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quinta-feira, 26 de outubro de 2023

“Eu ganho, você perde”: a matemática moral de Luís Roberto Barroso - Flávio Gordon

Gazeta do Povo - VOZES
 

 Aborto

A despeito das proporções que esses crimes finalmente atingiram, ficou evidente que eles partiram de pequenos começos. 
De início, esses começos consistiram numa mera mudança de ênfase nas atitudes básicas dos médicos. Começou com a aceitação da premissa, fundamental ao movimento pró-eutanásia, de que há vidas indignas de serem vividas. 
Em seus estágios iniciais, essa atitude dizia respeito apenas aos doentes graves e crônicos. 
Gradativamente, ampliou-se a esfera dos que deveriam ser incluídos nessa categoria, passando a abarcar os socialmente improdutivos, os ideologicamente indesejáveis, os racialmente desprezíveis e, por fim, todos os não alemães.” (Dr. Leo Alexander, investigador nos Julgamentos de Nuremberg e um dos maiores especialistas nos aspectos médicos do Holocausto, The New England Journal of Medicine, 1949)

Depois que Rosa Weber proferiu o seu voto favorável à legalização do aborto, no contexto do julgamento da ADPF 442 no STF, o agora presidente da casa, Luís Roberto Barroso, suspendeu a votação com o argumento de que o tema “ainda não está maduro” para ser debatido. Demonstrando toda a sua condescendência, qualificou o aborto como uma questão delicada, “porque envolve sentimentos religiosos respeitáveis”. Mas, levando-se em conta o fato de que Barroso já se declarou várias vezes favorável à legalização do aborto, e de que, dentre todos os ministros da corte, ele é quem menos esconde o seu ativismo judicial, podemos supor tratar-se aí de um recuo estratégico.

Alheio ao aspecto cômico e quase quixotesco dessa extemporânea autoidentificação, Barroso costuma apresentar-se como um iluminista orgulhoso, como alguém que, por haver cruzado em primeiro a linha de chegada na maratona humana rumo ao progresso, é capaz de estender um olhar de enternecida compaixão aos retardatários. E nesse sentido, de fato, parece que sua concepção de sociedade é similar às de Diderot – para quem “a massa genérica de homens não foi feita para promover, e sequer compreender, essa marcha progressiva do espírito humano” – e Voltaire, segundo quem os sábios iluministas jamais tiveram “a pretensão de levar as luzes a sapateiros e serviçais”, sendo esse “um trabalho para os apóstolos”.

Sua prática, por outro lado, lembra a dos burocratas internacionais herdeiros do elitismo iluminista, conforme admitida certa vez por Jean-Claude Juncker, ex-presidente da Comissão Europeia: “Nós primeiro decidimos algo, e então lançamos a ideia, aguardando um pouco para ver o que acontece. Se não houver grandes rebeliões e gritos de protesto, porque a maioria das pessoas sequer entendeu o que foi decidido, nós vamos em frente – passo a passo, até não haver mais volta”. 
Como a legalização do aborto no Brasil é rejeitada por 70% da população, e uma vez que, tendo entendido perfeitamente o que estava sendo decidido, uma parcela dessa população organizou protestos contra o encaminhamento iniciado por Rosa Weber no caso da ADPF 442, Barroso julgou conveniente aguardar até que a sociedade fique mais “madura”. Leia-se: até que os estrategistas pró-aborto criem artimanhas mais eficazes ou que, alternativamente, a sociedade esteja menos capacitada a reagir.

Barroso costuma apresentar-se como um iluminista orgulhoso, como alguém que, por haver cruzado em primeiro a linha de chegada na maratona humana rumo ao progresso, é capaz de estender um olhar de enternecida compaixão aos retardatários

Como sei que Barroso vai tentar novamente? Porque o aborto é um dos itens fundamentais em seu projeto de “empurrar a história”, e a fundamentação teórica para o caso da ADPF 442 é essencialmente obra sua. 
Descobri-o há algumas semanas, lendo uma excelente análise da juíza dissidente Ludmila Lins Grilo.  
Postado em seu perfil no Locals, o comentário consiste numa especulação sobre os eventuais precedentes abertos pela referida ADPF, uma verdadeira Caixa de Pandora que, partindo da questão do aborto até a 12.ª semana, pode subsidiar toda sorte de aberração moral, incluindo o aborto até o nono mês, o infanticídio, a eutanásia e, eventualmente, até mesmo a eliminação física dos inválidos e dos inimigos do regime.  
Tudo isso com base numa relativização da ideia de dignidade da pessoa humana, e numa mal dissimulada recusa do princípio cristão da sacralidade da vida (sobre a qual já escrevi nesta coluna).
 
No texto, a juíza faz referência a um artigo de Luís Roberto Barroso intitulado “Aqui, lá, e todo lugar: a dignidade humana no direito contemporâneo e no discurso transnacional”, cujo objetivo prático declarado é “contribuir para a estruturação do raciocínio jurídico e para a fundamentação das escolhas judiciais nos casos difíceis, tais como aborto, união homoafetiva e suicídio assistido”. 
No que diz respeito ao aborto, o argumento central de Barroso é estabelecer o que chama de “conteúdo mínimo da ideia de dignidade humana”, que seria composto por três elementos: 
1. valor intrínseco; 
2. autonomia;  
3. valor comunitário
Pelo fato de que a dignidade humana da mulher abortista contém os três elementos, ao passo que a do feto contém apenas um deles – o “valor intrínseco” –, os interesses da mulher devem prevalecer sobre os do feto, que obviamente não possui autonomia, e cujo “valor comunitário” é menor que o da mãe. Como resume Grilo: “Barroso reconhece que ambos, mãe e feto, são humanos (ufa!), mas apresenta um argumento numérico para privilegiar a mãe em detrimento do feto. Ele diz que há apenas um argumento pró-vida e dois argumentos pró-mãe abortista, e, por isso, a mãe ganha! Não é um raciocínio magnífico?”  
E a juíza conclui sobre a ADPF:
 
“A ADPF 442 é o movimento da Janela de Overton para a esquerda, que não parará de se movimentar até atingir os fins não confessados. Perceba que a tese fala que, para haver dignidade constitucional, o humano nascido deve ter autonomia (autodeterminação). 
Assim, por essa tese, um inválido, entrevado em uma cama em estado vegetativo, não consegue se autodeterminar. 
Ao contrário: ele dá trabalho aos outros, não produz nada, precisa de alguém que lhe coloque comida na boca, dê-lhe banho e lhe limpe as partes. 
Por essa teoria sinistra, esse inválido perdeu o status de pessoa constitucional e a dignidade para existir. Consequentemente, perdeu o direito à vida.”
 
Tomando conhecimento dessa excêntrica matemática utilitarista, lembrei-me de que Barroso já abordara o assunto de maneira similar, de modo que a imagem de uma disputa entre a mãe e o seu filho em vias de ser abortado parece ser contumaz, talvez de forma subconsciente, na sua argumentação. 
 Em palestra proferida no Rio de Janeiro em 3 de agosto de 2018, na qual defendia justamente a proposta de legalização do aborto até a 12.ª semana de gestação, Barroso apresentou uma justificativa alarmante. Respondendo a uma pergunta da então ativista pró-vida (e hoje deputada federal) Chris Tonietto, disse o magistrado: “Admitindo que haja vida – e, portanto, trabalhando sobre a sua premissa –, se você se mover, como eu me movo, por uma ética kantiana, e se a sua vida depende do sacrifício da minha liberdade individual, e eu não quero sacrificar minha liberdade individual, você perde”.

