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sábado, 27 de novembro de 2021

OS FASCISTAS, TODOS NÓS SABEMOS QUEM SÃO - Pedro Henrique Alves

Sabe o que é mais chato ao mundo político contemporâneo? A divisão ideológica e o avanço político sobre a vida comum; hoje não conseguimos mais nem comprar uma lata de leite condensado sem nos lembrarmos de Brasília ou das redações soviéticas que imperam em nosso mainstream. Semana passada, após escrever um texto para a Gazeta do Povo, um crítico perguntou-me qual era a minha qualificação para criticar Atila “Tamarindo”, o biólogo que clamou por um Autoritarismo necessário”. Vendo que eu não era doutor de nada a não ser em Call of Duty, cuspiu em todo o meu texto e me disse: “nem intelectual esse rapaz é, ignoremos”. Fica o aprendizado; realmente não sabia que era preciso solicitar a permissão do MEC para criticar tiranetes.

Há dois anos eu escolhi ser pai e, após isso, ser intelectual é uma das últimas prioridades em minha vida, depois, por exemplo, de comprar um sofá novo para minha esposa, criar meu filho e enteado, além, é claro, de comprar uma garrafa térmica Stanley Hydration para levar à academia.

As pessoas extrapolam em suas paixões, as turbas exageraram na ânsia de serem progressistas ou conformistas, facilmente se lambuzaram na retórica oportunista de posição ou oposição e acabam, por fim, deitadas de conchinha com suas cartilhas ideológicas. Enquanto isso, os sãos tentam entender a realidade através de seus olhos e não a partir dos diversos “ministérios da verdade” que pululam por aí. É exatamente aqui que começa a “treta”: quando a realidade não se adequa à narrativa oficial da mídia e do mainstream em geral, como num passe de mágica
ou como numa cirurgia de resignação sexual ?, você se torna um fascista oficial sem direito de defesa, um bolsonarista “passador de pano” abjeto, um “trumpista” da Ku Klux Klan e/ou um adorador de Hitler… tudo por tabela, sem demais análises ou debates.

Mas, vem cá, o progressismo consegue sempre ir além, né? Não demora muito e eles dão pinta de suas intenções, suas veias autoritárias saltam mesmo estando atrás de um sorriso sereno de “inclusão” amorosa. Logo eles dobram e guardam suas faces de “Teletubbies social” para assumir aquela feição de Stálin. Em um ano, relembremos, a turba que pede lockdown eterno conseguiu defender, justificar e aplaudir tudo aquilo que é danoso a uma sociedade sadia. Atualmente o progressismo sobrevive sob dois adjetivos determinantes: mediocridade moral e disposição tirânica. Da censura a conservadores, inquéritos de exceção contra jornalistas que não integram o mainstream tradicional, prisões de transeuntes em praças, restaurantes e praias, ao clamor por uma “ditadura necessária”, o pessoal que ama a humanidade conseguiu criar um sistema despótico de submissão àqueles que não concordavam com eles… tudo isso em meio a uma pandemia global. Olha, de certa maneira, é de admirar…

Se você guarda aquela mínima visão independente perante a realidade, não há como não perceber quem são aqueles que mais se afastam de uma visão liberal de existência social; já não está mais disfarçado quem são os que mais ameaçam a democracia ocidental. Pensem o seguinte, visualizando todo o panorama político atual: se homens como Adam Smith, Alexis de Tocqueville, Ludwig von Mises, Friedrich von Hayek, etc., se todos ainda vivessem, estariam mais assustados com Trump no poder ou com Biden? Se todos se encontrassem numa taverna qualquer nesse instante, eles estariam fortemente preocupados com a inclusão de transexuais nos esportes olímpicos, com a cor de pele de qualquer assistente do governo a fim de agradar o Black Lives Matter, ou com a censura descarada do Twitter aos que pensam diferente do establishment?

O pêndulo da liberdade e da dignidade individual que outrora Voltaire e Burke, apesar das premissas e ideias diferentes, defenderam e se ombrearam no intento de resguardar a todo custo, parece agora girar em seu eixo e parar na posição extremista de libertinagem no despotismo. Tem até “novos liberais” endossando essa velha cartilha despótica. Acreditam?  Nossa era parece aceitar com extrema parcimônia a ideia de que haja Big Tech’s que tenham, a um click de seus teclados, o poder de emudecer milhões de pessoas que não se adequam ou concordam com suas posições partidárias ou diretrizes ideológicas.

