Este espaço é primeiramente dedicado à DEUS, à PÁTRIA, à FAMÍLIA e à LIBERDADE. Vamos contar VERDADES e impedir que a esquerda, pela repetição exaustiva de uma mentira, transforme mentiras em VERDADES. Escrevemos para dois leitores: “Ninguém” e “Todo Mundo” * BRASIL Acima de todos! DEUS Acima de tudo!
Netanyahu jamais conseguirá apagar o dano moral, político, diplomático e histórico sofrido na Corte internacional
Ninguém gosta de ser submetido a julgamento. Países, também não. E o Estado de Israel,
comandado por Benjamin Netanyahu, menos ainda. Mesmo que consiga
convencer a Corte Internacional de Justiça (CIJ) a arquivar a acusação
de genocídio apresentada pela África do Sul, ou mesmo que consiga evitar a petição por medidas provisórias urgentes, como a interrupção dos ataques a Gaza,
Netanyahu jamais conseguirá apagar o dano moral, político, diplomático e
histórico sofrido em Haia. A sentença final a ser decidida pelos 15
juízes da Corte pode demorar dias, semanas, meses, até anos, mas a mera
questão central — Israel cometeu genocídio? — é devastadora em si.
Relegada ao papel de cemitério do Direito Internacional, a Palestina
como um todo, e Gaza em especial, pouco espera da Justiça dos homens. Só
que a petição apresentada pela África do Sul pode ter desdobramentos
inesperados.
Como previsto, foi desconsiderada como frivolidade pelo
secretário de Estado americano, Antony Blinken.
Mas não por Netanyahu,
que optou por apresentar sua defesa perante a Corte.
Não é de hoje que
lideranças israelenses se preocupamcom uma eventual percepção mundial
de que a opressão sofrida pela Palestina ocupada é uma forma de
apartheid.
O espectro de isolamento internacional semelhante ao imposto
ao regime de minoria branca na África do Sul — que culminou na extinção
do apartheid nos anos 1990 — sempre existiu.Et pour cause.
Desde as décadas da descolonização, dos movimentos de libertação, dos
Não Alinhados e da Tricontinental, o partido de Nelson Mandela e a
militância palestina andaram lado a lado.— Nossa liberdade é incompleta sem a libertação dos palestinos — lembrou o líder negro em 1997.
Tinham em comum a revolta contra opressores que se ajudavam mutuamente.
O jornalista Tony Karon, nascido na África do Sul, sionista na
juventude e atual produtor na Al Jazeera, lembra seus tempos de
militância anti-apartheid na Cidade do Cabo.
Em artigo recente,
escreveu: “Muitos de nós ficamos horrorizados quando, em 1976, Israel
recebeu a visita oficial do primeiro-ministro sul-africano John Vorster,
nazista convicto que trabalhou numa organização paramilitar ligada à
Abwehr [serviço de inteligência militar de Hitler]”.
A venda de armas de
Israel para a África do Sul era segredo de polichinelo, assim como a
assistência israelense à Força de Defesa do regime bôer.
A descolonização, como se sabe, não seguiu propriamente o roteiro
sonhado pelo intelectual martinicano Aimé Césaire — restituir humanidade
tanto ao colonizado como ao colonizador, numa mesma comunidade de
pertencimento.
Fracassos se acumularam, e correções de curso continuam a
coalhar a caminhada com desgraças.
Contudo a cartada da África do Sul,
ao cobrar da Corte de Haia um posicionamento, tem o mérito de conseguir
nos envergonhar pela cumplicidade mundial diante de décadas de
desenraizamento e opressão de um povo.
Silenciadas, gerações e gerações
de palestinos tiveram existência apagada, nulificada. Gaza é apenas a
aberração mais gritante.
Para Netanyahu, a semana foi indigesta também no front interno.
O
conservador Yedioth Ahronoth, maior jornal do país, divulgou uma notícia
sombria: “Ao meio-dia do 7 de Outubro, as Forças de Defesa de Israel
(FDI) ordenaram a todas as unidades de combate em ação usar a Diretiva
Hannibal, sem menção explícita ao nome. A ordem era parar ‘a qualquer
custo’ toda tentativa de retorno a Gaza dos terroristas do Hamas,
apesar do temor de que levavam consigo reféns.(...) Estima-se em cerca
de mil os terroristas e infiltrados mortos entre o assentamento de Olaf e
a Faixa de Gaza. Não está claro quantos reféns foram mortos em
decorrência dessa ordem”.