Comentando sobre a declaração, escrevi aqui na Gazeta:

“O mais perturbador da cena é a estranha sensação de que, embora num primeiro plano esteja se dirigindo à interlocutora da plateia, Barroso pareça mirar através desta, falando diretamente ao feto, receptor elíptico e silencioso da declaração: ‘Se a sua vida depende do sacrifício da minha liberdade individual’ – afirma desavergonhadamente o civilizadíssimo jurisconsulto, como que olhando diretamente nos olhos da futura vítima –, você perde’. Perde o quê? A vida, bem entendido.”

Com efeito, essa mania de confrontar o feto com a matemática macabra de sua iminente derrota – que, no caso, significa a sua eliminação – parece-me bastante perturbadora. Mas é uma decorrência natural da visão utilitarista de Barroso (que, apesar de seu autodeclarado kantismo ético, deriva muito mais de Bentham que de Kant). 
O pulo do gato de sua ética está na ideia de hierarquização entre a dignidade pessoal da mãe e a do feto, com base na noção de “valor comunitário” da vida humana. 
Assim que topei com o argumento, fiquei com a sensação de já tê-lo visto antes. 
Com algum esforço de memória e consultas à minha biblioteca pessoal, encontrei a mesma ideia num contexto que, conquanto distinto, guarda incômodas similaridades com as racionalizações contemporâneas da bioética, usadas frequentemente (inclusive por Barroso) para relativizar a sacralidade da vida humana e, gradativamente, criar o clima de opinião favorável à aceitação do aborto, da eutanásia e até mesmo do infanticídio, práticas que implicam na eliminação de vidas consideradas de menor valor, ou – na clássica formulação de Binding e Hoche por mim discutida anteriormente – “indignas de serem vividas”.

Sim, eu já vira muitas vezes o argumento do “valor comunitário” em minhas pesquisas sobre a história do movimento eugenista. Encontrara-o, por exemplo, no livro The passing of the Great Race (“A passagem da Raça Superior”), escrito em 1916 pelo então presidente da Sociedade Zoológica de Nova York, o eugenista e darwinista Madison Grant. Na obra – cuja tradução para o alemão, aliás, constava na biblioteca de Hitler –, lê-se que:

“O respeito equivocado pelo que se acredita serem leis divinas e a crença sentimental na santidade da vida humana tendem a impedir tanto a eliminação de bebês defeituosos quanto a esterilização de adultos sem valor comunitário. As leis da natureza exigem a obliteração dos mal-adaptados, e a vida humana só tem valor quando é útil para a comunidade ou a raça”.

A imagem de uma disputa entre a mãe e o seu filho em vias de ser abortado parece ser contumaz, talvez de forma subconsciente, na argumentação de Barroso

Quando Grant escreveu The passing of the Great Race, a eugenia era provavelmente a ideia mais influente entre as elites intelectuais e científicas euroamericanas. E, embora nem todo eugenista fosse também abertamente racista como ele, todos partilhavam da mesma premissa: a ciência darwinista provocara uma verdadeira revolução nos campos da ética e da política, fornecendo uma nova perspectiva de reforma social que, até então, havia sido interditada pela moralidade tradicional (judaico-cristã), com sua valoração absoluta e igualitária da vida humana. Dos marxistas aos nazistas, passando pelos socialistas fabianos, todos queriam aplicar o darwinismo para o aprimoramento da espécie e o progresso da sociedade.

Sem compartilhar do entusiasmo dos da geração intelectual subsequente à sua, e antes pelo contrário, foi ninguém menos que Adam Sedgwick, mentor de Darwin em Cambridge, que anteviu as implicações filosóficas do darwinismo. Em carta enderaçada ao pupilo, escrevera ele em 24 de novembro de 1859, ano da publicação de A Origem das Espécies:

“Na natureza, há uma parte moral e metafísica, tanto quanto uma parte física. Um homem que nega isso chafurda no lamaçal da loucura. É a coroa e a glória da ciência orgânica o fato de ela, por meio da causa final, vincular o material à moral. Você ignorou essa ligação. E, se compreendi bem o seu sentido, esforçou-se para rompê-lo em um ou dois casos significativos. Mas, fosse possível rompê-lo (o que, graças a Deus, não é), creio que a humanidade sofreria um dano capaz de brutalizá-la, afundando a espécie humana num grau de degradação ao qual, em toda a sua história registrada, ela ainda não baixou.”

Sedgwick não teve de esperar muito para ver confirmados os seus temores. Na virada do século 19 para o 20, muitos darwinistas aplicaram o princípio da seleção natural às questões éticas, inclusive as relativas ao valor da vida humana. Robby Kossmann, por exemplo, um zoólogo alemão que se tornaria professor de Medicina, foi bastante sincero e representativo ao escrever num ensaio de 1880, intitulado A importância da vida de um indivíduo segundo a visão de mundo darwinista:

“A visão de mundo darwinista considera superestimada a presente concepção sentimental sobre o valor da vida de um indivíduo humano, que impede o progresso da humanidade. Assim como qualquer comunidade animal de indivíduos, também o Estado humano deve alcançar um grau cada vez maior de perfeição, se assim for possível, mediante a destruição dos indivíduos menos aptos, de modo a abrir espaço para que os mais aptos possam expandir a sua prole... O Estado deve ter como único interesse a preservação da vida mais excelente em detrimento da menos excelente.”

Repete-se, mais uma vez, o tema do maior ou menor valor comunitário de determinadas vidas humanas. Muito embora a linguagem tenha mudado, e as categorias de pessoas incluídas no grupo de “vidas indignas de serem vividas” já não sejam as mesmas (a princípio, pelo menos, o critério “racial” já não faz mais parte dessa discussão), a bioética contemporânea mantém a premissa fundamental segundo a qual a sacralidade da vida humana é um princípio ético ultrapassado, sendo válida – tanto do ponto de vista dos direitos individuais quanto da perspectiva do bem comum – a hierarquização entre as vidas humanas, sobretudo no campo da saúde pública. A ética absoluta da sacralidade da vida é substituída pela ética relativista da qualidade de vida. O agradável e o conveniente passam a ser confundidos com o certo.

Em 2014, por exemplo, o proeminente bioeticista canadense Udo Schuklenk – adepto da ética da qualidade de vida – defendeu que crianças doentes, cujas vidas fossem consideradas indignas de serem vividas, deveriam sofrer eutanásia: “Uma ética da qualidade de vida requer que nosso foco recaia sobre a presente e a futura qualidade de vida do recém-nascido como critério relevante para a tomada de decisões. Devemos fazer perguntas como: o bebê tem capacidade de desenvolvimento que lhe permitirá ter uma vida, antes que apenas sobreviver? Se a resposta for negativa, teremos razão em concluir que a sua vida não é digna de ser vivida”.

Assim como, um século antes, fizeram Binding e Hoche em Permissão para destruir a vida indigna de ser vivida, Schuklenk apela ao custo socioeconômico como justificativa para o infanticídio médico:

“Em circunstâncias como essas, emerge sempre a questão sobre se seria uma decisão sábia alocar recursos escassos de saúde necessários ao tratamento. Prolongar a atenção médica para a crianças seria fútil, consistindo num desperdício de recursos escassos. Os recursos de saúde devem ser alocados onde possam efetivamente beneficiar os pacientes e melhorar sua qualidade de vida.”

É à ideologia bioeticista que Barroso e outros magistrados de palanque têm recorrido para justificar as suas decisões em favor do aborto, da eutanásia, do suicídio assistido e demais itens da agenda desse macabro humanismo

Mas a coisa vem de longa data. Já em 1971, o editorial de um jornal californiano de medicina antecipava o que viria, ao afirmar, a exemplo dos darwinistas sociais de um século antes, que “a ética ocidental tradicional sempre pôs grande ênfase no valor intrínseco e igualitário de cada vida humana”. Essa “ética da sacralidade da vida”, continuava o editorial, tem sido “a base da maioria das nossas leis e das nossas políticas públicas, bem como a pedra angular da nossa medicina”. Resta que “essa tradução ética tem sido erodida em seu cerne, e pode eventualmente ser abandonada… Escolhas difíceis terão de ser feitas, escolhas que fatalmente violarão e destruirão a ética ocidental tradicional. Será necessário e aceitável atribuir um valor relativo antes que absoluto a coisas como a vida humana”.

