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sexta-feira, 1 de setembro de 2023

O promotor deveria ter ouvido o juiz - Augusto Nunes

 Revista Oeste

Por ter ignorado a voz da sensatez, Alexandre de Moraes desconhece a importância do comedimento

Foto: Shutterstock
 
Ennio Bastos de Barros tinha nome, jeito, cara e modos de juiz de Direito. Coerentemente, ele comandava a comarca de Taquaritinga nos tempos em que minha turma já encerrara a primeira infância mas ainda estava longe da adolescência. 
O uniforme coletivo era o imposto a todos os menores de 11 anos nas horas do dia em que não estávamos na escola ou dormindo: camiseta com a cor do time do coração, barata demais para incluir o distintivo no peito e um número nas costas, e aquele detestável calção improvisado pela mãe ou por alguma tia com a amputação, milímetros acima do joelho, das pernas de uma calça de adulto derrotada pelo tempo. 
 
Não havia no bando de moleques nenhum caso de polícia, tampouco delinquentes mirins em gestação
Mas, por via das dúvidas, convinha adotar medidas preventivas que nos mantivessem fora da mira dos homens da lei. 
O jogo de futebol na rua de terra, por exemplo, era interrompido assim que despontava na esquina da General Glicério com a Rio Barbosa, perto das 2 da tarde, aquele homem de terno e gravata, semblante grave, cada fio de cabelo em seu lugar, caminhando em direção ao fórum
Entrincheirados sob a parreira no corredor que levava ao quintal a casa dos meus pais, tanto os inocentes de carteirinha quanto os pecadores compulsivos, que nunca escapavam de pelo menos 80 ave-marias e 30 padre-nossos a cada escala no confessionário, uniam-se na reverência silenciosa.
 
(...)
 
Se tivesse um pouco mais de juízo, o promotor que acusava culpados e inocentes com a mesma convicção furiosa talvez virasse ministro do Supremo Tribunal Federal. Prender gente era a coisa que mais apreciava. Em contrapartida, o antigo juiz da comarca se sentiria tão à vontade no Pretório Excelso destes tempos estranhos quanto um Winston Churchill no Ministério do governo Lula. 
Primeiro nos fóruns de pequenas cidades interioranas, depois como desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, enfim como advogado, o jurista morto em fevereiro de 2017 sempre soube mostrar como é (e como age) um magistrado de nascença
Essa linhagem só tem vagas para quem condena ou absolve com base nos fatos — e somente nos fatos —, toma decisões amparado nos autos do processo, obedece sem hesitações ao que a lei determina, sabe que para quem julga a parcialidade é o oitavo pecado capital, ama a verdade acima de todas as coisas e tenta teimosamente transformar em 11º mandamento uma cláusula pétrea — “Todos são iguais perante a lei” — esquecida no baú das utopias constitucionais. Não é pouca coisa. 
 
Se ainda estivesse entre nós, o grande juiz certamente reprovaria o desempenho dos ministros que controlam o Supremo Tribunal Federal
Mas não é tudo. Juízes de nascença também aprendem ainda no berçário a tratar com carinho o idioma nacional. 
Autor de vários livros, bom orador, Ennio Bastos de Barros não se limitou a escrever e falar com exemplar elegância. 
Também fez o que pôde para impedir que a língua portuguesa fosse submetida a medonhas sessões de tortura por promotores de Justiça e advogados. 
 
Em março de 1968, por exemplo, ele trabalhava na 10ª Vara Cível de São Paulo quando recebeu um texto produzido pelo defensor do réu de uma ação de despejo. Inconformado com o que considerou uma prova veemente do “primarismo palmar” do bacharel, o magistrado resolveu que era hora de conter a disseminação de crimes contra o idioma praticados por doutores semialfabetizados.

(...)

Se ainda estivesse entre nós, o grande juiz certamente reprovaria o desempenho dos ministros que controlam o Supremo Tribunal Federal. Mas é improvável que se surpreendesse com o que anda fazendo Alexandre de Moraes há mais de quatro anos. 
O magistrado vocacional o conheceu em novembro de 1997, quando o promotor de 29 anos apenas esboçava o estilo que seria aperfeiçoado depois da chegada ao STF.  
À frente de um grupo de integrantes do Ministério Público, Moraes convocou uma entrevista coletiva para comunicar que havia denunciado Paulo Maluf por improbidade administrativa. Durante o falatório, responsabilizou Maluf pela compra superfaturada de frangos durante sua passagem pela prefeitura de São Paulo.
 