Perto de 70 veículos foram encontrados na
mesma área, atingidos por um helicóptero de combate ou mísseis
antitanque das FDI.
“Diretiva Hannibal” é o nome dado a um procedimento militar
oficialmente abandonado pelas FDI em 2016.
Visava a impedir a captura de
soldados israelenses por tropas inimigas. Sua versão mais genérica
ensinava: “A tomada de reféns precisa ser impedida por todos os meios,
mesmo ao preço de alvejarmos e causarmos danos a nossas próprias
forças”.
Sujeitas, portanto, a interpretação e aplicação elásticas.
No
mês passado, o diário liberal Haaretz já havia aventado a hipótese de a
Diretiva Hannibal ter sido usada no fatídico 7 de Outubro, quando 40
terroristas do Hamas foram alvejados por dois disparos de canhão numa
casa em Be’eri, assentamento israelense. Havia 14 reféns civis na casa.
Apenas uma saiu com vida do horror. Hadas Dagan, cujo marido foi uma das
vítimas, não culpa as equipes de socorro israelenses:
— Eles também deram a vida por nós.
Hoje é o centésimo dia de cativeiro para mais de 130 reféns ainda em mãos do Hamas. Quanta tragédia entrelaçada!
'Todo
ser humano tem o direito de ser sepultado', diz pai de menino de 10
anos cujo corpo ficou quatro dias na casa vazia da família até ser
enterrado no quintal de um prédio vizinho; Mais de 22 mil palestinos
foram mortos por ataques israelenses desde outubro, de acordo com o
Ministério da Saúde do enclave
Durante quatro dias, o corpo de Kareem Sabawi, de 10 anos,ficou enrolado em um cobertor num apartamento frio e vazio na Faixa de Gaza. Nesse período, e em meio ao intenso conflito
no enclave, sua família se abrigou nas proximidades.
Kareem morreu,
contam seus pais, em um bombardeio israelense, e nos dias que se
seguiram era especialmente perigoso sair às ruas. Sem conseguir oferecer
um enterro digno ao filho, eles sepultaram o corpo do menino debaixo de
um pé de goiabeira, no prédio vizinho. Morrer dignamente em Gaza havia se tornado um privilégio.
Quando Kareem morreu, a família ligou para o Crescente Vermelho da Palestina em busca de ajuda. Mas a invasão terrestre de Israel
no norte da Faixa de Gaza acabara de começar.
As ruas estavam
bloqueadas por tanques e esvaziadas pelos tiros, impedindo os
socorristas de ajudar famílias como a de Kareem a cuidar dos muitos
mortos pelos bombardeios aéreos.
Todos os dias, o pai do menino, Hazem
Sabawi, sofria um duplo tormento: a imensa dor da perda e a incapacidade
de proporcionar ao filho a dignidade de um enterro adequado. — Depois do quarto dia, disse que ou eu seria enterrado com ele, ou não
o enterraria mais de jeito nenhum — disse ele, antes de detalhar como
acabou decidindo colocar o corpo de Kareem debaixo de uma goiabeira,
atrás do prédio de um vizinho. — Todo ser humano tem o direito de ser
sepultado.
Não tem sido assim em Gaza. Já se passaram treze semanas desde que a guerra começou, após o ataque a Israel pelo Hamas, que matou cerca de 1,2 mil pessoas,
segundo autoridades israelenses. Desde então, os que vivem no enclave
têm sido forçados a enterrar seus mortos às pressas, sem cerimônia ou
extrema-unção, para não arriscarem o mesmo destino dos entes queridos.
Ao todo,mais de 22 mil palestinos foram mortos por Israel desde 7 de outubro, de acordo com o Ministério da Saúde de Gaza, controlado pelo Hamas.
O conflito transformou Gaza em um “cemitério para milhares de crianças”,
de acordo com as Nações Unidas. Mohammad Abu Moussa, radiologista do
Hospital al-Nasr, no sul de Gaza, disse que “a situação chegou ao ponto
em que dizemos que sortudos são aqueles que têm alguém para (e os
conseguem) enterrar quando morrem”.
