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terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Entre vaias e segredos



Alguns segredos da Petrobras sob Gabrielli começaram a ser desvendados. As vaias no avião sugerem a torcida para que seja tudo revelado.
Ele se surpreendeu ao voltar de uma viagem a Portugal, dias atrás. Primeiro, com ocasionais zombarias dentro do avião, audíveis o suficiente para incomodá-lo durante toda a travessia do Atlântico. Na chegada, sob um coro de vaias a bordo, o baiano José Sérgio Gabrielli de Azevedo, 65 anos, achou melhor desembarcar e procurar outro voo rumo a Salvador.
Um dos personagens mais influentes da era Lula, Gabrielli trocou o circuito acadêmico dos economistas em 2003 pela cadeira de diretor financeiro da Petrobras. Embarcado na presidência em 2005, ali ficou por sete anos. Tornou-se o mais longevo entre os 34 que comandaram a estatal nas últimas seis décadas.

Saiu há dois anos e nove meses, com a fantasia da candidatura ao governo da Bahia pelo PT. O sonho se perdeu na poeira da confusão crescente nas últimas 132 semanas sobre a sua gestão na Petrobras: num breve passeio pela sede da empresa, na Avenida Chile, no Centro do Rio, percebe-se como a maior estatal brasileira virou um conglomerado de advocacia e contabilidade, que também produz petróleo e derivados.

Metade da diretoria comandada por Gabrielli, até fevereiro de 2012, é alvo de investigações por corrupção e lavagem de dinheiro no Brasil, nos EUA, na Holanda e na Suíça. Dos seis ex-diretores, dois estão presos. Balanços estão em revisão, e auditores ainda relutam em subscrever a contabilidade de novos ativos, entre eles os da refinaria Abreu e Lima (US$ 20 bilhões), do Comperj (US$ 15 bilhões), de plataformas e sondas (US$ 17 bilhões). Os gastos nessas três áreas equivalem à soma do Produto Interno Bruto do Uruguai, do Paraguai e da Bolívia.

Gabrielli, claro, não pode ser culpado pelo roubo alheio. Mas sua administração, caracterizada pela aversão à crítica pública e pela intolerância à fiscalização externa, produziu coisas como um gerente que confessa ter amealhado US$ 90 milhões em propinas. Ele legitimou o regime de partilha dos negócios da estatal entre o condomínio partidário de apoio ao governo Lula. Exacerbou na emulação de projetos reconhecidamente deficientes, todos com orçamentos sigilosos.

O Tribunal de Contas, por exemplo, atravessou anos cobrando a apresentação dos estudos de viabilidade das refinarias Abreu e Lima (PE), Premium 1 (MA) e Premium 2 (CE) e do Comperj (RJ). Gabrielli jamais entregou. Fazia do segredo uma rotina administrativa. Em 2009 o TCU insistiu no envio, por meio eletrônico, das estimativas de custos da Petrobras para construção de duas plataformas. Gabrielli respondeu ao tribunal com uma irônica montanha de papel planilhas  Excel impressas. Sem a memória de cálculo, exclusiva do formato eletrônico, a auditoria era inviável. “A conduta é culpável”, concluiu a corte.

Na época, o Congresso acenou com uma CPI. Gabrielli respondeu com a apresentação de um blog, em torno do qual perfilou uma tropa de 1,1 mil empregados e contratados, para “defesa” da Petrobras. Um dos diretores presos, Paulo Roberto Costa, contou à Justiça sobre “providências” para subornar opositores e impedir a CPI, extinta cinco meses depois. Se a história for comprovada, tem-se um risco de prisão para toda a cadeia de comando. Alguns segredos da Petrobras sob Gabrielli começaram a ser desvendados. As vaias no avião sugerem a torcida para que seja tudo revelado.

Por: José Casado – O Globo