Blog Prontidão Total NO TWITTER

Blog Prontidão Total NO  TWITTER
SIGA-NOS NO TWITTER
Mostrando postagens com marcador pena de reclusão. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador pena de reclusão. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 8 de junho de 2017

Coração de mãe

Quem tinha o dever de sustar toda a ilegal negociação foi iludido pelos irmãos Batista

A delação dos irmãos Joesley e Wesley Batista representou o perdão de crimes cujas penas somadas poderiam alcançar de 400 anos a até 2 mil anos de prisão, informou Marcelo Godoy no Estado. Ainda que impressionem, os números não vão ao extremo. Se o juiz tivesse mão pesada, a pena podia chegar a quase 2.500 anos de cadeia.

A conclusão é resultado de uma simples conta aritmética. Os irmãos Batista contaram à Procuradoria-Geral da República (PGR) que tiveram 240 condutas criminosas, sendo 124 casos de corrupção e 96 de lavagem de dinheiro. Para compilar a listagem completa dos crimes, foram necessários 42 anexos, entregues ao Supremo Tribunal Federal (STF). Pois bem, a Lei 12.683/2012 prevê pena de reclusão de 3 a 10 anos, além de multa, para quem comete o crime de lavagem de dinheiro. Já o Código Penal estabelece para o crime de corrupção ativa a pena de reclusão de 2 a 12 anos, mais multa. Se fossem aplicadas penas máximas às condutas narradas, a pena dos irmãos Batista chegaria a 2.448 anos.

Diante desse expressivo passivo penal, o mínimo que se deveria esperar da PGR era uma extrema prudência na negociação com os irmãos Batista, sem deixar margem para que a tão contumazes criminosos o crime compensasse. Ao mesmo tempo, todo esse histórico criminal conferia uma confortável posição de negociação à Procuradoria, já que os irmãos Batista tinham muito a acertar com a Justiça. A não concretização do acordo de colaboração premiada deixaria os srs. Joesley e Wesley numa situação delicada, expostos a várias investigações criminais. Como se vê, havia muito terreno para negociar, já que era possível recortar muita pena e ainda sobrar outro tanto, dando-se por cumprida, ainda que imperfeitamente, a lei penal.

E no caso de ainda a Procuradoria-Geral ter alguma insegurança a respeito de suas margens de negociação, ansiosa que estava por não perder a oportunidade de saber quais eram aqueles graves crimes que os irmãos Batista tinham a delatar, a PGR podia se valer do exemplo proporcionado pela negociação com o sr. Marcelo Odebrecht. Não foi preciso perdoar-lhe todas as penas para que o empreiteiro contasse o que sabia. Surpreendentemente, a PGR não aproveitou qualquer espaço de negociação de que dispunha e concedeu, assim se lê no termo do acordo de colaboração premiada assinado com o sr. Joesley Batista, “o benefício legal do não oferecimento de denúncia” em relação a todos “os fatos apresentados nos anexos (...), objeto de investigação criminal já em curso ou que poderá ser instaurada em decorrência da presente colaboração”.

Sem dúvida, o caso dos irmãos Batista constituirá um capítulo esquisito da história da Procuradoria-Geral. Comprometeu-se a PGR a conceder completo perdão a centenas de crimes com a simples condição de que eles fossem narrados aos procuradores. O que for aqui contado, parece dizer o termo assinado pela PGR, estará imediatamente perdoado. Certamente, a população gostaria de saber a razão de se conceder tamanha indulgência a um pessoal que, pelo que se deduz de suas próprias palavras, não era nada exemplar. Pela lei, seus crimes mereceriam 2 mil anos de prisão.

Como se não bastasse o caráter inexplicável do acordo, fugindo da lógica de qualquer negociação, seus termos são expressamente ilegais, já que a Lei 12.850/2013 veda o benefício concedido pela Procuradoria-Geral da República aos irmãos Batista a quem liderar organização criminosa. O sr. Janot achou que os irmãos Batista não eram os líderes?

A coroar o triste episódio de impunidade, quem tinha o dever de sustar toda essa ilegal negociação também foi iludido pelos irmãos Batista. Para surpresa de uma população que ainda deposita esperanças no Poder Judiciário, o ministro do STF, Edson Fachin, homologou, sem atinar para as evidentes ilegalidades, o perdão dos 2 mil anos de prisão à dupla. Certamente, merece outro nome essa generosidade, que tão flagrantemente fere a lei e os bons costumes.