Nota-se que, tanto quanto para os eugenistas e os darwinistas sociais, a ética dos bioeticistas contemporâneos também é utilitarista. Como escreve Anne Maclean em The Elimination of Morality: Reflections on utilitarianism and bioethics, “todos os principais bioeticistas esposam alguma versão de utilitarismo”. E tanto quanto os eugenistas, os bioeticistas contemporâneos também têm contribuído para a formação de um sistema de valores que pretere os doentes mais graves e os incapacitados, cujas vidas são tidas por “indignas”; que enxerga como um desperdício de dinheiro a manutenção de tratamento médico para essas pessoas; que, em última instância, aceita a sua morte – e, cada vez mais, até mesmo o seu assassinato – como resposta legítima às dificuldades causadas por sua doença ou deficiência.

A bioética segue hoje o mesmo caminho trilhado pela eugenia há mais de um século. Partindo de um secto acadêmico, espalha-se rapidamente pela intelligentsia de todo o mundo, desembocando num tipo de sociedade na qual o ato de matar se confunde com beneficência; o suicídio torna-se “racional”; a morte natural, quase uma imoralidade; e cuidar compassiva e adequadamente de idosos, prematuros, deficientes e doentes terminais é considerado um “fardo” calculado em custo financeiro e emocional. Tendo abandonado a ética da sacralidade da vida humana, que proclama o valor moral intrínseco de cada indivíduo, os bioeticistas estão construindo um ambiente no qual os direitos das pessoas serão baseados numa explícita hierarquização da vida humana.

De fato, ao rejeitarem a excepcionalidade da espécie humana na ordem das coisas, esses ideólogos afirmam que a qualidade de ser humano é algo relativo, e que, em termos morais, o que importa é o pertencimento a uma “comunidade moral”, um título conquistado mediante o cumprimento de certos requisitos – usualmente ligados a “um conteúdo mínimo” que inclui, prioritariamente, a autonomia e a autoconsciência –, os quais os bioeticistas consideram necessários para a aquisição das prerrogativas atribuídas à pessoa, incluindo aí o direito à vida. Como veremos com mais detalhes na semana que vem, é à ideologia bioeticista que Barroso e outros magistrados de palanque têm recorrido para justificar as suas decisões em favor do aborto, da eutanásia, do suicídio assistido e demais itens da agenda desse macabro humanismo.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

segunda-feira, 19 de junho de 2023

Censura cartesiana – final. - Sílvio Munhoz

         A frase analisada na crônica passada é tão esdrúxula que escrevi esta continuação para acentuar o aspecto de, como dito na semana passada, ser mais um jogo de palavras para enganar incautos que a conclusão decorrente de qualquer exercício do método cartesiano (em suas quatro regras básicas: verificar, analisar, sintetizar e enumerar).

A frase: “Você pensa que pensa? Pensa mal. Quem pensa por você são as redes sociais. Quem vota por você são as redes sociais”. Ao se pronunciar a “Ministra” disse estar partindo de outra que ouviu de um dos melhores amigos – um velho comunista (aqui) – que dizia: “Você pensa que pensa? Pensa mal. Quem pensa por você é o Comitê Central”.

Opa! Mudou de figura, com o novo dado emerge o verdadeiro sentido da frase. Efetivamente, em sistemas comunistas, inexiste liberdade de expressão e pensamento, como a história (para quem quer ver) ensina, realmente, há um comitê central que dita as narrativas que serão contadas pelos meios de comunicação, sempre oficiais como Pravda na URRS/Rússia ou o Granma – em Cuba.

Sistema consagrado na figura do Ministério da Verdade do icônico 1984, cujo  slogam era “ignorância é poder”
Esse comitê ou ministério controlador é um dos pontos mais buscados no PL 2630 e do qual o atual governo não abre mão nas discussões que hoje acontecem para tentar aprovar o projeto. Querem controle do que é dito ou discutido.
 
No sistema de narrativas comandadas e fiscalizadas por comitê – qualquer que seja o nome -, as pessoas serão impedidas de se expressar e, por fim, de pensar. Merece, aí, menção outra frase da Ministra durante a manifestação: “A democracia se baseia na força e na ciência de que quanto mais você pensar mais você é livre. A Constituição é um documento de libertação”. 
A Constituição de 1988, sim, era um documento de libertação. Lá está o capítulo dos direitos e garantias individuais, onde expressas as LIBERDADES do povo brasileiro. 
Mas, hoje rasurada, pisada e picotada pela casa onde a frasista ostenta cadeira - por vezes, com seu voto - tais liberdades são negadas à nação brasileira.
 
Parecido com a frase original é voltar aos tempos de antes das redes sociais.  
Poucos meios de comunicação de massa comandavam a narrativa, sem contraditório ou contestação, e, na maioria dos casos, comentada por “especialistas” de único viés. Além disso, como sabido, concessões do PODER CENTRAL e quando este quer se manter, compra favores, sugestiona, coage, ameaça e até os fecha. 
Exemplos nem tão longe na memória comprovam tais possibilidades!
 
Produziam o que hoje “dizem” combater, Fake News? Lógico. Basta lembrar o Fórum de São Paulo criado em 1990, pelo comunista e ditador Fidel Castro e os   “companheiros” da América Latina, que a velha mídia escondeu por 20 anos e quem ousava falar era tachado de Teorista da Conspiração, só veio à tona para o grande público quando as redes sociais se popularizaram pelos idos de 2010. 
Breve, breve o inexistente se reunirá em Brasília.

A frase com a troca de “comitê” por “redes sociais” é falsa. Expressa o oposto da original. Nada há mais democrático que as redes sociais, onde surgem milhares de informações, por minuto, e incontáveis opiniões com vieses de todos os matizes a discuti-las. Isso é liberdade, é democracia, é permitir pensar e deixar ser livre. Criar órgão regulador vai igualar as redes à frase original, o comitê (não importa o nome) controlará a narrativa... alguém ingênuo a ponto de achar que não haverá interferência do establishment no órgão?

Modificada nada tem de cartesiano, é uma grande empulhação, inverte o sentido do original para confundir. Ao fim e ao cabo, o establishment do qual faz parte a frasista e seu “tribunal”, hoje com mais poder do que nunca, quer voltar ao controle da narrativa, pois como disse na mesma manifestação: “povo que não pensa não é livre”.

Esqueçam quando falam ser o PL 2630 para combater as Fake News da extrema-direita (como a velha mídia chama quem estiver do centro para a direita) ou regular o poder das Big Techs.  
Não se deixem enganar, a busca dos atuais detentores do poder é CENSURAR e retomar o perdido DOMÍNIO DA NARRATIVA, que significa poder – como no comitê do velho comunista –, pois impede o povo de pensar e ser livre.

Encerro com frase que expressa o ideal da liberdade de expressão.

“Posso não concordar com o que você diz, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-lo.” Evelyn Beatrice Hall, biografista de Voltaire ao sintetizar seu pensamento sobre liberdade de expressão.

Que Deus tenha piedade de nós!

 

Do site Percival Puggina - Silvio Munhoz 



sábado, 14 de janeiro de 2023

Um Ministério do Esporte contra as mulheres - Revista Oeste

Ana Paula Henkel

Alinhada com a agenda da esquerda, Ana Moser defende incluir atletas trans em disputas esportivas femininas 

Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock

Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock 

O novo velho governo subiu a rampa. Junto com a nova velha administração, o velho DNA petista de dezenas e dezenas de ministérios, que durante os próximos quatro anos serão aparelhados por sanguessugas ideológicos e serão usados apenas como vitrine política e moeda de troca de favores em Brasília.

