Não
é apenas no Brasil que isso acontece. Onde exista autoritarismo
explícito ou totalitarismo, os poderosos que mais coíbem as liberdades
de opinião e expressão são os que mais saliva gastam com a palavra
democracia.
Já se tornou
inteiramente supérfluo apontar fatos para comprovar essa afirmação. Há
mais de um século, tiranias de partido único adotam o adjetivo
“democrática” para sua identidade nacional. Não eram, mas se denominavam
“Repúblicas Democráticas e Populares” e algumas ainda carregam o
binômio como se valesse um vintém.
Por mais que agrida à Justiça e à
Liberdade como valor, todo regime de partido único, todo ditador diz
estar protegendo a sociedade – a porrete, cadeia e paredão – com o manto
do Estado de Direito e resguardando a Democracia das investidas de seus
detratores.
Leia as
cartas e manifestos dos últimos dias. Gastam hectolitros de saliva para
apresentar seus subscritores com o elmo dos guardiães do Direito e da
soberania popular. Parecem integrar um curioso círculo secreto – a nobre
Ordem dos Cavalheiros da Urna, à qual só têm acesso os jurados em ato
de fé.
Parem com
isso! Quem não sabia já intuiu que Democracia tem uma dimensão técnica e
uma dimensão ética. A primeira pouco significa na ausência da segunda! É
dos valores, dos elevados e indispensáveis valores que falamos
insistentemente no Brasil. É em nome deles que saímos às ruas e praças,
insistentemente, ao longo dos últimos anos.
Desde 2019, porque democratas, dezenas de milhões participam de manifestações em todo o país clamando por:
- respeito à soberania popular expressa no resultado da eleição;
- acatamento ao programa vitorioso no pleito;
- direito de ir e vir e de trabalhar como forma de sustento;
- transparência
no sistema de votação (ou alguém pensa que pedir, por anos a fio,
transparência a algo blindado significa desejo de golpear instituições e
fraudar eleições?);
- liberdade de opinião e expressão;
- não interferência do STF em tarefas e atividades típicas de governo;
- fim das condutas de judiciais truculentas e vingativas;
- prisão após condenação em segunda instância;
- fim dos misteriosos inquéritos do fim do mundo;
- liberdade para os presos políticos;
- respeito aos julgamentos da Lava Jato (ou pensam que, como a grande imprensa não viu, ninguém mais viu o que foi feito?);
- providências
das instituições da República (notadamente ao Senado para que se
restaure o equilíbrio e a harmonia entre os poderes;
- impeachment de alguns ministros do STF.
Eu iria adiante que a lista é longa, mas não é necessário.
Qual desses
pleitos e pautas afronta a democracia e o Estado de Direito?
Não foram
esses pedidos proclamados dos carros de som aos poderes de Estado?
Eventuais e
raras exceções, sempre sob a lente de aumento da mídia alinhada com os
derrotados e insatisfeitos de 2018, não fazem a regra, não falam pela
imensa maioria.
Quem não gosta muito do que lê nas redes
sociais experimente falar durante anos sem ser ouvido por quem deveria
ouvir.
Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto,
empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores
(www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país.
Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia;
Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.