Tradicionalmente, os palestinos honram seus mortos com cortejos
fúnebres públicos de luto. Tendas são erguidas nas ruas por três dias
para receber os que desejam prestar condolências. Mas o que a guerra
enterrou foram os costumes. Muitos mortos são agora deixados em valas
comuns, nos pátios de hospitais ou, como Kareem, em jardins de quintal,
muitas vezes sem lápides, com nomes rabiscados em mortalhas brancas ou
em sacos para cadáveres. As orações — quando feitas — são realizadas
rapidamente, em hospitais ou fora dos necrotérios.
Hospitais de Gaza estão sobrecarregados, e médicos falam em 'situação catastrófica'
(...)
Serviços não tinham capacidade para atender população de 2,3 milhões de habitantes
Nebal Farsakh, porta-voz do Crescente Vermelho Palestino, disse que a
violência impossibilita as equipes de resgate de chegarem aos locais dos
ataques para recuperar os corpos. Algumas famílias ficam trancadas
dentro de suas casas durante dias com os cadáveres de seus entes
queridos, disse ela. Autoridades de saúde de Gaza estimam que cerca de 7
mil pessoas seguem desaparecidas no enclave, a maioria presumivelmente
morta devido à enorme destruição causada pelos ataques israelenses. Em
algumas residências, as pessoas pintaram com spray os nomes daqueles que
estariam enterrados sob os escombros.
Corpos inchados e em decomposição Quase dois milhões de civis foram deslocados e fizeram perigosas caminhadas a pé até o sul da Faixa de Gaza — encontrando pelo caminho forças israelenses com armas apontadas em sua direção.
Dezenas de corpos, inchados e em decomposição, foram vistos pelos palestinos.
Eles contaram ao New York Times que os soldados israelenses não lhes permitiriam sequer cobrir, muito menos enterrar, os mortos. Os militares disseram que agiram desta forma “por razões operacionais”, e também para determinar se entre os mortos estava algum refém israelense sequestrado pelo Hamas.
No caso de Kareem, Sabawi conta que enterrá-lo era o mínimo que podia
fazer por um filho que fora "incapaz de proteger".
Ele e sua esposa
disseram que um ataque aéreo israelense ocorreu perto de sua casa no
início de novembro, quando a família preparava o almoço com a pouca
farinha e alimentos que tinham.
Sabawi foi atirado ao ar. Quando caiu no
chão, a porta da cozinha tombou sobre ele. Ao se levantar, percebeu que
a cabeça de Kareem estava sangrando.
Sabawi conta que o pegou no colo, apesar de seu braço estar ferido, e a
família correu para o apartamento de um vizinho. Kareem ainda
respirava. Seu pai, em pânico, administrava a reanimação cardiopulmonar.
Mas era tarde demais. Os vizinhos acolheram a família e trouxeram um
cobertor para envolver o corpo do menino. Ele esperou quatro dias,
temendo que eles pudessem ser mortos por um ataque aéreo ou por um
soldado israelense se saíssem para enterrá-lo.
Quando decidiu voltar à casa, Sabawi e um vizinho fizeram a proclamação
da fé muçulmana antes de sair com o corpo do filho do apartamento. No
jardim atrás do edifício, cavaram rapidamente uma cova rasa e nela
depositaram Kareem, cobrindo-o com terra. Voltaram correndo para dentro.
No dia seguinte, voltou correndo para colocar mais terra sobre a
sepultura. Na goiabeira, pendurou uma lápide improvisada e colocou um
tijolo no topo. E contou que, sempre que havia oportunidade, descia para
colocar mais terra, esperando que o local “virasse uma cova de
verdade”.
‘Não sei o que aconteceu com o corpo’ Ahmed Alhattab, pai de quatro filhos, disse que um foguete atingiu seu prédio na noite de 7 de novembro na cidade de Gaza.
Lá dentro estavam 32 familiares, 19 deles crianças.
A mídia palestina noticiou o ataque à época, estimando o número inicial de mortos em 10.
Alhattab e três de seus filhos escaparam dos escombros, mas um deles, Yahya, de 7 anos, teve uma fratura no crânio e estava sangrando, relembrou. O pai carregou o menino ferido até encontrar uma ambulância.
Na manhã seguinte, disse, voltou com vizinhos e parentes, e eles
desenterraram com as mãos quatro familiares mortos.
Entre eles, seu
sobrinho, com apenas 32 dias de vida.
Eles os enterraram em uma única
cova em um cemitério particular que pertencia a outra família.