Como manda o conhecido manual petista de abocanhamento geral e irrestrito da política nacional, uma das primeiras medidas na volta à(s) cena(s) do(s) crime(s) foi ressuscitar o famigerado Ministério do Esporte, extinto por Michel Temer, em 2018 (Amém, irmãos! Pena que durou pouco). A pasta, que já teve os comunistas Aldo Rebelo e Orlando Silva como ministros, deixa a categoria de secretaria — enxuta, eficiente e focada nos problemas do esporte de base, como sempre deveria ter sido —, e volta para as maravilha$ de um oceano de oportunidade$ em quase 40 ministério$.

Muitos podem pensar que uma pasta só para o esporte pode ser uma boa notícia. A verdade é que o ressurgimento do Ministério do Esporte não traz boas lembranças, nem sequer alguma esperança de que a pasta não será usada como mais um dos tentáculos em esquemas obscuros de patrocínios e favores. Em praticamente todos os anos do ministério, os “projetos” montados pelos administradores deixavam sempre na última ponta da cascata de recursos exatamente quem mais importava: atletas, principalmente os que deveriam receber incentivo e apoio nas categorias de base, em que futuros talentos olímpicos podem ser moldados e verdadeiras revoluções sociais podem acontecer.

A boa notícia da velha pasta poderia ser que ela agora vem com um nome ligado ao esporte: a ex-atleta Ana Moser. Porém, a má notícia se materializa diante do fato de que a medalhista olímpica não é companheira, mas “cumpanhêra”. Ideologicamente, ela não é muito diferente dos comunistas que já gerenciaram a pasta. Mas, antes de prosseguir, eu preciso deixar alguns pontos claros em relação ao nome “Ana Moser”.

Muitos sabem que a minha história se entrelaça com a de Ana Moser nas páginas da inédita medalha olímpica do vôlei feminino de quadra em Atlanta, em 1996, evento que marcou uma geração de nomes e também de espectadores. A clássica semifinal contra Cuba é uma das partidas de vôlei mais vistas do YouTube. 
A rivalidade, a tensão, as discussões e a briga depois do jogo marcaram o esporte. 
Lembro-me de detalhes como se fosse hoje, mas isso eu deixarei para outro artigo. Havia alguns problemas pessoais no time, mas éramos extremamente unidas em quadra, e o nível de comprometimento e profissionalismo que tínhamos coroou nossa geração com a histórica medalha de bronze em outro jogo dramático contra a Rússia.
Aquela Olimpíada marcava o fim da carreira de algumas jogadoras, como Ida, Márcia Fu, Ana Flávia e Ana Moser. Depois de amargarmos um quarto lugar em Barcelona, em 1992, até Atlanta e a nossa medalha olímpica, foram muitos altos e baixos vividos individualmente e também em equipe: contusões, viagens, dramas, lágrimas, frustrações, brigas, tréguas, experiências e algumas importantes vitórias ao longo do caminho, como o vice-campeonato no Mundial de 1994, em São Paulo. Há certos momentos na vida de atletas de alta performance que são eternizados. 
 
(...)
 
Eu ainda acredito que é possível conviver muito bem com pessoas que têm visões diferentes para o mundo, seja em políticas sociais ou econômicas em qualquer governo. Apoiar candidatos que estejam mais à esquerda no espectro político é uma questão pessoal e justa. 
O problema, para mim, começa quando se apoia um condenado em três instâncias por corrupção, e, depois de tudo que o Mensalão e o Petrolão mostraram ao Brasil e ao mundo sobre do que Partido dos Trabalhadores é capaz, é difícil entender quem ainda faz o tal do “L”.

Para piorar, não basta apoiar aquele que “queria voltar à cena do crime”, como disse Geraldo Alckmin, agora vamos trocar um governo com pastas técnicas por um governo puramente ideológico — e a pasta do esporte já mostra que não será diferente. A nova ministra já defendeu incluir atletas trans em disputas esportivas e declarou que é preciso observar os “avanços que a ciência faz em torno do tema”. Posso imaginar a “ciência”. Provavelmente, é a mesma de quem apoiou o lockdown durante a pandemia. Ouvir da boca de uma ex-atleta feminina, que conhece todos os parâmetros e as obviedades da biologia humana como poucos, que passou por todas as etapas da (justa!) polícia médica para controle de dopagem durante anos, que SABE das vantagens genéticas de um corpo masculino no esporte e nem sequer mencionar que nesse assunto é preciso proteger as mulheres… É estarrecedor.

(...)

Exclusão de meninas

Caros amigos, vou me estender um pouco e por boas razões. A primeira delas é porque essa pauta ser preciosa demais para mim. Meninas com potenciais atléticos para bolsas em universidades estão perdendo seus direitos para que haja acomodação a uma agenda nefasta de ideologia de gênero. Quero deixar aqui, de forma bem didática e organizada, alguns pontos vitais para uma discussão madura e coerente, e sem a palavra “inclusão”, fantasiada de bondade e sem embasamento científico. Esse assunto é sobre EXCLUSÃO de meninas e mulheres que, além de toda a incontestabilidade da biologia humana, foram colocadas em uma espiral de silêncio e são ameaçadas de cancelamento se ousarem tentar proteger o esporte feminino.

Talvez a nova ministra precise refrescar a memória e, quem sabe, a proteção às meninas e às mulheres no esporte feminino será contemplada no velho novo Ministério do Esporte. Em qualquer debate sobre o assunto, precisamos levar em conta alguns pontos:

— Em 2016, o Comitê Olímpico Internacional (COI) estabeleceu novas regras para permitir que transexuais disputem em esportes femininos se sua testosterona estiver abaixo de 10 nanomoles por litro (nmol/L) por 12 meses — a cirurgia de redesignação sexual não é mais necessária;

— O nível permitido de testosterona para atletas trans ainda é extremamente alto para os padrões femininos — a média é de 2,6 nmol/L para mulheres (contra 10nmol/L para trans). Em outras palavras, o sistema já possui uma latitude excessiva incorporada — tanta latitude que, mesmo após a terapia de supressão hormonal, as atletas transgênero ainda podem estar na faixa masculina normal e mesmo assim “aptas” para a competição feminina;

Não existe regra no Comitê Olímpico Internacional, apenas uma recomendação baseada em apenas um único artigo da médica Joanna Harper, também transexual, e feito apenas com corredoras de longa distância;

— Não existem estudos comparativos a longo prazo para esta recomendação e que comprovem que não há diferença entre mulheres e atletas transexuais depois da terapia hormonal. É exatamente isso que mais de 60 atletas olímpicas pediram em um documento oficial ao COI: estudos a longo prazo sejam conduzidos de maneira séria para que as mulheres não sejam prejudicadas;

Homens têm corações e pulmões maiores, ou seja, maior capacidade cardiorrespiratória, melhor oxigenação sanguínea devido à grande produção de glóbulos vermelhos, fibras mais rápidas e densidade óssea superior. 
Há reversão de tudo isso com um ano de terapia hormonal? 
Não existe nenhuma pesquisa capaz de comprovar que a supressão hormonal neste período possa reverter todas as características físicas superiores da genética masculina depois de ultrapassar 20 ou 30 anos de exposição a altas doses de testosterona;

— Antidoping: o material colhido no passado para testes de todos os atletas continua guardado por dez anos (B sample ou contraprova) e pode ser novamente acessado e testado. Uma nova medição que constate níveis incompatíveis de testosterona num corpo feminino pode retirar títulos retroativamente, conquistas de anos ou décadas anteriores. Esse nível de rigor foi totalmente abandonado para acomodar transexuais, que até pouco tempo eram homens, alguns deles tendo competido profissionalmente como homens.