Advogado do ex-prefeito, o desembargador aposentado foi à réplica: “Ao dar como certo o que ainda lhe caberá provar, o promotor não guarda o necessário comedimento”.  
Segundo os dicionários, comedimento quer dizer austeridade, autocontrole, circunspecção, compostura. Todos os termos combinam com Ennio. Nenhum rima com Moraes, confirmou a reação do impetuoso promotor: “Nenhuma ameaça vai impedir que o Ministério Público continue seu trabalho técnico de defesa do patrimônio público”, caprichou na redundância. Em público, de novo. Enxergando ameaças imaginárias, como sempre. Maluf acabou ganhando a causa.
 
 (...)
 
O desempenho do centroavante rompedor do Timão da Toga atesta que Moraes preferiu ignorar a voz da razão. Essa decisão infeliz condenou o jovem promotor nada comedido a tornar-se um ministro cinquentão sem compostura.
 
Leia também “Haja covardia”
 
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Coluna Augusto Nunes - Revista  Oeste

 

 

domingo, 30 de julho de 2023

Big Brother Flamengo: soco em Pedro deixa comissão técnica no paredão

O Flamengo contrariou o negacionismo de Gabriel Barbosa depois da grande virada por 2 x 1 contra o Atlético-MG, no Independência. Há 59 dias, o camisa 10, um dos líderes do elenco, saiu em defesa do ambiente interno com uma analogia: “O Flamengo não é Big Brother, com câmera, fofoquinha”, desabafou ao rebater matérias indicando clima pesado no vestiário, com racha no plantel e dificuldades no relacionamento com o técnico Jorge Sampaoli. O grave “Caso Pedro” desmente o discurso.

 

 Agressão de Pablo Fernández a Pedro deixa elenco e comissão técnica rachados. Foto: Gilvan de Souza/Flamengo

A noite de sábado comprovou: o Flamengo era um barril de pólvora prestes a explodir. A exibição extraordinária do meia Uruguaio Arrascaeta, autor do gol de falta e da assistência milimétrica para Wesley na vitória contra o Galo, em Belo Horizonte, deu lugar a uma agressão: o preparador físico Pablo Fernández deu soco no rosto de Pedro. 
Deu BO. A violência virou caso de polícia
O centroavante sofreu corte na boca e foi submetido a exame de corpo de delito no IML.

 Parceiro de Jorge Sampaoli na comissão técnica nas passagens por Athletic Bilbao, Atlético-MG, Olympique de Marseille, Sevilla e Flamengo, Pablo Fernández foi ouvido pelo delegado plantonista da Polícia Civil de Minas Gerais, Marcos Pimenta. O zagueiro Pablo e o atacante Everton Cebolinha prestaram depoimento como testemunhas. “Foram uníssonos em dizer que Pedro foi agredido com um soco na boca”, revelou o Marcos Pimenta.

 AQUI NÃO E BIG BROTHER OLHA O QUE GABIGOL DISSE APÓS VITORIA DO FLAMENGO! NOTICIAS DO FLAMENGO

  O elenco rubro-negro está de folga neste domingo. A diretoria foi avisada pelos líderes que o plantel não se reapresentará nesta segunda-feira se Pablo Fernández for ao Ninho do Urubu.  
Gabriel Barbosa se esforçou para blindar o vestiário, mas o espaço sagrado está exposto. 
Virou Big Brother com direito a Pedro no confessionário e Pablo Fernández no paredão. 
Não somente ele. O técnico Jorge Sampaoli também
Qual é o nível de cumplicidade, o elo entre os dois?
[O plantel do Flamengo está corretíssimo; se o marginal agressor do  Pedro ao menos passar perto do Ninho do Urubu, eles não devem se apresentar e se o Sampaoli ousar defender o bandido agressor deve ter expulso.
Até o Gabriel se ousar, para manter a imagem que tentou transmitir no vídeo, efetuar qualquer gesto contra atos contra o preparador físico, pode e deve ser boicotado.]

Blog drible de corpo - Correio Braziliense
 

sábado, 18 de fevereiro de 2023

Os direitos constitucionais da corrupção - Percival Puggina

Nota do autor: estas reflexões me ocorrem quando penso nos muitos formadores de opinião sumariamente privados de sua fonte de subsistência porque contrariaram os donos do poder. Há algo muito errado aí.