Fonte:  O Estado de S. Paulo - Editorial 

domingo, 7 de maio de 2017

Ricos não ficam presos

O que está por trás das decisões que permitem conceder a liberdade a pessoas que foram condenadas a cumprir penas que ultrapassam 120 anos de prisão — e por que o sistema penal no Brasil parece incapaz de dar o mesmo tratamento a todos, mantendo os mais pobres presos enquanto solta os que enriqueceram com dinheiro público 

Réu na Justiça Federal do Rio de Janeiro pelos crimes de corrupção ativa, lavagem de dinheiro e organização criminosa, o empresário Eike Batista, que já ostentou o título de homem mais rico do Brasil, foi preso em janeiro num dos desdobramentos da operação Lava-Jato. Por decisão de Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Eike voltou para casa no dia 30 de abril. Está solto.

Também investigada por corrupção e lavagem de dinheiro, Adriana Ancelmo, mulher do ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral, obteve no Superior Tribunal de Justiça (STJ) o direito de deixar a cadeia. Se Adriana fosse uma brasileira comum, a suspeita de que ela pode destruir provas já bastaria para mandá-la de volta ao cárcere — como entende, inclusive, o Ministério Público Federal. Mas, como Eike, ela está solta.

Por que é tão difícil manter preso quem rouba os cofres públicos no Brasil? “Não há uma resposta fácil. Em primeiro lugar, o Código Penal dá um tratamento mais grave a crimes praticados com violência ou ameaça à pessoa, algo que raramente ocorre nos crimes financeiros”, diz a doutora em Direito Penal e professora da Universidade de São Paulo Helena Lobo da Costa. “Além disso, uma pessoa só pode cumprir a pena depois que o processo é ‘transitado em julgado’”, acrescenta, referindo-se às condenações em que não cabe recurso. Em alguns dos casos mostrados nesta reportagem, os réus ainda não foram condenados em segunda instância, o que, segundo o atual entendimento STF, permite que aguardem o julgamento em liberdade. “O advogado pode fazer diferença — ou não”, diz Helena.

Na prática, o sistema judicial coloca em vantagem aqueles que pode impetrar recursos, garantindo que o processo percorra um longo caminho por todas as instâncias e no tempo previsto na lei. Como o sistema penal é falho na outra ponta, para quem conta apenas com a Defensoria Pública ou advogados despreparados, a sensação é que a Justiça trata os brasileiros de forma desigual.

A aparente impunidade dos ricos se torna mais evidente com a delação premiada, procedimento usado nas investigações da Lava-Jato para obter provas. O doleiro Alberto Youssef foi um dos premiados por delatar o esquema de pagamento de propinas em contratos da Petrobras. Condenado a 121 anos e 11 meses de prisão, ficou detido por dois anos e oito meses até passar para o regime domiciliar, monitorado por uma tornozeleira eletrônica.

 O artigo 4º da Lei 12.850 prevê que o juiz reduza a pena de reclusão ou a substitua desde que a delação resulte em avanços no crime investigado. O artigo também lista o que é considerado válido para a obtenção do benefício, como a identificação dos demais envolvidos e a recuperação do produto da ação criminosa. É claro que a Justiça deve oferecer alguma vantagem para o delator que fornece evidências, mas parece desproporcional que o prêmio a quem já se beneficiou de um esquema ilícito seja a redução de quase 120 anos sem seu período de reclusão. “A pena de privação da liberdade tem a função de ressocializar o condenado. Os prêmios desproporcionais dados a quem faz acordos de delação ignoram esse princípio e desfavorecem a noção de justiça”, diz o advogado Walter Bittar, autor do livro “Delação Premiada” (Lumen Juris). “A função da pena é inibir o comportamento que a sociedade não tolera, e por isso deve haver uma correlação entre o delito cometido e o prêmio dado a quem apenas coopera com as investigações, sem ter delatado nada de relevante”, afirma o especialista. Para ele, nada justifica que 73 executivos da construtora Odebrecht investigados na Lava-Jato recebam benefícios por fornecer provas à força-tarefa.

Outros que colaboraram com as investigações e já comemoram a vida em liberdade: Dalton Avancini, ex-presidente da Camargo Corrêa; José Carlos Bumlai, condenado a 9 anos e 10 meses de prisão pelos crimes de gestão fraudulenta e corrupção passiva; e Pedro Barusco, ex-gerente da Petrobras, condenado a 18 anos e quatro meses. Todos soltos.

O crime parece ter mesmo compensado para o ex-diretor de abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa. Condenado a 20 anos, o primeiro delator da Lava-Jato cumpriu parte da pena em regime semi-aberto por apenas um ano. Desde o final de 2016, ele sequer precisa usar tornozeleira ou retornar para casa no fim do dia. “Na prática, os prêmios concedidos ao delator podem chegar até a devolução de valores obtidos de forma ilícita. É como se o Estado estivesse lavando o dinheiro para os criminosos”, diz Bittar. Dinheiro público, infelizmente.

Fonte: Celso Masson