Era muito
perigoso tentar chegar aos cemitérios públicos — alguns deles
destruídos de qualquer forma pelas forças israelenses.
O restante de sua
família, 24 parentes, permaneceu sob os escombros.
No mesmo período, disseram a ele ser improvável que seu filho
sobrevivesse. Enquanto os parentes se preparavam para fugir, contou, ele
tomou a dolorosa decisão de deixar Yahya para trás e levar seus outros
filhos para o sul, onde esperava que estivessem mais seguros. Quatro
dias depois, ele ouviu de um amigo que o menino havia morrido no
hospital, onde foi enterrado, ao lado de outros pacientes.— O enterro foi temporário. Não sei o que aconteceu com o corpo dele — disse Alhattab.
‘Ele queria enterrá-los’ Quando Fatima Alrayess, de 35 anos e que vive na Áustria, falou pela última vez com os dois irmãos mais novos, no dia 8 de novembro, eles disseram a ela que voltariam à casa da família. Muhammad, 31, e Muayid, 25, contaram que uma equipe da Defesa Civil estava a caminho do edifício de sete andares, que tinha sido derrubado por um ataque aéreo israelense três dias antes.
Eles relataram que o ataque vitimou oito membros da família, incluindo seus pais.— Ele queria enterrá-los — disse ela sobre Muayid.
Mas um cerco israelense a Gaza desde os primeiros dias da guerra levou à
escassez de combustível, entre outros bens essenciais, dificultando o
trabalho das equipes da Defesa.
Naquele dia, elas recuperaram os corpos
da mãe, do pai e de um sobrinho de 12 anos antes que escurecesse, soube
Alrayess depois pelos irmãos. No dia seguinte, os corpos foram
enterrados num cemitério.
Os irmãos encontraram os socorristas na
esperança de recuperar mais corpos. Duas irmãs ainda estavam
desaparecidas.
Quando as equipes de resgate começaram a vasculhar os escombros, outro
ataque aéreo israelense ocorreu, matando Muayid e Muhammad, bem como
vários socorristas, conta Alrayess. As consequências imediatas do ataque
foram captadas em vídeo por um fotógrafo local. Ele lamentou que os
irmãos tivessem seguido seus pais na morte. — Meus pais foram enterrados à tarde — disse Alrayess. — Muayid e Muhammad foram enterrados naquela noite no mesmo cemitério.
Cinco membros da família permanecem sob os escombros.
Fúria e ressentimentos são continuamente atiçados e se espalham pelo mundo. A solução só virá quando se abrir uma brecha no império do rancor
DO LADO DE CÁ - Violência: soldado de Israel usa a força para reprimir manifestante palestino na Cisjordânia (Jaafar Ashtiyeh/AFP)
As guerras são a mais extrema expressão da barbárie e desgraçadamente não faltam exemplos de horrores e mortandade ao longo da história.
Mas poucas vezes a violência sem limites escalou de maneira tão vertiginosa quanto a que se observa no duelo atual entre a força militar de Israel e os militantes do Hamas, que acaba de completar um mês.
A trágica contabilidade de mortos partiu do altíssimo patamar de 1 400 pessoas massacradas no dia 7 de outubro, quando o grupo palestino cruzou os limites da Faixa de Gaza em um devastador ataque-surpresa.
A resposta israelense foi deslanchar uma ofensiva para aniquilar o inimigo que, na conta do Ministério da Saúde da superpovoada Gaza, já matou mais de 10 000 pessoas, quase metade delas crianças.
Os sangrentos trinta dias de confronto desembocaram em uma agressividade de proporção inédita no campo de batalha da opinião pública, com o disparo maciço nas redes sociais de cenas de execuções, bombardeios de escolas, colapso de hospitais e bebês sem vida.
O mundo se repartiu entre contra e a favor, sufocando o meio-termo e abrindo espaço para o mais virulento preconceito. “A mente está cheia até a borda com nossa própria dor e não sobra espaço nem para reconhecer a dor dos outros”, escreveu o historiador e filósofo israelense Yuval Harari. Pairando sobre tudo, o ódio, sentimento que cega e escraviza, vai cumprindo seu papel de aprofundar as históricas desavenças entre árabes e judeus, fazendo delas uma questão pessoal, de indivíduo contra indivíduo, com ecos em toda parte e sem solução à vista.