A politização radical do esporte, que tento combater em artigos, palestras e entrevistas no questionamento da injustificável incorporação de atletas transexuais no esporte feminino, homens biológicos com genética e estrutura física de homens, continua na sua agenda de desfigurar o que deveria ser o terreno do congraçamento

Guilhotina da patrulha ideológica
Martina Navratilova, tenista campeã, homossexual e ativista dos direitos gays de longa data, declarou em uma entrevista (e foi guilhotinada pela turba da “tolerância”): “É insano e trapaceiro. Fico feliz em me dirigir a uma mulher trans da forma que ela preferir, mas não ficaria feliz em competir com ela. Não seria justo. Para colocar o argumento em sua forma mais básica: um homem pode decidir ser mulher, tomar hormônios se exigido por qualquer organização esportiva, ganhar tudo e talvez amealhar uma pequena fortuna, e depois reverter sua decisão e voltar a fazer bebês se ele assim o desejar”. A ex-técnica de Navratilova, Renée Richards, uma mulher transexual desde os anos 1970, também é categoricamente contra a permissão de homens biológicos competindo com mulheres.

Vejam esses dados comparativos da Federação Americana de Atletismo, que mostram que nenhuma atleta feminina que participou dos Jogos Olímpicos do Rio, em 2016, se classificaria paras as finais do Campeonato Estudantil Americano do Ensino Médio (garotos até 18 anos):

  1. Com base unicamente em seu desempenho nas Finais Olímpicas, para os 100, 200, 400 e 800 metros, NENHUMA das mulheres se qualificaria para competir no evento nacional do Ensino Médio Masculino (garotos até 18 anos);
  2. O melhor tempo feminino nos 400 metros livre nos Jogos Olímpicos do Rio, em 2016, um recorde mundial, seria batido por três meninos, com idades 18, 16 e 16 anos;
  3. Para os 800 metros livre na mesma Olimpíada, o recorde mundial feminino seria batido por dois meninos, de 16 e 17 anos.

Essas tabelas lembram a nossa preparação para as Olimpíadas de Atlanta, em 1996, quando ganhamos nossa medalha de bronze. Era comum e fazia parte de nossos treinamentos jogar contra homens, garotos de 16, 17, 18 anos. Nossa faixa etária estava entre 25 e 30 anos e era praticamente impossível vencê-los. Não era raro também ver o Bernardinho, nosso técnico, pedindo para que os rapazes diminuíssem a força para não nos machucar. O mais curioso é que a nova ministra do Esporte, com toda a sua pompa sobre “ciência”, era uma das jogadoras dessa época e sabe mais do que ninguém o que a identidade biológica significa no esporte.

Repito: o debate honesto sobre esse assunto não pode ser embasado na identidade social de um indivíduo, que, obviamente, deve sempre ser respeitada. Como as pessoas decidem viver suas vidas é uma questão de foro privado. Mas decisões sociais e particulares não criam direitos automáticos e imaginários. O combate ao preconceito contra transexuais e homossexuais é uma discussão justa e pertinente. A inclusão de pessoas transexuais na sociedade deve ser respeitada, mas incluir homens nascidos e construídos com testosterona, com altura, força e capacidade aeróbica de homens, sai da esfera da tolerância e constrange, humilha e exclui mulheres. Esse assunto é exclusivamente sobre a clara exclusão de meninas e mulheres no esporte feminino, é sobre ciência e sobre identidade biológica, pilar sagrado e justo nos esportes. Esse assunto é sobre honestidade.

Ex-jogadora de vôlei Ana Moser assumiu o comando do Ministério 
do Esporte | Foto: Júlio Dutra/MDS
(...)

Há uma frase atribuída a Voltaire que diz que quem pode fazer você acreditar em absurdos pode fazer você cometer atrocidades. Um homem não pode se tornar uma mulher diminuindo sua testosterona. E os direitos das mulheres não devem terminar onde os sentimentos de alguns começam.

Leia também “Uma agressão às mulheres”

CLIQUE AQUI, PARA MATÉRIA INTEGRAL 

Ana Paula Henkel, colunista - Revista Oeste


quarta-feira, 21 de setembro de 2022

O 7 e o 8 de Setembro de 2022 - Revista Oeste

modus operandi j

Tendo fracassado na tática do medo para esvaziar as ruas, os demofóbicos partiram para as desqualificações de sempre

Lula, Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso | Foto: Montagem Revista Oeste/Agência Brasil/Shutterstock
Lula, Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso | Foto: Montagem Revista Oeste/Agência Brasil/Shutterstock

“Não temais ímpias falanges/Que apresentam face hostil/
Vossos peitos, vossos braços/São muralhas do Brasil.”

D. Pedro I e Evaristo da Veiga, Hino da Independência do Brasil

“A elite política do patrimonialismo é o estamento,
estrato social com efetivo comando político,
numa ordem de conteúdo aristocrático.”

Raymundo Faoro, Os Donos do Poder

Dando prosseguimento à série de textos que exploram similaridades entre a Primeira República Francesa produto sociopolítico da ideologia iluminista — e a assim chamada Nova República brasileira — criatura sociopolítica da intelligentsia de esquerda (socialista e social-democrata) culturalmente hegemônica no pós-regime militar —, gostaria de lembrar uma das características mais marcantes do Iluminismo de matriz francesa, raramente mencionada pelos apologistas e pelos saudosistas do movimento. Refiro-me ao elitismo, não raro manifesto numa autêntica demofobia, um sentimento de horror pelo povo concreto, em carne e osso.

De fato, pensadores como Voltaire e Diderot jamais o esconderam. Quando o primeiro dizia, por exemplo, que cabia a “todo homem sensato e honrado” nutrir horror pelo catolicismo, não tinha em mente o homem comum do povo, cuja ignorância, aos olhos de Voltaire, o impedia terminantemente de desenvolver tanto a sensatez quanto a honra. Também Diderot deixava claro que a massa de pessoas comuns não faria parte da nova era científica e racional anunciada pelos philosophes. “A massa genérica de homens não foi feita para promover, nem sequer compreender, essa marcha progressiva do espírito humano”, escreveu em O Sobrinho de Rameau (1805). E foi ainda mais explícito no verbete Multidão” da Enciclopédia: “Desconfie do julgamento da multidão em matéria de raciocínio e filosofia; sua voz é a da malícia, da tolice, da desumanidade, da irracionalidade e do preconceito (…) A multidão é ignorante e confusa (…) Desconfie de sua moral; ela não é capaz de produzir ações fortes e generosas”.

Para Diderot, Voltaire e seus confrades das “sociedades de pensamento”, a população comum era “imbecil” (imbécile) em termos de religião. Enquanto, entre os espíritos superiores, a superstição nacional (i.e., a fé católica) parecia recuar, esse progresso dificilmente chegaria até “o populacho” (la canaille). O povo era demasiado “idiota, bestial, miserável e ocupado” para iluminar a si próprio. “A quantidade de canaille mantém-se sempre mais ou menos estável.”

Segundo essa perspectiva, as luzes da razão estavam restritas a uma pequena elite esclarecida, grupo altamente seleto que, em carta ao amigo Maurice Falconet. Diderot batizou certa vez de “igreja invisível”. 
Como não lembrar da demofobia iluminista ao deparar com as manifestações da aristocracia neorrepublicana brasileira diante do último 7 de Setembro? 
É claro que, no caso brasileiro, nem sempre se mantém a sofisticação vocabular do contexto original, porque a nossa demofobia se manifesta frequentemente ao estilo Justo Veríssimo, imortal personagem de Chico Anysio: “Quero que o povo se exploda!”
Mas não deixamos de ter também os nossos covers de Voltaire, sendo o ministro Luís Roberto Barrosoiluminista confesso e orgulhoso o mais caricato entre eles.  
E foi de Barroso, como se sabe, uma das previsões mais sombrias e histriônicas relativas às celebrações do Bicentenário da Independência. No dia 5 de agosto, em palestra proferida no 17º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo, o nosso Voltaire de Vassouras disse que o 7 de Setembro poderia mostrar o tamanho do fascismo no país. Estigmatizando preventivamente milhões de cidadãos brasileiros, e falando por toda a aristocracia neorrepublicana, Barroso tentou semear o medo para esvaziar as ruas. Fracassou.

