Votos dos dois ministros deixam claro que, a depender da vontade dos juízes, não se deve levar em consta a Constituição e as leis; desonestidade intelectual de Barroso chega a ser chocante
Enquanto escrevo este texto, não sei o resultado, por óbvio, do julgamento em curso no Supremo.Espero que triunfe a Constituição.
Espero que triunfe o bom senso.
Espero que triunfe o Estado de Direito.
O ministro Edson Fachin, relator, já votou. E fez o que dele se esperava. Ignorou o Artigo 53 da Constituição.
Ignorou o fato de que o Artigo 319 do Código de Processo Penal, que prevê as medidas cautelares, é alternativo ao 312, que estabelece os requisitos da prisão preventiva. Ocorre que a prisão preventiva de um parlamentar só é possível em caso de flagrante de crime inafiançável.
Não há nenhuma surpresa nisso tudo.
Ministro deu, quero crer, o voto mais chocante da história do Supremo; não creio que haja precedente. Foto: Nelson Jr./SCO/STF
a: combatendo o foro especial. Isso não está em julgamento;
b: destacando a gravidade dos supostos crimes cometidos, embora não se esteja em fase de julgamento;
c: afirmando que ou se vota com ele ou se vota em favor do crime;
d: tentando cassar um artigo da Constituição; segundo disse, se o Senado mudar a decisão tomada pelo Supremo, isso significará, sim, um choque de Poderes.
O homem realmente não tem limites. No momento em que escrevo, ele se diz contrário ao ativismo judicial, mas afirma que só o rejeita em matéria de direito constitucional. No mais, vale.
E aí ele define as condições em que o Supremo poderia legislar:
1: para proteger direitos de minorias;
2: para assegurar a liberdade de expressão;
3: para proteger as regras da democracia.
Acontece que, quando se parte do princípio de que o Supremo pode legislar, qualquer coisa cabe nesses critérios. No encerramento do seu voto, sem nenhum pudor, Barroso afirma que o que está em jogo é fazer a vontade de um país que quer integridade, idealismo e patriotismo ou então lhes negar tais fundamentos.
Vale dizer: ou se está com ele ou se está do lado da bandalheira.
É asqueroso.
O que ele está a dizer, em suma, é se o tribunal pode, ao arrepio da lei e da Constituição, fora do julgamento, antecipar uma pena. Não por acaso, ele chama as acusações feitas por Rodrigo Janot de “provas”. Creio que o Supremo viveu o momento mais asqueroso de sua história na exposição de seu voto.
No fim das contas, o argumento de Barroso é um só: se havia medidas restritivas de liberdade aos demais acusados no caso, então que Aécio Neves também recebesse alguma punição. Ao fim de sua exposição, Dias Toffoli, com acerto, observou que já conhecia a concessão de habeas corpus por extensão, mas não a de prisão por extensão.
Se o voto de Fachin e Barroso triunfarem, o Brasil escancara as portas para a insegurança jurídica. Nota: há um cheirinho no ar de que Celso de Mello resolveu aderir à turma da heterodoxia e do vale-tudo judicial, a saber: além de Fachin e Barroso, contam-se Rosa Weber e Luiz Fux. A ser verdade essa inflexão de Celso, a coisa pode resultar num cinco a cinco: do outro lado, quero crer, estarão, além de Alexandre Moraes, que deu um voto primoroso, os ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Marco Aurélio.
O voto de Minerva ficará com Cármen Lúcia.
E então saberemos se, sob a sua presidência, vão se generalizar no país a insegurança jurídica, o baguncismo e a desordem. A direita xucra, que nunca entende nada, vai vibrar com Barroso, justamente o mais esquerdista de todos os ministros. Não por acaso, os casos em que ele defendeu o ativismo judicial são pautas da esquerda.
A rigor, essa pode ser a maior vitória da esquerda em todos os tempos. Tudo o que os vermelhos querem é o relativismo do ordenamento judicial. Se ele estiver garantido, tudo passa a ser possível. Tudo será permitido. Não por acaso, Barroso é o ministro que resolveu, como direi, fazer uma interpretação extensiva de um simples habeas corpus: ao conceder liberdade a uma mulher que havia se submetido voluntariamente a aborto provocado e a seu médico, ele aproveitou para “legalizar” o aborto até o terceiro mês de gestação.