Nos últimos dias, tanques e tropas cercaram a cidade de Gaza, a maior do enclave, e iniciaram a incursão pela rede de túneis controlada pelo Hamas. “Estamos em uma nova etapa da guerra”, declarou o porta-voz do Exército Daniel Hagari, ao mesmo tempo em que o secretário-geral da ONU, António Guterres, subia o tom, afirmando que Gaza está se tornando “um cemitério de crianças”. Discute-se a implantação de “pequenas pausas humanitárias” nos combates — as forças israelenses deram quatro horas para moradores da Cidade de Gaza deixarem o local —, e as listas para a saída de estrangeiros e feridos graves pelo Egito são divulgadas a conta-gotas (34 brasileiros estão na fila).
Não se sabe o que será de Gaza após a ofensiva militar. Negociações estão em curso para que a mais moderada Autoridade Palestina, que administra a Cisjordânia, assuma o território, mas ela terá que conviver com a presença israelense— o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu antecipou que o país “será responsável pela segurança por um período indefinido”.A marcha da insensatez se acelerou com a declaração de Amihai Eliyahu, ministro do Patrimônio — cargo criado para acomodar a extrema direita religiosa que faz parte do governo —, de que o uso de bombas nucleares em Gaza “seria uma opção”. Foi afastado e desautorizado, mas o estrago estava feito.
Nada do que se discute agora sinaliza um caminho para a paz — pelo contrário, são ações que, como já aconteceu outras vezes, cristalizam raiva e ressentimentos que se espalham pelo planeta.
Os casos de antissemitismo e de islamofobia mais do que triplicaram na Europa e nos Estados Unidos no último mês. No estado de Illinois, o menino de origem palestina Wadea Al Fayun, 6 anos, foi esfaqueado pelo dono do apartamento onde ele morava com a família, um septuagenário que, segundo sua mulher, “escuta talk shows conservadores no rádio” e andava obcecado pelo conflito no Oriente Médio.
Em Lyon, na França, uma mulher judia foi ferida a facadas por um homem que bateu à sua porta e, para não deixar dúvida quanto à motivação do crime, pichou uma suástica na entrada da casa.
Estrelas de Davi apareceram pintadas na fachada de prédios habitados por judeus em Paris.
No longínquo Daguestão, país muçulmano às margens do Mar Cáspio, uma turba invadiu o saguão de um aeroporto pretendendo linchar passageiros que desembarcavam de Tel Aviv. “No mundo conectado em que vivemos, quem já têm inclinação para a violência reforça sua visão. As pessoas estão buscando motivos para confirmar seus preconceitos”, diz Wendy Via, cofundadora do Global Project Against Hate and Extremism.
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As expressões de ódio despertadas pelo conflito entre árabes e judeus derramaram-se, com força nunca vista, pelas universidades americanas, um terreno minado pela polarização política e pelo racha talhado pela cultura woke, que leva às últimas consequências o conceito do politicamente correto. Em Harvard, trinta organizações estudantis não só condenaram Israel como abraçaram o execrável slogan “Do rio ao mar, a Palestina será livre” — à primeira vista inocente, mas que embute a sumária destruição total do Estado judeu (por repetir o desatino, Rashida Tlaib, única deputada de origem palestina dos Estados Unidos, recebeu um raríssimo voto de censura da Câmara).
Em Cornell, outra instituição de elite, um aluno disparou nas redes sociais ameaças de morte a estudantes judeus. Tulane, em Nova Orleans, foi palco de agressões generalizadas entre apoiadores dos dois lados quando um manifestante tentou incendiar uma bandeira de Israel. Em Stanford, na Califórnia, a polícia investiga como crime de ódio a morte de um judeu nas proximidades de um ato pró-Palestina. “O discurso, no meio universitário, repisa que os dois povos não podem viver naquela região porque um lado representa o domínio imperialista e o outro rejeita a civilização ocidental. É a islamofobia batendo boca com o antissemitismo”, resume Michel Gherman, professor de história da UFRJ nascido em Israel e tachado de antissemita em um debate na PUC carioca.
O antissemitismo observado nos dias de hoje é uma chaga que teve origem no fim do século XIX, concentrado principalmente na Europa.