         A combinação da Operação Lava Jato com a jurisprudência que permitiu o cumprimento provisório da pena após a condenação em segunda instância foi a versão moderna da pesca milagrosa.  
Jamais se vira algo assim fora do Mar da Galileia! 
Era muito peixe graúdo na rede. A cada arrastão, a malha se fechava sobre poderosos empresários, executivos de inimagináveis salários, figuras destacadas da cena política nacional, tesoureiros e operadores de partidos políticos. 
Saqueada e abusada, durante década e meia, a nação passou a ser informada sobre o escândalo de cada dia. E cada dia tinha o seu enquanto viaturas da Polícia Federal agitavam as alvoradas em operações de estranhíssimos nomes. Um bálsamo para quem tem senso de justiça e se indigna ante o assalto ao patrimônio da sociedade.

Em longa tradição do Direito Penal brasileiro não havia interdição a que o réu, condenado em segunda instância, iniciasse o cumprimento da pena de prisão. Esse foi o entendimento até que, em 2010, o STF fez valer a letra fria e visionária do inciso LVII do art. 5º da Constituição Federal: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença criminal condenatória”. Um desastre. Os processos eram empurrados para frente e para longe com os talões de cheques.

Ficou tão difícil ficou prender bandido rico que, em 2016, o mesmo STF retornou à orientação anterior. Foi um ano fervilhante! A operação Lava Jato desvendava os fundilhos da República, a justiça profissional de primeiro e segundo grau acelerava o passo e o recolhimento à prisão era ameaça bem próxima no horizonte dos criminosos.

Formou-se fila para as colaborações premiadas. Fila de confessionário em domingo de Páscoa.  
Todos se apressavam em colaborar com a Justiça, devolver dinheiro roubado, entregar bens e anéis mal havidos para salvar os dedos, cobrar o prêmio da colaboração e poder usar o banheiro de casa. 
Subitamente, com a nova orientação, renascia a prática do exame de consciência e ninguém tinha dúvida sobre as próprias culpas. 
 
No contundente diagnóstico do senador Romero Jucá, tornou-se urgente “estancar a sangria”. Frear a Lava Jato. 
O modo cirúrgico de suturar a artéria e parar os vazamentos incluía a participação do STF. 
Fazia-se necessário acabar com a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância. Afinal, a Constituição diz que só depois de sentença criminal condenatória transitada em julgado, certo?

Certo, mas errado. O preceito se opõe à proteção da sociedade, impede a realização da justiça, desmoraliza os juízos de primeiro e segundo graus, distribui a esmo atestado de inocência a criminosos que são verdadeiros flagelos sociais engravatados, muitos dos quais já condenados, sobre cuja culpa não cabe dúvida alguma e em relação a quem a sociedade tem o direito de cobrar sanção penal.

Mude-se, então a Constituição, exigem os falsos ingênuos. Eles sabem, porém, que o Congresso Nacional dificilmente o fará porque é tudo que os criminosos com mandato parlamentar não querem, ora essa! Bastaram seis anos com a “nova convicção” do STF para a corrupção se reerguer politicamente e voltar ao governo, inclusive mandando ao raio que a parta a Lei das Estatais, que saneou essas instituições vedando em seus órgãos de direção a presença de políticos e pessoas não qualificadas.

A luta de vida ou morte contra a corrupção e a impunidade prossegue. Na Câmara dos Deputados, Deltan Dallagnol propôs criar uma Comissão Especial para estudar emenda à Constituição que viabilize a prisão após condenação em 2ª instância; 
- no Senado, Sérgio Moro consegue as 27 assinaturas necessárias para desarquivar projeto de lei dispondo sobre a matéria. E o STF?  Constrange, dói na alma dos cidadãos cumpridores de seus deveres, que reconhecem a importância das instituições, ter que se perguntar, diante de possíveis futuras decisões do Congresso Nacional, se o Supremo abandonará a nação no relento da impunidade.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

quarta-feira, 22 de abril de 2015

A Porta dos Fundos



Chega de política. Vou falar de sexo. Antes, havia a “sexpol”, bandeira da política sexual dos anos 1960. Hoje, temos no máximo a “polsex”, ou seja, como as ideologias dançaram, só a sexualidade explica muitos rumos do mundo e, claro, do Brasil, nosso grande motel das ilusões perdidas. Na verdade, falarei só sobre uma parte muito importante da sexualidade: a bunda.