A celebração da democracia
Para qualquer pessoa moral e intelectualmente honesta, o 7 de Setembro de 2022 foi um dia histórico, uma celebração da democracia. Nessa data, milhões de brasileiros foram pacífica e ordeiramente às ruas manifestar o seu patriotismo. 
É claro que, em sua maioria, manifestavam também o apoio a Jair Bolsonaro, político que, tanto por méritos próprios quanto por força das circunstâncias, acabou se tornando o representante único da vontade popular de resgatar a bandeira nacional para o centro da política brasileira.  
Resgatar sim, uma vez que, nas mãos da extrema esquerda nacional representada pelo lulopetismo, ela, a bandeira, vivia sendo queimada ou pisoteada como um pano de chão, desprezada em favor das cores e dos símbolos das facções políticas de matriz socialista. 
Mas os integrantes da aristocracia neorrepublicana não viram motivos para celebrar. 
Ao contrário, tendo fracassado na tática do medo para esvaziar as ruas, os demofóbicos partiram para as desqualificações de sempre, segundo o modus operandi já adotado no 7 de Setembro do ano passado.

Assim é que os milhões de brasileiros, que não cometeram um ato sequer de violência ou depredação ao contrário do que invariavelmente ocorre nos protestos da esquerda , continuaram sendo estigmatizados como golpistas, fascistas e nazistas. Sobre eles, tuitou um radical de esquerda fantasiado de jornalista: “As imagens dessa gente doentia nas ruas nesse 7 de Setembro irão perseguir seus filhos e netos como as fotos de apoiadores do nazismo alemão, do fascismo italiano ou dos supremacistas americanos”. E o candidato do Foro de São Paulo à Presidência do Brasil o ex-presidiário Luiz Inácio Lula da Silva — cometeu contra os patriotas a ofensa mais grave que se poderia imaginar, equiparando-os a integrantes da Ku Klux Klan (ou “Cuscuz Crã”, na pronúncia peculiar do comandante do Petrolão).

Que as ruas no 7 de Setembro traduzissem toda a diversidade étnica e social brasileira muito mais, a propósito, do que nos convescotes cada vez mais seletos frequentados pelo falso “pai dos pobres” adorado por banqueiros e empresários bilionários não importava. 
Falou mais alto o impulso odioso de difamar e demonizar os milhões de cidadãos honestos que foram às ruas celebrar a independência e, sobretudo, lutar para impedir que sua nação seja integrada e dissolvida numa “Pátria Grande” qualquer, formada por narcoditaduras bolivarianas.

Com raros momentos de exceção, assim tem sido a organização sociopolítica brasileira ao longo da história, sempre de cima para baixo

Desde, ao menos, a Proclamação da República, o Brasil tem se notabilizado pela ausência de participação popular na vida política nacional. Sobre os eventos do 15 de novembro de 1889, Aristides Lobo publicou no Diário Popular: “Por ora, a cor do Governo é puramente militar, e deverá ser assim. O fato foi deles, deles só, porque a colaboração do elemento civil foi quase nula”. E o jornalista entusiasta da República arrematava sua carta com a célebre observação: “O povo assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava. Muitos acreditaram seriamente estar vendo uma parada”. Na mesma época, o médico francês Louis Couty, amigo pessoal de D. Pedro II, resumiu numa sentença lapidar a nossa situação: “O Brasil não tem povo”.

Com raros momentos de exceção, assim tem sido a organização sociopolítica brasileira ao longo da história, sempre de cima para baixo. E assim também o foi durante toda a Nova República, período em que as forças da esquerda, culturalmente vitoriosas sobre o regime militar que as derrotara política e militarmente (no caso da luta armada), fabricaram um povo fictíciouma abstração talhada à imagem e semelhança da intelligentsia progressista nacional — e, portanto, uma democracia de fachada, formalmente consagrada numa constituição eivada de idealismo, mas substancialmente elitista e demofóbica. 

De fato, da perspectiva histórica cultural, o período é, em larga medida, um produto da imaginação dos intelectuais esquerdistas da geração 1960. A Nova República pode ser compreendida como uma “comunidade imaginada” (no sentido de Benedict Anderson), cuja fundação mitopoética foi toda elaborada em oposição ao período anterior, o regime militar, o sombrio “Antigo Regime” identificado como grande obstáculo aos novos tempos que, enfim, chegavam com sua esplendorosa luminosidade.

Intelligentsia esquerdista
O efeito social desse predomínio aristocrático da intelligentsia esquerdista foi que, durante muito tempo, os valores tradicionais, os gostos e a sensibilidade do povo brasileiro, majoritariamente conservador, não dispunham de representação mínima nas instâncias formadoras da opinião pública. Bem ao contrário, silenciados e estigmatizados por uma elite cultural, econômica e política ultraprogressista e revolucionária, os integrantes das camadas médias e populares, alheios às radicais utopias da esquerda, passaram a testemunhar, igualmente bestializados, a demonização de alguns de seus hábitos mais comezinhos e — supunha-se — até então inocentes.

Tudo se passou como se os bem-pensantes progressistas, de forma mais ou menos consciente, tivessem manifestado o desejo de se vingar não apenas dos militares e da direita civil, mas também de um povo que, mantendo-se alheio e algo indiferente aos eventos dos assim chamados “anos de chumbo”, os abandonou no auge de seus sonhos revolucionários. Assim, quando veio a abertura política, aqueles que “lutaram contra a ditadura” (segundo a mitologia heroica e autobeatificante por eles recontada) viram a chance de extravasar uma revolta encruada e tomar o país para si. “Apesar de você, amanhã há de ser outro dia” — eis o verso de Chico Buarque que simboliza bem o grito reprimido, carregado de um ressentimento lírico, de uma gente que, tendo enfim a oportunidade, não cessou desde então de lançá-lo, em forma de cobrança, às gerações seguintes.

Considerando-se todo o contexto, compreende-se pois que, diante do evento inédito de um povo conservador em carne e osso que resolve enfim dar as caras e assumir o protagonismo no debate sobre o destino do país, a aristocracia neorrepublicana o estranhe, e, com um reacionarismo irônico aos olhos da história, projete nele todos os fantasmas tradicionais e atávicos de sua cultura política: “fascismo”, “golpismo”, “racismo”, etc. 
Provincianamente inseguros diante da descoberta do povo e da materialização da democracia até então restrita ao papel (“Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente”), os integrantes dessa aristocracia os Inácios, os Pachecos, os Liras, os Fux, os Barrosos, os Moraes et caterva — decidiram refugiar-se em seus gabinetes acarpetados para mais um convescote deveras (neo-)republicano, tal como haviam sido o evento de leitura da “carta pela democracia” nas arcadas da USP e a posse do novo presidente do Tribunal Eleitoral.  
 
Historicamente hostis ao 7 de Setembro popular, proclamaram a própria independência, bizarramente celebrada no dia seguinte, 8 de setembro, em sessão solene no Congresso Nacional, e a portas bem fechadas. [E o presidente Bolsonaro com a coragem e dignidade que o caracterizava,ignorou,melhor dizendo desprezou a bizarra celebração.]
 Sendo a política feita de símbolos, nada mais simbólico da demofobia estrutural do estamento burocrático brasileiro do que essa comemoração exclusiva, no dia seguinte, dos ausentes do dia 7.[provavelmente os atrasados celebrantes esperavam que suas ausências fossem notadas e lamentadas; não foram - o que mais se ouviu, do povo brasileiro, foi "não fizeram falta.]  
A passagem de um dia ao outro representa toda a distância entre dois Brasis cada vez mais irreconciliáveis: o Brasil do povo e o da casta dirigente, o das ruas e o dos salões, o das feiras e o das redações, o dos patriotas e o dos patrimonialistas.