As aceleradas mudanças políticas e econômicas da época, um processo repleto de conflitos que iriam descambar em duas guerras mundiais, desagradaram a nacionalistas que, em busca de um bode expiatório, atribuíram os problemas surgidos à minoria religiosa que controlava parte das instituições financeiras — início de uma perseguição movida pela intolerância que culminou no Holocausto e nos 6 milhões de mortos pelas atrocidades nazistas.
A fogueira da islamofobia se acenderia meio século depois,quando árabes começaram a migrar para países europeus em busca de vida melhor. Ela explodiria neste século, em que as imensas levas de imigrantes ilegais, associadas à violência latente nas periferias pobres das grandes cidades, desencadearam um turbilhão antimuçulmano. “O antissemitismo e a islamofobia têm a mesma raiz ideológica e é justamente isso que impede que as duas vítimas se reconheçam em pé de igualdade e possam dialogar”, ressalta Arlene Clemesha, professora de história árabe da USP.
O clima de animosidade entre árabes e judeus se fez presente já na origem dos dois povos: como era comum na convivência das tribos naquela época, as escrituras relatam choques entre os descendentes dos dois filhos de Abraão — Ismael, que viria a formar a nação árabe, e Isaac, tronco do judaísmo.“Os dois povos semitas entraram em conflito por terras já em XVII a.C.”, relata o teólogo Jacir de Freitas, autor de A História de Israel e as Pesquisas Mais Recentes. Apesar dessas diferenças, árabes e judeus repartiram o que é hoje a Palestina com relativa civilidade durante milênios.
O conflito do qual a guerra atual é a mais recente e mais mortífera consequênciatem como ponto de partida as movimentações que resultaram na proposta, apresentada pela ONU em 1947, de divisão da Palestina para a formação do Estado de Israel.
Nacionalistas palestinos e sionistas se mobilizaram contra e a favor da partilha, a Liga Árabe tomou partido e os tiros começaram a ser disparados.
Três guerras entre israelenses e alianças militares árabes, inúmeros e horripilantes atentados terroristas e seguidas revoltas sufocadas a bala e bombas depois, judeus e palestinos vivem no mesmo espaço, mas separados por uma montanha de fúria e desconfiança. “O ódio não é a causa dos acontecimentos históricos, mas sim seu subproduto. Frequentemente políticos e ideólogos incitam esse sentimento para ganhar poder e influência”, ensina Norman Naimark, professor de história da Universidade de Stanford.
Sentimento inerente à condição humana, o ódio se situa entre a raiva e o nojo, duas das seis emoções básicas universais descritas pelo psicólogo americano Paul Ekman. Ambas têm lá sua justificativa: enquanto a raiva pressupõe ação diante de algo percebido como errado ou injusto, o nojo serve para evitar contato com perigos e ameaças — na evolução, manteve humanos longe de comidas venenosas ou estragadas. “Mas a combinação é destrutiva”, explica Robert Sternberg, professor de psicologia da Universidade Cornell. “Seu estímulo provém de narrativas falsas, que convencem as pessoas de que o outro está roubando seus recursos e seu destino.” O psicólogo social Aharon Levy completa: “Em uma situação de ódio entre grupos, cada lado acredita que está moralmente correto, ao passo que o inimigo é imoral e não pode mudar”.
A dinâmica do ódio já serviu de base para episódios estarrecedores de massacres de populações. Em 1995, 8 000 muçulmanos foram brutalmente assassinados por forças sérvias em Srebrenica, na Bósnia e Herzegovina. Um ano antes, os hútus executaram 800 000 tútsis, só por serem tútsis, em Ruanda.
No mais impactante ato de terrorismo jamais visto, dois aviões lotados derrubaram as torres gêmeas do World Trade Center, em plena Nova York, matando cerca de 3 000 pessoas, todas civis.
Individualmente, o escritor indo-britânico Salman Rushdie passou anos escondido, com a cabeça posta a prêmio por citar o profeta Maomé no romance Os Versos Satânicos.
Voltou a circular e em 2022, mais de três décadas depois, um fanático o esfaqueou.
Sobreviveu, mas perdeu a visão de um olho e teve o fígado perfurado.
Por outro lado, conflitos que pareciam impossíveis de ser contornados deixaram de existir: franceses se reconciliaram com ingleses após séculos de enfrentamentos, japoneses fizeram as pazes com americanos, depois da II Guerra, alemães assumiram a responsabilidade e se penitenciaram pelos crimes nazistas. No sofrido Oriente Médio, resta torcer para que uma brecha se abra e a voz da razão possa um dia ser ouvida.