Há um tempo, escreveram na internet um artigo com meu nome, onde meu “falso eu” dizia que mulher não precisa ter bunda dura e que as celulites eram bem-vindas. Na rua, veio uma senhora toda contente e me declarou: “Eu tenho bunda mole!” e saiu sorridente pelo artigo que eu “não” escrevi. Por isso, escrevo hoje sobre a “bunda”, a famosa “preferência nacional”, um dos poucos monumentos culturais que ainda nos restam. Por isso, e para esquecer nossa pornopolítica , escrevo, como um apócrifo de mim mesmo.  Vamos a isso. Visto de frente, o Brasil anda para trás, parece um ex-Brasil. Por isso, vou olhar pela porta dos fundos: a bunda. A palavra já soa imprópria, obscena, já traz um adjetivo acoplado. Por isso, desculpem-me os leitores, mas a palavra “bunda” é a única de que dispomos. Temos eufemismos com “nádegas”, doces apelidos como bumbum, mas o termo que usamos na vida diária é bunda mesmo, com a ressonância africana dos “bundos”, de onde vieram as vênus negras que nos miscigenaram.

A bunda não começou no descobrimento do Brasil; as índias, apesar de “oferecidas”, não as tinham avolumadas, mas escorridas “em pera” , barrigudinhas e frágeis. A bunda começou nas senzalas com senhores inflamados pelas negras, longe do tédio das sinhás.  Há uma espantosa separação entre a bunda e a dona da bunda. A bunda fica mais importante do que sua dona. Conheci uma moça que ficou meio paranoica por causa do lindo rabinho que portava. Quando conversávamos, não era a ela que servíamos, mas à “outra”. Ela vivia com ciúmes de si mesma, e sua bundinha parecia dizer: “prestem atenção nela; ela também é gente...”.

Reparem que as mulheres de bunda bonita, mesmo quando estão de frente, estão de costas para nossos olhos. As mulheres de frente são mais inquietantes, porque são “sujeitos” com rosto e alma. Já as mulheres de costas aparentam um caráter mais passivo, mais “objetal”, diriam os filósofos.  O desejo pelas costas é a defesa contra os perigos da vulva. A bunda é estéril; não inquieta como a vagina e seu mistério profundo. A bunda não procria — muito pelo contrário. Eu já vi belas bundinhas no passado, nas areias de Ipanema, e elas tinham uma florescência espontânea, inocente.

Naquele tempo, não havia muito estímulo à punhetinha; raras eram as revistas pornográficas. Hoje, tanta oferta sexual angustia-nos, mostra que nosso desejo é programado por indústrias masturbatórias, provocando tesão para vender satisfação.  Nunca vimos tanta publicidade movida a sexo. A propaganda nos promete uma suruba transcendental. Em nenhum lugar do mundo vemos esse apelo sexual nas ruas, nas roupas das meninas nosso feminismo resultou nisso. Quase todos os outdoors são de mulher nua — outro dia quase bati o carro por causa de um cartaz com uma lourinha nua da “Playboy”.

Hoje sexo é uma imagem farta e colorida. Na época, punheta era literatura; para nos excitar tínhamos de imaginar complicadas tramas de suspense com estrutura de filme policial e o que acendia o desejo eram justamente os obstáculos a vencer até a satisfação final.  Babávamos sim diante das vedetes do teatro rebolado, de Angelita Martinez, de Carmen Verônica, Luz del Fuego, mas elas eram pessoas verídicas, inteiras, e sua nudez tinha algo de transgressivo, de liberdade e luta. Hoje as mulheres travam uma competição frenética de bundas e seios e eu me pergunto: O que querem elas provar? Querem nos levar para o fundo do mar como sereias, querem destruir os lares, querem mostrar que o sexo sem limites resolverá os problemas do Brasil?

E agora, nesses tempos sinistros, surgiu a bunda industrial. Ela fatura milhões para as revistas de sacanagem. Elas programam nosso desejo e limitam a imaginação criadora dos praticantes do vicio solitário, como chamavam os padres no confessionário.

A bunda virou um instrumento de ascensão social. Mesmo nossas meninas mais românticas, sonhando com casamento e filhos, são obrigadas a rebolados cada vez mais desbragadas. Milhões de menininhas pelos grotões do país se olham no espelho e pensam: “Vou subir na vida”. A bunda é um capital. A pessoa não tem mais um corpo; o corpo é que tem uma pessoa, frágil, tênue, morando dentro dele. O corpo e a pessoa são duas coisas diferentes; a menina mostra sua bunda como se fosse uma irmã siamesa.

Agora, com o surgimento da bunda digital na internet, a bunda perdeu aquela aura de objeto único, “erguida no altar de nosso desejo” (arggh!). Viraram bundas em streaming, olhadas com tédio por nossos garotos, como um videogame superado. Depois da bunda, o que virá, já que a indústria cultural pede sempre mais? Ânus luminosos, entranhas profundas, o avesso do corpo?