Como cético que sou, sempre estou pronto para que o feijão azede um pouco mais. A jornalista Maria Laura Assis denunciou que no estado de Formosa, na Argentina, há verdadeiros “campos de concentração” para infectados e suspeitos-de-estarem-infectados pelo coronavírus. Uma bizarrice que beira a sátira de South Park. Porém, é real. Pesquisando mais a fundo, não foi nada difícil encontrar vídeos, imagens e até coberturas jornalísticas de mídias mais independentes daquele país que mostram uma realidade bizarra, macabra, que não só lembra o nazismo, como o copia com certa lealdade.

No melhor estilo soviético denunciado por Alexander Soljenítsin em Arquipélago Gulag, as dezenas de denunciantes desse absurdo afirmam que os policiais argentinos invadiram as suas casas dizendo que os indivíduos e suas famílias teriam que acompanhá-los para os campos de isolamento forçado pois, ou estavam infectados, ou tiveram contato com infectados. Aqueles que se negam a ir por bem são levados à força.

Calma, tem como azedar mais. O canal argentino identificado com as letras “TN” entrevistou uma mãe, Monica, que foi presa nesse campo com sua filha de 4 anos. Isso mesmo, 4 anos. Ela relata o terror do confinamento, estando os campos em espaços ermos, os supostos médicos apenas mediam suas temperaturas e nada mais, sem se deixarem identificar de modo algum. As denúncias chegam ao patamar do absurdo quando se nota a precariedade dos locais; banheiros sujos, pessoas deitadas em colchões podres, ratos, cobras, janelas gradeadas.

Se um desavisado começar a leitura do parágrafo acima, poderia facilmente deduzir que estamos falando da Alemanha nazista e não da Argentina socialista de Alberto Fernández.

Na Saxôniarelatos da imprensa local acenam para a possibilidade de criar espaços para isolar à força infectados que se recusam a seguir a quarentena; isso, a meu ver, é errado em todo o mundo, mas na Alemanha soa ainda pior. E não, não estou “passando pano” para Bolsonaro ao dizer tudo isso; eu pouco me importo com governos, na realidade. Importo-me mais com a minha biblioteca e meu gato do que com Bolsonaro; ou até mesmo com a sua opinião sobre mim, ou com o sexo frágil de Fiuk e a militância da “Carol com K”.

Você pode estar de nariz torcido nesse instante, pensando: “por que estou lendo um texto desse?” Tá bom, já vou finalizar; mas antes entremos num campo da completa sinceridade. Fechamos este pacto aqui, sem ninguém ver.

Depois de um bom banho, no final de um dia estressante de trabalho, sentado na poltrona mais gostosa de sua casa, com um jazz de fundo e uma taça de vinho na mão, ali é, enfim, permitido sermos sinceros de verdade ante à realidade. Ninguém nos vê, ninguém nos escuta. Não precisamos mais fazer média para os grupos a que pertencemos; não precisamos nos portar galantes na frente da moça ou rapaz com que flertamos, e nem fingir que nos importamos com qualquer inclusão social ou com as girafas da Amazônia.

Ali, na poltrona da franqueza, está liberado falar e pensar asneiras ridículas, xingar a mãe, a ex e o Papa, podemos até assistir ao BBB para depois dizer que quem assiste é idiota útil. Ninguém julgará. Naquela poltrona, vertidos na sinceridade de um estado de natureza, afastados dos compromissos sociais, ideológicos e das amarras psicológicas, podemos então admitir o que todos nós sabemos: não são os ditos “conservadores” as reais ameaças às liberdades no Brasil e no Mundo. Não são os tios do zap os fascistas, nem o agora aleijado Oswaldo Eustáquio. O Tião e a Neide, o Joaquim e Chica, que compartilham vídeos do Bolsonaro levantando a lata de Leite Moça, não estão mancomunados numa rede subalterna de neonazistas de Jacareí ou de Osasco, definitivamente não estão programando um atentado a bomba aos sacrossantos juízes do STF.

Isso é narrativa midiática vadia, nós sabemos, todos sabemos; esse fascismo apregoado nos conservadores brasileiros é mentiroso. Hoje a ameaça ao modelo liberal de vida, duramente construído e maturado no Ocidente, é só uma: o progressismo. É ele que clama por um “autoritarismo necessário”, um fascismo de arco-íris e pôneis transexuais, uma ditadura psicopata pintada de marshmallows rosa. Podem me xingar nos comentários; me escrachem nos grupelhos de lacração; mas nós sabemos.

Artigo publicado originalmente no site do IL em 12/02/2021.

O autor é filósofo, colunista do Instituto Liberal, ensaísta do Jornal Gazeta do Povo e editor na LVM Editora.

 


sábado, 11 de junho de 2016

Rodrigo Janot, o homem que fez Brasília tremer - PGR, sob Janot, pretende ser o Poder dos Poderes?



