consumo de combustíveis fósseis? Como desatar o nó sem revogar a lei da oferta e da demanda?

Esse debate traz naturalmente a discussão sobre a Petrobras. A ideia de privatizar a estatal encontra estrada bem mais livre para trafegar do que no passado. Tem o efeito Lava Jato. E tem o efeito “deixa os preços flutuar”. Em geral para cima. Mas ninguém explicou ainda como e por que transformar o monopólio estatal em monopólio ou oligopólio privado melhoraria a vida do consumidor. 
Tampouco se explica como seria possível criar um ambiente de concorrência no ramo.
A privatização por enquanto, apesar de todo o buzz, é só uma miragem. A vida real exige dar prioridade aos problemas imediatos. As primeiras coisas primeiro, diz o ditado anglo-saxão. 
 
Como controlar o preço dos combustíveis em regime de monopólio da Petrobras sem ferir os direitos dos acionistas minoritários? 
Então, além de pensar em privatizar, não seria o caso de colocar na mesa a possibilidade de fechar o capital da empresa?

São algumas perguntas à espera de uma oportunidade de serem feitas. E talvez respondidas.

(Publicado na revista Veja de 24 de novembro de 2023, edição nº 2.765)

Leia também:O estupro da memória (Folha de S.Paulo, 16/11/2021)

Alon Feuerwerker, jornalista e analista político 

 

domingo, 15 de setembro de 2019

Pense um pouco - J R Guzzo

Blog Fatos - Veja

Para onde estamos indo, com base nos fatos que se podem verificar hoje?



Previsões sobre o que vai acontecer amanhã sempre ficam melhores quando são feitas depois de amanhã. O que temos na vida real é o hoje, só isso — e o grande problema é chegar a alguma conclusão coerente sobre o que está realmente acontecendo hoje. Há uma sugestão honesta para resolver isso; infelizmente, ela dá trabalho, exige esforço mental e não pode ser encontrada no Google. Como não há o mais remoto acordo sobre o dia de hoje — as coisas estão melhores que ontem, ou nunca estiveram tão horríveis? —, a única ferramenta disponível para ter alguma ideia decente das coisas é pensar. E pensar, como se sabe, é uma das atividades humanas mais odiadas neste país, sobretudo por aqueles que imaginam saber o que estão falando.

No caso, pensar significa olhar com um pouco mais de atenção para onde o Brasil está indo. No fundo, é isso o que importa. O país vai estar melhor daqui a três anos? Depende das decisões que estão sendo tomadas agora. Se você está construindo a cada dia 1 quilômetro de estrada, por exemplo, daqui a 100 dias terá 100 quilômetros de estrada construídos. Não pode ser de outro jeito. Há uma única coisa que importa nisso: se aquele 1 quilômetro por dia está sendo construído mesmo. Se estiver, a realidade do país estará sendo mudada para melhor. Se não estiver, a realidade continuará a mesma. O resto é conversa inútil de sociólogo-politólogo-­intelectuólogo. E então: para onde estamos indo, com base nos fatos que se podem verificar hoje?

É certo, para começar, que há oito meses não se rouba por atacado no governo federal, coisa que jamais ocorreu, na memória de qualquer brasileiro vivo. Não há a mais remota denúncia de nada de errado por aí, apesar da vontade imensa dos adversários do governo de denunciar tudo. Pode haver daqui a meia hora — mas por enquanto não houve. É bobagem ignorar isso, ou achar que não faz diferença — é claro que faz uma tremenda diferença. Também não há dúvida sobre uma realidade raramente mencionada: o ministro da Economia é Paulo Guedes, e Paulo Guedes é o primeiro capitalista de verdade a chefiar a economia brasileira desde Roberto Campos, há mais de cinquenta anos. Guedes é artigo genuíno: não tem compromisso nenhum com a “economia de Estado” e a sua burocracia estúpida, sabe que não pode haver progresso duradouro no Brasil sem o máximo de liberdade econômica e está convencido de que a única função útil de um governo neste mundo é tornar mais cômoda a vida das pessoas. É igualmente óbvio que isso vai mudar o país nos próximos três anos.

É um fato que haverá uma reforma tributária — e, qualquer que ela seja, as coisas não vão ficar como estão, nem a situação atual dos impostos no Brasil vai piorar, pois isso é praticamente uma impossibilidade científica. Não há nenhum motivo concreto para alguém acreditar que o Brasil passará os próximos anos sem fazer privatizações, como passou os treze anos da era Lula-Dilma. Também é uma realidade concreta que não falta capital para ser investido no processo brasileiro de privatização já em andamento: estima-se que existam no exterior, neste momento, entre 15 trilhões e 17 trilhões de dólares aplicados a juros negativos. É possível que nenhum centavo venha para cá? Possível é — mas aí seria preciso demonstrar qual a lógica de uma coisa dessas. Também não há falta do que privatizar. O governo brasileiro é o maior proprietário de imóveis do mundo; boa parte do que tem pode ir para o mercado. O Brasil tem 72 000 torres de telefonia; a China tem 1 milhão. 