Publicado em VEJA, edição nº 2867, de 10 de novembro de 2023
Homem que deixou a
Papuda depois de conseguir um alvará de soltura do STF vive uma rotina
de tensão, faz tratamento psicológico e busca meios de ajudar a família a
pagar as contas
O
simples ato de segurar talheres ou se olhar no espelho enche de lágrimas os
olhos do homem de 43 anos, que mora em uma cidade do Paraná. Essas coisas lhe foram negadas
durante os 70 dias em que esteve detido na Papuda em Brasília, em virtude
dos protestos ocorridos em 8 de janeiro.
Embora
tenha deixado o cárcere há pouco mais de um mês, as lembranças do pesadelo
ainda o assombram.
Mesmo
fora da penitenciária, ele tem de cumprir uma série de medidas restritivas
estabelecidas pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Por tempo
indeterminado, não pode acessar as redes sociais, ou
ter contato com outros manifestantes em situação semelhante, e tem de
usar uma tornozeleira eletrônica que monitora todos os
seus passos.“Sou um prisioneiro do medo”, constatou. Com
receio de sua segurança e a de sua família estarem em risco, pediu para não ser
identificado.
A vida do
homem mudou completamente. Agora, ele só pode pisar na rua de casa a
partir das 5 horas e tem até as 22 horas para retornar, sob o risco
de a tornozeleira apitar e ele sofrer alguma punição.
Antes de
sair, uma das primeiras coisas que faz é checar se o
equipamento tem bateria.
Uma luz
vermelha piscando intermitentemente avisa que é preciso recarregar o aparelho,
que leva três horas para alcançar o pico de energia. Para não ficar o tempo
todo perto da tomada, o homem tem uma extensão que lhe permite caminhar no
mesmo ambiente ou ir a outro cômodo.
Algumas
vezes, prefere deixar a tornozeleira carregando enquanto dorme, para poder
aproveitar mais o dia seguinte.
O
equipamento não pode ser removido. Por isso, deve ser utilizado até durante o
banho.
Às
segundas-feiras, o primeiro compromisso é se apresentar
ao fórum, para mostrar que está respeitando a liberdade condicional.
Como é
dono do próprio negócio e tem uma profissão que não requer muita mobilidade,
pode adotar o regime de home office, que tem facilitado bastante a nova
vida.
As horas
que perderia no trânsito dedica à escrita de um livro sobre o próprio caso. Os fins de semana se tornaram bem entediantes.
Isso
porque nesses dias ele está proibido de deixar a própria residência. Antes, aos sábados e aos domingos, costumava frequentar a casa de
familiares e amigos, além de passear no shopping e levar os filhos ao cinema.
“Sinto-me como aqueles criminosos exibidos em filmes que usam uma corrente
ligada a uma grande bola de ferro”, resumiu.
Além
da restrição do direito de ir e vir, o homem é obrigado a lidar com o
preconceito. A simples
caminhada num parque perto de casa provoca olhares desconfiados e julgamentos
de quem vê a tornozeleira.
Esse
comportamento se repete em outros estabelecimentos. Ao
ir ao banco, o homem logo avisa o segurança que usa o equipamento, a fim
de o agente liberar a porta giratória, caso ela trave por algum motivo, e gere
filas na entrada da agência.
De modo a
evitar mais constrangimentos, mudou o jeito de se arrumar. Mesmo em dias de calor, veste uma calça comprida, com a
finalidade de esconder a tornozeleira. O homem faz o mesmo quando está
na presença dos filhos e de conhecidos.
Nem os
funcionários da empresa de sua mulher o pouparam de se sentir mal. No primeiro dia que chegou ao local,
após sair da cadeia, lembra-se do ambiente emudecido e das feições de poucos
amigos. “Um cemitério era mais feliz”,
observou, ao mencionar ter ouvido cochichos e risadas de deboche enquanto
caminhava até a sala em que ela trabalha. “Vergonha
e humilhação tomaram conta de mim num local que deveria ser meu refúgio.” Apenas
duas pessoas ali o recepcionaram com alegria, mas longe dos olhares de
reprovação dos demais colegas. Um empregado confidenciou a ele comentários que
ouvira, durante a estadia do homem na Papuda. “’Isso que dá ter ido bagunçar
em Brasília’ e ‘bem-feito’ foram coisas que ouvi”, contou.
