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terça-feira, 16 de julho de 2019

Questão de interpretação - Merval Pereira

O Globo  

Divergência sobre material vazado de Moro e procuradores

Intercept escolhe que partes quer divulgar, fora de seu contexto integral e, principalmente, escolhe o que não divulgar

A divulgação de diálogos, escritos e falados, atribuídos aos procuradores da Lava-Jato, entre si e com o então juiz Sergio Moro, não revelou nenhuma ação que distorcesse a investigação, que forjasse provas inexistentes, que indicasse conluio contra qualquer investigado da Operação Lava-Jato, muito menos o ex-presidente Lula, o objetivo evidente da operação de invasão de celulares. Estamos até o momento no terreno da interpretação das leis. Assim como o site Intercept Brasil, que divulga o material, tem lado evidente, vendo ilegalidade em todas as conversas entre os personagens, há inúmeros juristas e advogados que entendem ao contrário.

A questão está posta em relação ao nosso processo penal, que tem o mesmo juiz que controla a investigação do Ministério Público e da polícia dando a sentença do julgamento. Nos processos criminais do Supremo Tribunal Federal (STF), para figuras que têm foro privilegiado, acontece o mesmo. O relator do mensalão, ministro hoje aposentado Joaquim Barbosa, foi também quem relatou o julgamento dos réus. No caso das forças-tarefa, a situação é mais limítrofe ainda, pois o juiz controla as investigações, embora seja impedido de participar delas.

Autoriza medidas como quebra de sigilo e interceptações telefônicas, busca e apreensão, ou as proíbe. Colhe depoimentos e determina prisões provisórias. Para dar agilidade ao combate contra os crimes financeiros, a Vara especial de Curitiba existe desde 2003, criada por recomendação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Somente em 2014 a força-tarefa da Lava-Jato foi criada, por decisão da Procuradoria- Geral da República (PGR). Quem organizou a força-tarefa do Ministério Público foi o procurador Deltan Dallagnol, que já trabalhara com o juiz Moro no caso Banestado, no início dos anos 2000.

O procurador integrou a força-tarefa que fez, em 2003, a primeira denúncia contra o doleiro Alberto Youssef. Dallagnol e Moro, portanto, se conhecem há quase 20 anos. Nenhuma ação dos procuradores do Ministério Público nem da Polícia Federal pode ser feita sem uma autorização do juiz. A busca da sinergia entre as diversas corporações que trabalham em conjunto — Ministério Público, Polícia Federal, Receita Federal — é o que dá sentido às forçastarefa. As etapas das operações tinham que ser autorizadas por Moro, como questões logísticas e exigências legais, como formalização de atos. Para isso, juiz e os investigadores têm que conversar para saber se é a melhor hora para fazer tal ação, se é possível atender aos pedidos dos procuradores e da Polícia Federal, se está bem embasado o pedido de prisão, de quebra de sigilo.

O entendimento sobre essa sinergia, que dá maior eficiência ao combate ao crime, é que está em discussão com a divulgação desses diálogos que, em todo caso, os supostos participantes não reconhecem como autênticos na sua integralidade. O problema da maneira como o site Intercept decidiu divulgar o material que recebeu do invasor dos celulares é que a falta da integralidade impede que se tenha condição de verificar a autenticidade dos documentos.

Mais ainda, o Intercept escolhe que partes quer divulgar, fora de seu contexto integral e, principalmente, escolhe o que não divulgar. O trabalho de edição é uma função jornalística, mas a recusa do Intercept de dar acesso ao material, mesmo àqueles que participam da divulgação, não tem uma explicação razoável. O material do WikiLeaks, que divulgou documentos oficiais do governo dos Estados Unidos, foi distribuído a uma cadeia de jornais e revistas, cada uma fazendo sua própria edição, por critérios próprios.