A razão sugere que há alguma coisa a fazer nessa área — ou em saneamento, já que 100 milhões de brasileiros não dispõem hoje de esgotos, por falta de investimento.  A Petrobras tem 12 000 funcionários a menos do que no fim do governo Dilma; mais 10 000 serão dispensados no futuro próximo, e a empresa estará enfim preparada para a privatização depois de já ter vendido, sem barulho algum, sua distribuidora BR e suas operações de gás, e posto à venda oito de suas refinarias. Um dos resultados disso, pela lógica, será a redução geral dos custos da energia no país. Por causa do monopólio estatal, o preço do metro cúbico de gás no Brasil é de 12 dólares, em comparação com 7,70 na Europa e 2,80 nos Estados Unidos. Sem Petrobras, sem monopólio e com concorrência, por que essa aberração iria continuar? Houve uma queda superior a 20% no número de homicídios neste primeiro semestre, segundo o site G1.
 


A inflação está perto de zero. Os juros são os mais baixos dos últimos trinta anos. A construção cresce.

 
São fatos. Pense neles, para pensar no amanhã.

quarta-feira, 15 de maio de 2019

"Os obstáculos que Bolsonaro vai enfrentar para privatizar os Correios"


O anúncio do presidente Jair Bolsonaro de que foi iniciado um estudo sobre a privatização dos Correios abriu caminho para mais um tópico que, assim como a reforma da Previdência e outras medidas de grande impacto no campo econômico, deverá gerar longos embates entre governo e oposição e também motivar ruídos no campo bolsonarista.  Também tende a ser mais uma prova sobre o verdadeiro caráter liberal do governo Bolsonaro, viés que é personificado pelo ministro Paulo Guedes (Economia) e atacado, em algumas ocasiões, pelo próprio presidente da República.

Além disso, o debate também esbarrará no universo judicial, já que tem ligação com uma contenda instalada no Supremo Tribunal Federal (STF) no ano passado e ainda não resolvida.

Tema divide Congresso da mesma forma que a reforma da Previdência
No Congresso Nacional, ao menos em um momento inicial, a discussão sobre a privatização dos Correios deve dividir a casa do mesmo modo do que faz a reforma da Previdência: parlamentares de siglas como PT e PSOL se posicionarão de modo contrário, enquanto a base aliada do governo Bolsonaro e deputados e senadores do campo liberal militarão a favor.

O PT comanda a Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Correios, com o deputado federal Leonardo Monteiro (MG). O grupo, que reúne 210 deputados federais e três senadores, tem no combate à privatização uma das suas principais agendas. “Vamos continuar trabalhando na Frente pelo diálogo, em defesa da estatal e seus trabalhadores e na construção de alternativas por um Correios público e de qualidade”, afirmou Monteiro, no ato de lançamento da frente.

Também como no caso da reforma da Previdência, em que a atuação de grupos de servidores públicos se mostra como uma das maiores forças contrárias, os funcionários dos Correios prometem intensificar a luta contra uma eventual privatização. Os sindicatos da categoria já iniciaram mobilização sobre o tema e, no próximo mês, estudam deflagrar uma greve.  Um dos atos previstos para a articulação dos funcionários é o diálogo com clientes dos Correios, tanto nas lojas da empresa quanto na entrega de cartas e encomendas, como explicou a presidente da regional do Distrito Federal da Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Correios e Telégrafos e Similares (Fentect), Amanda Corsino. “Nós queremos mostrar à população que a privatização dos Correios será um problema não apenas para os funcionários da empresa, e sim para o país como um todo”, apontou Corsino. 
Segundo ela, os principais efeitos negativos que uma eventual privatização traria seria o encarecimento dos produtos e uma diminuição de serviços em localidades mais remotas – hoje os Correios estão presentes em todos os municípios do país.

Na mão oposta, o Partido Novo deve figurar entre os defensores da venda da estatal. A sigla tem agenda privatizante e a venda de empresas públicas figurou entre as principais propostas do presidenciável do Novo em 2018, João Amoêdo.  A deputada federal Adriana Ventura (Novo-SP) relata que um dos motivos que a leva a considerar como positiva uma eventual venda dos Correios está nos casos de corrupção que atingiram a estatal nos últimos anos. O mensalão, principal controvérsia do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tornou-se público após o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB) se sentir acuado por acusações que pairavam sobre um diretor da estatal, indicado sob sua influência.