Ao pedir a prisão da cúpula do PMDB, o procurador-geral da República provoca um terremoto nos meios políticos e jurídicos em Brasília 

Na noite da segunda-feira, dia 6, o ex-presidente José Sarney foi dormir cedo, depois de jantar com a mulher, Marly, e os filhos Fernando e José Sarney Filho, ministro do Meio Ambiente. Sarney queixou-se da situação constrangedora a que estava submetido desde a divulgação das gravações de suas conversas com o ex-­presidente da Transpetro Sérgio Machado. Afinal, dissertara abertamente contra a Operação Lava Jato. Estava especialmente incomodado com suas palavras sobre o ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) César Asfor Rocha. Havia pedido repetidas vezes a seu advogado, o criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, que ligasse para Asfor se desculpando. Sarney se preocupava também com o que Sérgio Machado e seus filhos contaram sobre os negócios dos Sarneys na delação premiada homologada pelo ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal (STF). Sarney soube que Machado relatara repasses a sua filha, a ex-governadora Roseana. Sarney não imaginava, no entanto, que poucas horas depois seu nome e a palavra “prisão” estariam na mesma frase.


No dia seguinte, Sarney soube que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pedira ao Supremo sua prisão domiciliar, com direito a tornozeleira eletrônica. Sarney foi, então, alvo de uma espécie de comoção entre os mais chegados – e os mais oportunistas. A presidente afastada, Dilma Rousseff, ligou primeiro. Na sequência, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva; mais tarde, ligou o presidente interino, Michel Temer. Sarney não estava sozinho no novo constrangimento. Janot pediu a prisão não só dele, como também do presidente do Senado, Renan Calheiros, do senador Romero Jucá e do presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha. Janot enxergou, com base no que disseram quando estavam à vontade com Sérgio Machado, que Sarney, Renan e Jucá tramavam estratégias jurídicas e movimentos no Congresso para driblar a Justiça.


Janot tomara a decisão de enfrentar um grupo de “intocáveis” 15 dias antes. Alinhavou seu pedido ao Supremo com base nas sete horas e 40 minutos de gravações feitas por um Sérgio Machado desesperado para escapar da cadeia. Parte dos conteúdos das gravações, divulgados na semana passada, é conhecida – e não parece dar razões para prisões preventivas, dado que os parlamentares não são flagrados em tentativa de obstruir a Justiça. Provavelmente, é a outra parte que embasa o pedido de Janot. O processo segue em segredo de Justiça.

Na parte conhecida das gravações, embora não haja claramente obstrução criminosa da Justiça – como na delação de Delcídio, em que se detalha um plano de fuga para um delator , os três parlamentares conversam sobre medidas jurídicas que, na prática, dificultariam o andamento das investigações e prisões da Lava Jato. Eles discutem coisas como uma mudança na lei para dificultar a celebração de acordos de delação premiada – o recurso que fulminou o mundo político na Lava Jato. Falam também sobre alterações no modelo dos acordos de leniência – para ajudar as empresas flagradas em corrupção e amigas dos políticos. Há também uma tentativa de mudar, no Congresso, a decisão tomada pelo Supremo em fevereiro, de mandar para a prisão réus condenados a partir da segunda instância – o que possibilitou o encarceramento de vários condenados pela Lava Jato.

Na parte conhecida das gravações, Machado diz, numa conversa com Jucá: “O que acontece é o seguinte, objetivamente falando, o negócio que o Supremo fez, vai todo mundo delatar”. “Exatamente, não vai sobrar um, o Marcelo Odebrecht vai fazer”, afirmou Jucá. Para Machado e Jucá, é o medo de uma condenação rápida à prisão que faz com que os que foram apanhados pela Lava Jato contem o que sabem.

As mudanças que a cúpula do PMDB queria fazer, segundo as conversas, constituem objeto da atenção de vários parlamentares atingidos pela Lava Jato, e vêm sendo discutidas à luz do dia. A alteração na lei para mudar a decisão do Supremo sobre segunda instância – que está na raiz das delações, segundo o raciocínio de Machado e Jucá é tratada em vários projetos legislativos, um deles do deputado federal W.  D., do PT do Rio de Janeiro. Advogado da confiança de Lula, D., também é autor de outro projeto, que proíbe presos de firmar acordos de delação premiada – o benefício só poderia ser usado por investigados em liberdade. As duas mudanças são dos poucos pontos capazes de unir, hoje, PT e PMDB (e também o PP), as turmas de Dilma e Temer que hoje se digladiam publicamente. Mas que estão, igualmente, acossadas pelo envolvimento passado no petrolão.


