Há, entretanto, uma condição: a família precisa ter dinheiro para contratar, primeiro, o plano de saúde, claro, e depois, os advogados. Mais um ponto: o plano de saúde privado não é acessível para a maioria da população. São 50 milhões de segurados, ou 23% dos brasileiros.
Assim, o tema aqui em debate interessa especialmente à classe média e aos mais ricos. Trata-se da decisão do Superior Tribunal de Justiça, de 8 de junho, segundo a qual o rol de atendimentos fixado pela Agência Nacional de Saúde é taxativo – ou seja, a operadora do plano não é obrigada a atender casos ou fornecer remédios que não estejam previstos no rol da ANS.
Se o plano é empresarial, também vale a lógica da previsão e segurança jurídica. A empresa tem informação clara sobre o que pode ou deseja oferecer a este ou aquele funcionário. Para o empregado, igualmente: tem informação do que lhe está acessível.
Agora, as críticas. A primeira delas queixa-se da demora da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em validar o uso de medicamentos novos. E também da demora da ANS na atualização do rol de atendimentos.
Ocorre que a decisão de STJ prevê exceções, exatamente nesse sentido. A operadora deverá pagar tratamento fora do rol desde que tenha eficácia cientificamente comprovada. Acontecem casos assim: o médico esgotou todos os recursos disponíveis no Brasil e ficou sabendo de um novo medicamento, em uso nos EUA ou na Europa, que pode servir para aquele caso.
Há dois caminhos aqui. O primeiro é uma negociação técnica entre o médico (a clínica, o hospital) e a operadora do plano. O segundo é o recurso à Justiça. Aqui ficou mais caro, mais demorado.
Mas há um segundo tipo de crítica, um argumento sobre direitos humanos e do cidadão. Trata-se do recurso à letra da Constituição: saúde é direito de todos e dever do Estado, artigo 196, que ainda especifica o “acesso universal e igualitário” aos serviços de saúde.
E aqui tudo fica embaralhado.
Se a Constituição fosse literalmente cumprida, não existiriam as operadoras privadas. Todo brasileiro saberia que o Estado proveria acesso gratuito a qualquer atendimento de saúde. Ou seja, todo mundo estaria no Sistema Único de Saúde, o SUS.
A consequência disso está na cara: o plano fica mais caro, pois o custo inclui a imprevisibilidade. E, logo, cada vez menos acessível. É o que já acontece.
E a judicialização do SUS? Pois é. Voltaremos.
LEIA TAMBÉM A PARTE UM, - NA ÍNTEGRA
Carlos Alberto Sardenberg, jornalista
Coluna publicada em O Globo - Economia 25 de junho de 2022