Guilherme Fiuza
“Nossa meta é limpar tudo. E se prepare porque chegará o momento de vacinar os cangurus”
– Onde o senhor vai?
– Não sei ainda. Estou passeando.
– O senhor precisa informar o seu destino.
– Como assim? Eu vou aonde eu quiser.
– Não é bem assim. De qualquer forma, é necessário reportar a rota que o senhor pretende fazer.– Que história é essa? Nunca foi assim.
– Agora é.
– Por quê?
– Segurança.
– Segurança de quem?
– De todos. Segurança sanitária.
– Ok. Se é para o bem de todos…
– Qual o seu destino, então?
– Deixa eu ver… Bem, vou até aquela árvore grande lá no final.
– Vai fazer o que lá?
– Descansar.
– Positivo. Seus documentos, por favor.
– Ué, preciso apresentar documentos pra descansar debaixo de uma árvore?
– Sim. Para estar em qualquer lugar, o senhor precisa mostrar seus documentos.
– Quais?
– Basta o passaporte vacinal.
– Não tenho.
– Então o senhor está preso.
– Preso por quê? Ninguém me disse que eu precisava me vacinar.
– O senhor não lê jornal? Não vê televisão?
– Não.
– Por quê?
– Porque sou um canguru.
– Ah, perfeitamente. Não tinha reparado.
– Tudo bem.
– De qualquer forma, preciso prosseguir com a abordagem: o que o senhor tem nessa bolsa?
– Nada. Já falei, sou um canguru.
– Entendo. Mas os cangurus não guardam nada na bolsa?
– Às vezes carregamos nossos filhos.
– O senhor não tem filhos?
– Não é da sua conta.
– Assim vou ter que detê-lo por desacato.
– Não quis ofendê-lo.
– Ok. Já vou encerrar a abordagem. Só mais uma pergunta: o senhor joga tênis?
– Não. Cangurus não jogam tênis.
– Entendo. Mas o senhor conhece um elemento chamado Novak?
– Novak de quê?
– Novak Djokovic.
– Ele é canguru?
– Não. É um humano negacionista.
“Se o senhor estiver me escondendo algum vínculo com o elemento Djokovic, depois vai ser pior”
– Nem sei que espécie é essa. Só conheço cangurus.
– Estranho. Não se relaciona com mais ninguém?
– Por quê? Deveria? Nasci aqui mesmo, sempre me bastaram os cangurus.
– Estranho. Bem, de qualquer forma, saiba que se o senhor estiver me escondendo algum vínculo com o elemento Djokovic, depois vai ser pior.
– Pior que essa conversa?
– Sim. Teremos de recolhê-lo aos campos de covid.
– A Austrália mudou mesmo.
– E ainda vai mudar mais.
– Imagino.
– Nossa meta é limpar tudo. E se prepare porque chegará o momento de vacinar os cangurus.
– …
– Por que o senhor está pulando?
– Porque sou um canguru.
– Mas ainda não liberei a sua ida para debaixo da árvore.
– Não estou mais indo pra lá.
– Para onde o senhor está indo, então?
– Para a Sérvia.
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Guilherme Fiuza, colunista - Revista Oeste