Leia também “O Direito sem lei”

Flávio Gordon, colunista - Revista Oeste

 

sexta-feira, 25 de março de 2022

Uma agressão às mulheres - Revista Oeste

Ana Paula Henkel 

Até 2019, Lia era William e competia com os homens. Antes de se tornar a número 1 entre as mulheres, no ranking com os rapazes era o 462º entre 500 nadadores 

Há mais de cinco anos venho escrevendo e falando sobre o que jamais poderíamos imaginar, principalmente nós mulheres: ver homens biológicos competindo no esporte feminino. 
Já escrevi uma carta aberta ao Comitê Olímpico Internacional e uma dúzia de artigos detalhando todos os pontos absurdos dessa política nefasta de identidade de gênero que vem prejudicando meninas e mulheres em todo o mundo e em quase todos os esportes.
 
Lia Thomas, a nadadora transexual que venceu mulheres com quase uma piscina de vantagem e se sagrou “campeã” da liga universitária norte-americana | Foto: cortesia Peter H. Brick
Lia Thomas, a nadadora transexual que venceu mulheres com quase uma piscina de vantagem e se sagrou “campeã” da liga universitária norte-americana | Foto: cortesia Peter H. Brick  [em outras palavras = quando era homem biológico entre 500 competidores, ele estava entre os 50 piores = ocupava o 462º lugar; ; se transformou e passou a competir com as mulheres e passou a ser o primeiro entre elas. Isso é justo?]

Não é preciso repetir neste artigo todas as informações óbvias das aulas de biologia da 5ª série, basta ter mais de dois neurônios para entender que homens têm corações e pulmões maiores, maior capacidade cardiorrespiratória, maior oxigenação sanguínea devido à maior produção de glóbulos vermelhos, fibras mais rápidas, densidade óssea superior… Homens são biologicamente diferentes de mulheres. E não há nada de controverso ou polêmico nisso. Simples assim. Mas parece que o mundo, depois de passar por duas grandes guerras, decidiu entrar de vez numa guerra contra a ciência. E, nesta semana, mais uma vez aplaudindo um homem biológico batendo recordes e vencendo títulos em uma competição feminina. Lia Thomas, a nadadora transexual que venceu mulheres com quase uma piscina de vantagem e sagrou-se “campeã” (com aspas mesmo) da liga universitária norte-americana (NCAA) foi o assunto da semana. Até 2019, Lia era William e competia com os homens. Antes de se tornar a número 1 entre as mulheres, no ranking com os rapazes era o número 462 entre 500 nadadores.

Até 2019, Lia era William e competia com os homens -  Foto: Reprodução

Durante esses anos, venho tentando trazer um pouco de racionalidade para o debate público. Essa invasão de homens biológicos nos esportes femininos não é apenas errada, é um ataque e um desrespeito inaceitável às mulheres que seguem à risca as políticas antidoping pela proteção do esporte limpo. A própria discussão é, em si, ultrajante e humilhante. O debate honesto sobre esse assunto não pode ser embasado na identidade social de um indivíduo, que, obviamente, deve sempre ser respeitada. Como as pessoas decidem viver suas vidas é uma questão de foro privado. Mas decisões sociais e particulares não criam direitos automáticos e imaginários. Esse assunto é sobre a clara exclusão de meninas e mulheres no esporte feminino, é sobre ciência e sobre identidade biológica, pilar sagrado e justo nos esportes. Esse assunto é sobre honestidade.

Hoje, no entanto, não focarei na parte física desse debate que engloba, entre tantas verdades chatas ao politicamente correto, políticas antidoping. Atletas trans, hoje competindo com mulheres, como Lia Thomas, Tiffany Abreu, Fallon Fox ou Alana McLaughlin, um ex-soldado das Forças Especiais do Exército norte-americano, não sabem o que acontece no universo feminino do esporte. Mulheres são muito mais policiadas dentro e fora de competições do que homens

Uma pequena gota a mais de testosterona em um corpo feminino pode significar uma enorme diferença, o caminho que separa o ouro da prata, a classificação da eliminação ou a glória do fracasso. 
As diversas vantagens que as mulheres trans possuem devido aos anos de exposição à testosterona desde a infância não são amenizadas ao manter a quantidade hormonal recomendada pelo Comitê Olímpico Internacional de até 10 nanomols/litro por 12 meses (mulheres têm em média entre 2,8 e 3,2 nanomols/litro). Não existe nenhuma pesquisa que possa comprovar que a supressão hormonal nesse período possa reverter todas as características físicas superiores da genética masculina depois de passar 20 ou 30 anos de exposição a altas doses de testosterona. Ou se é possível, sequer, reverter isso com anos sem o hormônio masculino.

A guerra, no entanto, não foi declarada apenas à ciência ou às mulheres no esporte. O objetivo de toda essa agenda nefasta que inclui revisionismos históricos, derrubada de estátuas e a vida baseada em “construções sociais” não é “proteger” as minorias ou sequer as pessoas trans, mas destruir a própria ideia de conhecimento objetivo. Se até a natureza biológica do ser humano é negada, tudo, e absolutamente tudo pode ser negado. Esse é o maior objetivo desse “movimento revolucionário”. Todo e qualquer processo revolucionário apresenta inicialmente uma fase de desestabilização da sociedade, para em seguida impor uma nova ordem despótica. Se hoje os revolucionários prometem mais “direitos” às “minorias”, na sequência das páginas deste enredo as mesmas minorias serão descartadas, como mostra a própria história. E essa guerra foi declarada de vários frontes.

Nesta semana, aqui nos Estados Unidos, no Comitê Judiciário do Senado norte-americano, aconteceu a sabatina de Ketanji Jackson, a indicada de Joe Biden à Suprema Corte. 
A senadora Marsha Blackburn, do Tennessee, perguntou a Jackson o que deveria ter sido a pergunta mais fácil já feita em uma sabatina para uma das cadeiras da famosa SCOTUS: “Você pode definir o que é uma mulher?”. Nomeada publicamente por Biden por ser negra e mulher, imagine como Jackson deve ter ficado aliviada ao ouvir uma pergunta tão banal. Nada de casos históricos ou jurisprudências obscuras e precedentes do século passado da Corte. Tudo o que os republicanos querem é uma recapitulação de um dos primeiros capítulos de Biologia: O que é uma mulher.

Ketanji Jackson, uma juíza de Cortes inferiores famosa por aplicar penas bem menores a criminosos, inclusive pedófilos, poderia ter dito com incredulidade: “Senadora, essa é uma pergunta simples que qualquer estudante do ensino médio pode responder. Uma mulher é um ser humano com dois cromossomos X e isso é facilmente detectável em um exame de sangue. As mulheres têm pélvis mais largas, estruturas ósseas diferentes das dos homens e genitália muito diferente. Geralmente, é bastante óbvio que são mulheres, só de olhar para elas. As mulheres têm genética diferente porque somos projetadas para fazer coisas diferentes. A natureza é real. As mulheres menstruam, engravidam, dão à luz e depois amamentam. Os homens não fazem essas coisas porque eles não podem. Joe Biden me nomeou para a Suprema Corte porque sou mulher. O presidente sabe exatamente o que é uma mulher. Se ele não soubesse, não teria me escolhido.”