A última leva, por exemplo, com conversas de procuradores entre si e com suas mulheres, sobre a formação de uma empresa para gerenciar palestras, se resume à revelação da intimidade das autoridades, sem nada que justifique a divulgação. A empresa não foi aberta, e as palestras são autorizadas pelo Conselho Nacional de Justiça. Se eventualmente alguém vê sinais de ganância nesse desejo, trata-se de uma conclusão moral, não penal. O erro dos procuradores foi outro, o de propor a criação de um fundo, que eles geririam, com a indenização bilionária que a Petrobras teve que pagar aos Estados Unidos. O fundo foi vetado. Agora, Dallagnol e os procuradores terão que dar explicações à procuradora-geral da República, Raquel Dodge.
O Globo - Coluna do Merval Pereira, jornalista

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Desmonte da Lava-Jato. Já estava quase laçando Lula

Mais quatro investigações correm risco de sair das mãos de Moro

Decisão do STF pode fazer, entre outros, caso Labogen ser desmembrado 

A partir da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no caso Consist, que envolve um acordo firmado pelo Ministério do Planejamento, outros quatro casos correm o risco de deixar a jurisdição da 13ª Vara de Curitiba, comandada pelo juiz Sérgio Moro. O mais importante deles é o do setor elétrico, envolvendo a Eletronuclear. Os outros casos são: Belo Monte, André Vargas e Labogen.

Em depoimento de delação premiada, o ex-presidente da Camargo Corrêa Dalton Avancini afirmou que a empreiteira pagou propina ao PMDB para atuar na construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, no valor de R$ 20 milhões. O empreendimento, de R$ 28 bilhões, é investigado pela Polícia Federal. Foi a Camargo Corrêa que informou sobre o pagamento de propina nas obras da usina Angra 3, no Rio de Janeiro, que resultou na prisão de Othon Silva, ex-presidente da Eletronuclear. 

Outro caso que pode ser desmembrado é o da Labogen. O laboratório de fachada havia firmado convênio com o Ministério da Saúde para produção de princípios ativos. Um ex-frentista de posto, que aparecia como sócio do laboratório, confessou ter arrematado máquinas em ferro-velho e colocado chapa de alumínio para maquiar os equipamentos. A empresa, que tem como sócio Leonardo Meirelles, foi também usada para fazer remessas ilegais ao exterior.

O convênio, que atendia interesses do doleiro Alberto Youssef, foi desfeito. Os réus foram julgados pelo envio de dinheiro para o exterior. Meirelles reúne dados para fechar acordo de delação. Há ainda investigações sobre a Usina de Belo Monte. No acordo de delação, executivos da Camargo Corrêa se comprometeram a dar informações sobre irregularidades na construção.
E há casos que não envolvem Petrobras mas que já foram sentenciados por Moro. Na última terça-feira, Moro julgou o ex-deputado petista André Vargas. Ele foi condenado por receber dinheiro de agência de publicidade que firmou contratos com a Caixa Econômica e com o Ministério da Saúde. Vargas começou a ser investigado por seu relacionamento com Youssef.

TRIBUNAL REVÊ CONDENAÇÃO
Pela 1ª vez uma condenação de Moro, no âmbito da Lava-Jato, foi revista na 2ª instância. Por dois votos a um, a 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) absolveu André Catão de Miranda, que trabalhava para o doleiro Carlos Habib Chater. Ele foi sentenciado a quatro anos por lavagem de dinheiro.
Para Marcelo Moura, advogado de Miranda, a decisão expõe uma suposta “falta de isenção”:

— Há excessos nas prisões provisórias e condenações injustas nesse julgamento odioso e parcial feito pelo juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba. Ele não tem isenção para ver com distanciamento a validade de dados trazidos como provas pela Polícia Federal.

O julgamento da apelação, que foi a 1ª da Lava-Jato a chegar à 2ª instância, terminou anteontem. O tribunal manteve a condenação de Chater, a cinco anos e seis meses, e a de Renê Luiz Pereira, a 14 anos. Os três foram denunciados por um esquema de evasão de divisas, tráfico de drogas e lavagem de dinheiro. [se no julgamento de apelação a sentença da 1ª instância, 13ª Vara Federal de Curitiba, juiz\ Sérgio Moro, foi mantida é seguro indicador do acerto das decisões daquele magistrado.]
Como a decisão não foi unânime, o Ministério Público Federal poderá recorrer a um órgão superior da mesma Corte.

Fonte: O Globo