“O pior é
não saber quando isso vai ter fim. Tenho de viver todos os dias com a sensação
de que a polícia pode vir me prender. É um pesadelo”
Amigos e conhecidos,
também se afastaram. O abismo
entre o homem e o resto da sociedade ficou claro quando
ele participou de um encontro religioso, dias depois de conseguir a
condicional. Ele ouvira um comentário, de alguém
que sempre se apresentou como amiga, segundo o qual a sua tornozeleira
estaria afastando as pessoas que frequentavam o espaço.
Lembranças
do cárcere Assim como a maioria dos manifestantes, o homem
foi capturado por policiais no Quartel-General do Exército (QG), no dia
seguinte aos atos de vandalismo na Praça dos Três Poderes, dos quais garante
não ter participado. Segundo ele, sua presença em
frente ao QG se deu em razão do descontentamento com o governo Lula e com o
ensino da ideologia de gênero nas escolas, apoiado pela extrema
esquerda.
Durante o
tempo que passou na Papuda, ocupou três celas diferentes. Na primeira, dividiu
com 19 pessoas um espaço com capacidade para oito. O
homem se lembra de noites em que a água da chuva ensopava colchões e
cobertores, da má qualidade do alimento, da zombaria de carcereiros, do forte
odor que vinha do banheiro comunitário e de momentos de acirramento de ânimos
entre os detentos.Na segunda cela, o número de pessoas era
reduzido, assim como na terceira.
Apenas
depois de 20 dias preso, conseguiu falar com advogados, por meio de videoconferência.
Nesse momento, espantou-se consigo mesmo na câmera, por
causa da barba comprida e da magreza — perdeu 12 quilos em 70 dias.
No mesmo
período, conseguiu uma colher para comer, o que facilitou o consumo de mais
alimento.
Antes de
obter o talher, comia com a tampa da marmita.
Posteriormente,
os restos do recipiente se tornavam material para jogos entre os presos, como
um tabuleiro de damas, por exemplo.
Semanas
depois, o homem conseguiu ter acesso a papel e caneta,
os quais usou para fazer registros do dia a dia na cadeia, além
de apelar e agradecer a Deus com passagens da Bíblia. “Estou firme e confiante”,
escreveu em uma das notas. “Neste momento, isolo o meu campo vibracional dos
demais presos da cela.” Após conseguir um alvará de soltura do STF, fez
uma citação às deidades cristãs: “Querido Deus, mestre Jesus. Eu agradeço
por conceder a graça de ser liberto e responder em liberdade do que me acusam”.
Sem data para acabar
Hoje, apesar de distante da Papuda, o homem ainda se sente preso e tem um
comportamento diferente do normal. Nas ruas da cidade, caminha como se tivesse
pressa, muito embora sem um compromisso importante marcado, com o corpo
retraído e mãos nos bolsos. Qualquer gesto de alguém que se aproxima atrai os
seus olhos atentos, como se quisesse prevenir-se de
algo que vem em sua direção.
“O pior é
não saber quando isso vai ter fim”, desabafou, ao derramar algumas lágrimas. “Tenho de viver todos os dias com a sensação de que a polícia
pode vir me prender. É um pesadelo.” A mesma sensação se estende a
amigos e familiares. Segundo ele, sua mãe, a mulher e os filhos procuram manter
a normalidade em relação a tudo, porém, também vivem sob tensão. “Eles também viraram prisioneiros da incerteza e do medo”, observou.
Desde que
saiu da Papuda, o homem tem feito tratamento psicológico, com apoio religioso. Além disso, está encontrando
meios de ajudar a mulher a pagar as contas, visto que a empresa dele perdeu
clientes e, enquanto esteve preso, apenas a esposa custeou as despesas do
imóvel, como água e luz, e a parcela da casa, que é financiada. Para ajudar no
orçamento do casal, o homem vendeu o próprio carro, tão logo deixou a
penitenciária. Agora, a família usa apenas um automóvel. O homem afirmou que
três coisas o mantiveram firme no cárcere, às quais pretende continuar
apegado: a religião espírita, a mulher e sua família.“Sem isso, não sei o que teria sido de mim lá dentro”, disse. “São a minha
estrutura. Sei que vamos atravessar essa tempestade, juntos.”