Teria sido fantástico se ela tivesse dito isso. No entanto, Ketanji Jackson disse que não poderia fornecer uma definição sobre o que era uma mulher porque “não era bióloga”. Jackson, uma indicada à Corte mais importante dos Estados Unidos da América, respondeu sem o menor constrangimento que, por não ser bióloga, não poderia dizer o que é uma mulher. Mas a verdade é que não faria a menor diferença se ela fosse bióloga (ou qualquer pessoa que queira enfiar em nossa goela abaixo que atletas femininas trans não são homens), porque ninguém no Partido Democrata, no Psol, PT ou na cega militância LGBT se importa de verdade com o que os biólogos pensam sobre sexo biológico. Os biólogos foram banidos junto com os Pais Fundadores da América, com todas as estátuas de heróis do passado e com a liberdade de expressão.

Em 2022, depois de ouvirmos por dois anos “Ciência, ciência, ciência!”, o poder da ciência e da literatura humana desmorona à luz do dia diante do lobby trans. Até uma indicada para a Suprema Corte norte-americana, mesmo com todas as suas credenciais acadêmicas, tem a cara de pau de mostrar seu pedágio lobista e diz, sem o menor constrangimento, que não sabe o que é uma mulher porque não é bióloga. O mais curioso e surreal disso tudo é que, se voltarmos na sabatina de Brett Kavanaugh, uma das nomeações de Donald Trump para a Suprema Corte e acusado de última hora de um suposto assédio sexual quando ainda estava no High School, lembramos que fomos bombardeados com o mantra de que devemos acreditar cegamente em todas as mulheres, independentemente de estarem ou não dizendo a verdade. Elas são mulheres, portanto, em nome da justiça social, devemos simplesmente aceitar o que elas dizem. Como Kamala Harris afirmou certa vez: “A palavra de uma mulher é como uma declaração juramentada”.

O “debate” sobre transgenerismo é definido pela censura, fazendo você calar a boca e não permitindo que você perceba o óbvio

Joe Biden, ainda nas primárias democratas em 2020, rechaçou que há diferenças entre homens e mulheres: “Nós, de fato, temos de mudar fundamentalmente a cultura, a cultura de como as mulheres são tratadas. Nenhum homem tem o direito de levantar a mão para uma mulher com raiva, a não ser em autodefesa, e isso raramente ocorre. Por isso, temos de mudar a cultura”. Até o estranho e inepto Joe Biden sabe que homens e mulheres não são iguais. Não estamos dizendo que um é moralmente melhor que o outro. Somos moralmente iguais, mas somos diferentes nos níveis mais profundos, começando pela biologia. Todos nós crescemos sabendo disso, mas agora a turba alimentada pelos jacobinos LGBTQTVBGRTYWXCFRET+++++ está mandando fingir o contrário, negar a natureza e suprimir seus instintos mais básicos e valiosos de proteção às mulheres. Estão nos dizendo que não temos o direito de ficar chateadas quando um homem biológico apanha de uma mulher trans, seja num bar, seja num ringue ou numa competição desleal na piscina. Estamos prontos para suprimir esses instintos? Estamos prontos para viver em uma sociedade que não reconhecerá as mulheres? Estamos prontos para sermos colocados em mais uma — depois de dois eternos anos na pandemia! — espiral de silêncio? Não fale, não questione, não pergunte — ou terá a cabeça degolada pela turma “love is love”.

O esporte feminino está sendo desfigurado a passos largos. Por mais que eu tenha me impressionado com tamanha repercussão positiva por parte do público nesta semana com o caso de Lia Thomas, a lei do silêncio continua imperando entre jogadoras, nadadoras e atletas femininas. Mas o perigo dessa agenda vai além das fraudes no esporte feminino: o que acontecerá com os sistemas judiciários se fingirmos que homens e mulheres são exatamente iguais, que são meras “construções sociais”? A afirmação da indicada de Biden à Suprema Corte de que não podemos dizer quem é homem e quem é mulher é um sintoma da transformação da sociedade pela perigosa agenda identitária. Em um futuro não muito distante, a maneira como administramos a Justiça também será transformada, começando com as leis antidiscriminação. Se não podemos dizer com certeza quem é uma mulher, como vamos aplicar a Lei Maria da Penha ou todas as medidas de proteção contra violência doméstica, estupros e assédios? Nos Estados Unidos, o Título IX, uma lei dos anos 1970 que proíbe a discriminação sexual em escolas e universidades, está sendo usado hoje por meninos biológicos que “se sentem” como meninas. Se não usamos o sexo biológico como um aferidor justo, como podemos evitar a discriminação com base no sexo biológico?

O objetivo do movimento trans não é convencer ninguém de que a biologia não é real. Isso seria impossível de ser realizado. Qualquer um soaria ridículo se tentasse articular isso, muito menos explicar. O objetivo desse movimento é muito diferente. A questão central é fazer com que todos nós repitamos uma mentira, algo que sabemos perfeitamente que não é verdade, fitando assustados a guilhotina acima de nossos pescoços. “Sim, Lia Thomas é uma mulher que ganhou a competição de natação porque treinou mais do que as outras garotas. Lia Thomas mereceu vencer. Lia Thomas é incrível e sua vitória não foi trapaça. Não notamos também que seu corpo de homem continua com todas as características intactas.” Pronto. Ufa… Dessa vez não perdemos o pescoço.

E é esse mantra que exigem que repitamos, não porque eles se importam com Lia Thomas, com Tiffany, Fallon Fox ou qualquer outra pessoa trans. Eles não se importam, porque, se importassem, pensariam duas vezes antes de expor essas mulheres trans e a própria comunidade ao ridículo. Fazer com que todos nós finjamos acreditar em algo que não acreditamos é o único objetivo, porque, se eles podem fazer com que acreditemos em algo que sabemos que é falso, eles venceram. Eles controlam o seu e o meu cérebro.

Então, toda essa insanidade negacionista não é sobre pessoas trans. É sobre todos nós, e eles apostaram alto. E é exatamente por isso que a censura é tão intensa. O “debate” sobre transgenerismo é definido pela censura, fazendo você calar a boca e não permitindo que você perceba o óbvio. Quando você menos perceber, você já entrou na espiral de silêncio imposta por eles. Não há nenhuma tentativa de persuadir nenhum de nós por argumentos válidos em uma discussão com o mínimo de honestidade. Não há nenhuma ideia baseada em fatos. Você não pode responder: “Mas então os homens podem se tornar mulheres apenas desejando ser mulheres?”. Isso não é permitido e, se fosse, jamais responderiam. Só nosso silêncio e as boquinhas fechadas importam. O primeiro movimento sempre é a censura e o segundo movimento, inevitavelmente, é a punição. Resolveu falar? Cabeças no chão, contas de redes sociais suspensas, perseguição virtual, cancelamentos…

Mas ainda há enorme esperança nesse novo mundo orwelliano em pessoas como Caitlyn Jenner, ex-atleta e campeão olímpico de decatlo masculino como Bruce Jenner. Jenner se identificou como mulher trans em 2015 e é veementemente contra homens biológicos competindo com mulheres no esporte feminino. Recentemente, ela disse em um vídeo que esse assunto é apenas uma questão de justiça: “Sou contra meninos biológicos que são trans poderem competir com garotas. Simplesmente não é justo e nós temos de proteger o esporte feminino nas escolas”. Essa semana, Caitlyn declarou que a vitória de Lia Thomas não é justa, que o corpo da nadadora é claramente o corpo de um homem que passou por toda a puberdade envolto em testosterona. Claro que Jenner foi devorada pelo tal feminismo que jura por todos os santos proteger e lutar pelas mulheres.

Há uma frase atribuída a Voltaire que diz que quem pode fazer você acreditar em absurdos pode fazer você cometer atrocidades. Um homem não pode se tornar uma mulher diminuindo sua testosterona. Nossos direitos não devem — e não vão — terminar onde os sentimentos de alguns começam.

Leia também “A hipocrisia da cultura do cancelamento”

 Saber mais, leia: o que é uma mulher

Ana Paula Henkel, colunista - Revista Oeste