Ventura aponta, entretanto, que a privatização isolada dos Correios não resolverá os problemas relacionados à estatal. Para a deputada, a abertura do mercado é uma etapa essencial: “O que nós devemos evitar é sair de um monopólio estatal para cair em um monopólio público”, diz. A parlamentar também afirma que a questão da prestação de serviços em cidades menores poderia ser resolvida com a adoção de modelos híbridos da atuação dos Correios, que eventualmente poderiam manter uma fração sob comando estatal.

Em relação à expectativa para a discussão da privatização no Congresso, a deputada disse se preocupar com a atuação de grupos que deteriam interesses “não republicanos” no momento de se contrariar à proposta. “Vão dizer que quem vai pagar a conta é o mais pobre, que alguns específicos vão enriquecer com isso. Não há problema em alguém enriquecer. O problema é se manter uma situação em que todos pagam a conta, especialmente os mais pobres”, disse.

Como no passado
Se a intenção do governo de privatizar os Correios for mesmo levada à frente, o Congresso poderá ter um ambiente semelhante ao vivido durante a gestão de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), quando estatais de grande porte, como Vale e Telebras, foram privatizadas.  À época, a oposição – capitaneada pelo PT – também promoveu mobilizações de grande expressão e pautou o argumento de que as operações prejudicariam a população pobre. O governo, entretanto, triunfou e conseguiu executar a agenda.

O deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP), que durante o governo de Fernando Henrique Cardoso integrava o PT, identifica semelhanças entre as iniciativas das gestões distintas. "Tanto naquela época quanto hoje, existe um discurso de tentar emplacar a ideia de que as estatais não funcionam, de que elas só trazem prejuízos ao Brasil. Isso não é verdade. Nós tínhamos uma empresa de telefonia que produzia tecnologia de ponta. Hoje os Correios são uma empresa admirada. O plano do governo, com isso e com a reforma da Previdência, é tentar vender confiança para o mercado internacional”, aponta.

Fogo amigo
À parte os opositores, o governo terá que superar barreiras internas para levar adiante o projeto de vender os Correios.  São obstáculos tanto de ordem técnica como também na esfera política. Os problemas na execução são materializados pela dificuldade que, até o momento, o governo tem tido na tentativa de realizar privatizações. A meta de se arrecadar R$ 20 bilhões com a venda de estatais em 2019 se mostra cada vez mais distante. E as negociações que já estão em curso são, principalmente, projetos iniciados pela gestão de Michel Temer.

Outro empecilho vem por parte do ministro Marcos Pontes, titular da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações. Ele declarou que não gostaria de ver privatizadas as empresas que estão sob sua alçada – como os Correios. No último dia 21, o presidente da estatal, General Juarez Cunha, escreveu em seu perfil no Twitter uma declaração que também sugere, no mínimo, cautela na ideia de se privatizar a empresa: “Sobre privatização, o Ministro Marcos Pontes defende que a decisão deve ser baseada em fatos, números e um plano de negócios bem estruturado, que leve em conta as necessidades estratégicas do País, o retorno para o governo e principalmente a garantia dos direitos dos servidores”.

Líder do PSL na Câmara, o deputado federal Delegado Waldir (GO) minimiza os obstáculos internos. Segundo ele, o debate sobre privatizações foi colocado por Bolsonaro durante o período eleitoral e, portanto, o tema foi referendado pela população. “Nosso ministro [Paulo Guedes] é privatista, as pessoas nos locais estratégicos também são, têm a mesma visão. Esse projeto está implícito dentro das ações que vínhamos divulgando quando ganhamos a Presidência”, apontou. O deputado também acredita que a percepção popular sobre o tema está se modificando. “O povo está cada vez mais ciente de que o governo precisa fazer caixa, que é necessário reduzir o tamanho do Estado para se investir no que é essencial”, declarou.

Na Justiça
Ainda será necessário que o governo acompanhe uma decisão do STF para executar a venda dos Correios.  No ano passado, a Corte abriu um debate sobre a necessidade de o Planalto ouvir o Congresso para empreender uma privatização. A discussão se iniciou após a gestão de Michel Temer decidir vender refinarias da Petrobras sem consultar o Legislativo.

A federação de funcionários da Caixa Econômica Federal (Fenafe) acionou o STF questionando o procedimento e o ministro Ricardo Lewandowski emitiu, em junho, uma liminar impedindo a comercialização das refinarias. "O tema deverá ser apreciado pela totalidade dos ministros do Supremo, mas ainda não há data para que o julgamento ocorra."
 
Olavo Soares - Gazeta do Povo - PR