As duas medidas, inegavelmente, dificultariam o trabalho dos investigadores. Quando Machado e Jucá conversaram, o impeachment de Dilma impedia o andamento dessas matérias. “Não tem um projeto na Câmara?”, pergunta Sérgio Machado na conversa com Romero Jucá. “Tem. Vamos esperar se ele topa. Por que o Eduardo (Cunha) não tá votando nada ali. Os caras paralisaram tudo ali.... aquela guerra”, diz Jucá. Com o encaminhamento da votação do impeachment, os parlamentares viram oportunidade para a ação de mudança de leis.

O movimento de Sarney, Renan e Jucá tem braços em outras áreas. Em paralelo à discussão no Legislativo, um grupo de advogados, liderado por Kakay, escolheu outro caminho, tortuoso, para mudar a tão incômoda decisão do Supremo de permitir a prisão rápida de réus. Kakay, o advogado de Sarney, procurou o nanico Partido Ecológico Nacional (PEN) para que este apresentasse uma ação capaz de reverter a decisão do Supremo.


O PEN tem apenas três deputados federais e a singularidade de ser a única legenda que forma um bloco parlamentar com o gigante PMDB. Na ação, o PEN pede que o Supremo ateste um artigo do Código de Processo Penal, que diz que uma pena condenatória só pode ser cumprida em caso de esgotamento de todos os recursos. A intenção é voltar ao passado, quando réus condenados em segunda instância poderiam adiar a ida à cadeia por anos, com a apresentação de dezenas de recursos ao Supremo e ao STJ. Kakay afirma que pediu ao PEN que assinasse a ação depois de a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) se recusar. “É uma ação humanitária”, afirma Kakay. O presidente nacional do PEN, Adilson Barroso, diz que foi tudo obra do acaso. Técnico em administração, Barroso diz considerar a decisão de prender após a condenação em segunda instância “inconstitucional”, embora afirme não entender de temas constitucionais. A ação do PEN, relatada pelo ministro Marco Aurélio Mello, pode ir a julgamento neste mês.

Ao pedir a prisão da cúpula peemedebista, Rodrigo Janot fez um movimento arriscado, alvo de ressalvas de ministros do Supremo. No gabinete de Teori Zavascki, ministro relator responsável pelo petrolão, o clima era de contrariedade com o procurador-geral, como se a publicidade do caso visasse precipitar a decisão. Na quinta-­feira, dia 9, Janot ligou para Teori. A conversa foi protocolar, nas palavras de interlocutores do magistrado. Janot pediu, então, que Teori levantasse já nesta semana o sigilo de todas as petições encaminhadas no caso. O pedido de levantamento do sigilo foi acertado entre senadores que, no governo Dilma, faziam oposição ao bloco PT- PMDB – do PPS ao PSDB.

A atitude de Janot, inesperada, acelerou a formação de um amplo e pluripartidário consórcio de investigados, aliados e parlamentares ciosos da separação entre os Poderes. O objetivo é blindar os alvos – que podem incluir até parlamentares do PSB, PSDB e DEM. Em momentos assim, o corporativismo dos políticos fala alto. A repercussão deixou Janot apreensivo. Na sexta-­feira, dia 10, ele deu suas primeiras declarações públicas sobre o episódio. Disse não ter “transgressores preferidos”.


O ineditismo da medida de Janot pode ter um efeito bumerangue. Além da reação corporativa dos senadores, da irritação de Teori e de dúvidas sobre a adequação das provas reunidas, a preocupação é que a medida anestesie a Lava Jato no Supremo por um bom período. “O que preocupa Renan é a instabilidade que isso pode causar no Congresso, num momento em que dois chefes de poder estão afastados”, diz um interlocutor do presidente do Senado. Renan não acha que mereceria a misericórdia de Teori, mas está seguro de que, hoje, um pedido de prisão em seu nome não tem chances de ser aprovado no Senado, como aconteceu no caso do petista Delcídio do Amaral. Senadores de 11 partidos, ouvidos por ÉPOCA, concordam. “Hoje não há a menor condição”, diz um senador do PSDB. “Só se houver algum fato novo que torne a permanência do Renan insustentável.” Para os aliados de Michel Temer, a saída do presidente do Senado e de Romero Jucá complicaria o xadrez da votação do impeachment, colocando ainda mais pressão sobre o governo. “Dois potenciais votos a favor do impeachment estariam perdidos”, diz um aliado. Na PGR, a convicção é grande de que há elementos descritivos e probatórios suficientes para embasar as medidas cautelares requisitadas. O que Janot tem nas mãos é mais do que já foi divulgado e a expectativa do que ele pode saber  a mais deixa o mundo político numa dolorosa expectativa.


Fonte: Revista Época