No século XXI, nasce a bunda distópica, a “pós-bunda”, pela fragmentação do desejo. Desejamos as partes, mas tememos o conjunto. O chamado “objeto total” de Melanie Klein (aquela mulher sem bunda e com seios enormes) foi substituído pelo objeto perverso, parcial, deliciosamente irresponsável, “da ordem do demônio”, ao contrário dos seios, “objetos de Deus”.

Hoje, com a sonda cósmica pousando em cometa, com robôs capinando em Marte, em meio à crise mundial, nós olhamos a bunda: a porta dos fundos, a entrada de serviço, em que talvez fiquemos para sempre. A bunda é nosso destino histórico.

Por: Arnaldo Jabor – O Globo

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Derrota anunciada



O desfecho de derrota anunciada para o governo na disputa pela presidência da Câmara poderia ter sido outro se os estrategistas do Palácio do Planalto tivessem dado ouvidos ao ex-presidente Luiz Inácio da Silva, desde o início favorável à construção de um acordo entre o PT e o PMDB. Na última semana o governo ainda tentou "criar um clima" de virada disseminando a versão de que a pressão sobre os deputados em favor do petista Arlindo Chinaglia produziria resultados de última hora.

A ficha da realidade, porém, caiu na sexta-feira à noite quando já era tarde demais e uma oferta de acordo - feita por escrito, com a letra do ministro das Relações Institucionais, Pepe Vargas - acabou consolidando a confiança de Eduardo Cunha e companhia na vitória. Ao ponto de ser recusada uma tentativa de "embaixada" feita por Lula por intermédio do prefeito do Rio, Eduardo Paes.

Naquela altura as contas, feitas e refeitas, já lhes eram favoráveis o suficiente para não haver espaço nem razão para um recuo. Cunha estava praticamente com a presidência da Câmara nas mãos, o que o governo teria a oferecer?  Em um papel levado pelo deputado Sandro Mabel (desde ontem sem mandato) ao gabinete da liderança do partido onde estavam reunidos os pemedebistas, Pepe Vargas propunha de início o seguinte: Os dois candidatos e as respectivas bancadas partidárias fariam uma reunião e anunciariam que o melhor para ambos os parceiros de governo seria um esforço de unidade. A paz (teatral) estaria, assim, sacramentada.

A sugestão incluía mais dois itens de pressupostos para o acerto. Um deles, a retirada de partidos de oposição do bloco de apoio a Eduardo Cunha. Outro, o compromisso de rodízio de ocupação da presidência da Casa, tal qual havia sido feito quando da escolha de Arlindo Chinaglia em 2007 e sua substituição por Michel Temer (PMDB) em 2009 e depois uma nova rodada com o petista Marco Maia e o pemedebista Henrique Eduardo Alves.

Recebida a proposta, Cunha trancou-se no "confessionário" - um minúsculo espaço no gabinete reservado para conversas a portas fechadíssimas - com gente de confiança e concluiu: a oferta era um sinal evidente de fragilização do outro lado.  Poderiam, portanto, ficar tranquilos. O adversário havia "piscado", reconhecendo a impossibilidade de vitória no enfrentamento.

Eduardo Cunha, então, disse a Mabel que não teria como aceitar. Não iria romper compromissos assumidos anteriormente com partidos de oposição (DEM e Solidariedade), tampouco teria como assegurar o compromisso de rodízio lá na frente. As circunstâncias são outras. Eleito agora com votos de boa parte da base aliada revoltada com o PT, não haveria garantia hoje de que esses mesmos partidos estivessem dispostos a apoiar um candidato petista em 2016. 

Acordo recusado, dali a pouco telefona para Eduardo Cunha o prefeito do Rio falando em nome de Lula para sondar se não havia ainda alguma possibilidade. Com todo apreço que o público ali reunido dedica aos meios e modos de Lula fazer política (em contraponto à presidente Dilma), as condições da disputa estavam dadas, não havia como mudá-las, assunto encerrado. Depois disso o governo ainda se enrolou todo ao tentar negar o inegável, alegando que a proposta de acordo partiu do PMDB. Pois é, para quê se a vantagem estava com o partido?

Fica do processo como um todo, e desse episódio em particular, a evidência de que não é só a condução da economia que precisava de correção. A pilotagem da política carece de mãos calejadas, cabeças organizadas, sangue frio e pés no chão. Tipo do ofício em que vocação é posto.

Fonte: O Estado de São Paulo - Dora Kramer, colunista do Estadão