A
história da Igreja e a Igreja na história traz a beleza dos dilemas
humanos e respeita a personalidade e vocação de cada um. Em alguns
momentos, a Igreja necessita de pescadores. Noutros, de pastores.
Existiram papas guerreiros, diplomatas, filósofos e santos. A Igreja Católica
está no mundo há 2 mil anos e acumulou sabedoria suficiente para saber
se manter no mundo sem ser aniquilada pela total adequação ao mundo.
O
momento sensível de hoje exige um pastor. Ontem, exigiu um teólogo. No
Renascimento, um guerreiro. Durante a Segunda Guerra, um diplomata
Muitos
católicos, hoje, tomados pelo espírito bélico alimentado pelo
imaginário ideológico anticomunista, antiliberal, antissocialista,
anticapitalista e até anticatólico, querem um papa guerreiro, não um
papa pastor. Não querem Francisco. Na verdade, querem um papa que
satisfaça os próprios tormentos políticos, que combata impiedosamente os
inimigos. Contudo, a finalidade da Igreja é anunciar o Evangelho de
Cristo e não ceder ao delírio triunfalista dos ideológicos.
Eu,
olhando a história da Igreja e a Igreja na história, penso o seguinte: o
momento sensível de hoje exige um pastor. Ontem, exigiu um teólogo. No
Renascimento, um guerreiro. Durante a Segunda Guerra, um diplomata. E,
entre a opinião da maioria tresloucada em busca de um líder enérgico
para conter as nossas próprias fraquezas e o milenar Magistério da
Igreja, que soube se manter no mundo sem se familiarizar demasiadamente
com o mundo, eu fico com a Igreja.
Quando me
converti, ninguém me provou, por meio de sofisticados cálculos e
argumentos abstratos, a existência de Deus; ninguém me deu evidências,
cabalmente comprovadas, de que Jesus de Nazaré era o Cristo, e que Ele
foi morto, sepultado e ressuscitou no terceiro dia. Não se trata de
provas. E eu não exigia isso. Tampouco me deram um esporro, um berro ou
um tapa. Deram-me testemunho. Vieram-me ao encontro com toda disposição
pastoral. Eu precisava de narrativa pessoal.
Na época, eu era um jovem leitor assíduo de Nietzsche,
Baudelaire e Heidegger. Tinha muitas certezas. E uma delas era a
inexistência de Deus. Hoje, tenho muitas dúvidas que atingem o “coração”
– o centro de todo pessoa – em sua forma íntima. Este centro com o qual
mergulhamos no abismo, este vazio de nós mesmos. E é lá onde
descobrimos que Deus não está morto, pois Ele vive e reina.
A
propósito deste Reino que o Natal sempre me faz lembrar, gostaria de
dizer o seguinte: o pequeno Jesus de Nazaré não nasceu em berço de ouro
e, quando homem feito, Cristo não morreu na glória: traído, açoitado,
debochado, motivo de chacota entre romanos, de ódio entre os judeus,
morreu crucificado. Cristianismo é escândalo: há 2 mil anos cristãos são perseguidos, torturados e martirizados.
Cristãos
superaram o Império Romano, a perseguição árabe, alguns foram
massacrados por chineses, japoneses e turcos. Venceram o Terror da Revolução Francesa, a noite escura da Revolução Russa...
enfim, toda vez que vejo qualquer pagãozinho secularista tentando
debochar do “sentimento religioso” dos cristãos, atacando seus símbolos
mais caros, lembro-me que o cristão é o sal da terra e Cristo, a Luz do
Mundo. Mas nada pior que o cristão que persegue em nome da fé, por medo e
vingança.
A finalidade da Igreja é anunciar o Evangelho de Cristo e não ceder ao delírio triunfalista dos ideológicos
Por
isso, diante do deboche do mundo para com o amor cristão, lembro-me da
confiança de Nossa Senhora, do martírio de Estêvão, da conversão de
Paulo e da brutal morte de Pedro, da solidão de Santo Antão, da vida de
Santo Agostinho, da coragem de Santa Cecília, dos hinos de Santa
Hildegarda de Bingen, da Suma Teológica de Tomás de Aquino, da
catedral de Estrasburgo, da entrega de São Francisco de Assis, dos
quadros de El Greco, da música de Palestrina, da Paixão segundo São João de Bach, do Réquiem
de Mozart, da filosofia de Leibniz, dos estudos de Christophorus
Clavius, dos monges trapistas, do martírio dos monges cartuxos retratado
no filme O Grande silêncio.
Enfim, lembro-me ainda da minha avó rezando ao pé da cama, do Kyrie Eleison
que minha mãe cantarolava, da firmeza teológica de Bento XVI e da
doçura pastoral do papa Francisco. Toda a minha loucura por vingança,
toda a minha ira para com o mundo, passa num instante e compreendo o
sentido de ser cristão.