O Estado de S.Paulo
O ‘lavajatismo’ derrubou o petismo, o bolsonarismo está derrubando o ‘lavajatismo’
O presidente Jair Bolsonaro criou e alimentou deliberadamente uma teia
de inimigos e críticos, até atrair para ela os próprios bolsonaristas
radicais e irascíveis de internet. Na reação à indicação de Augusto Aras
para a Procuradoria-Geral da República, a gritaria mais estridente não é
dos adversários, mas dos aliados de Bolsonaro. Ele acusou o golpe. A lágrima por um ano da facada revelou também
estresse e as intensas pressões que presidentes já sofrem naturalmente,
mas o atual atrai desafiadora e arrogantemente. Num raro rompante de
humildade e de contato com a realidade, ele declarou: “Reconheço as
minhas limitações, as minhas fragilidades, a minha incompetência em
alguns momentos”.
E tentou dar uma ordem de comando que já deveria ter dado há muito
tempo. Pediu, ou ordenou, aos artilheiros da internet que apagassem
“comentários pesados” atingindo o procurador Aras. Contra presidentes de
outros países, primeiras-damas, comissárias da ONU, ambientalistas,
jornalistas, defensores dos direitos humanos, ONGs, professores,
estudantes e qualquer um que pense diferente, pode. Mas contra indicado
seu não pode. A escolha de Aras aprofunda a guerra no Ministério Público e a percepção
de um forte recuo no combate aos crimes de colarinho branco, porque ele
já se manifestou contrário aos métodos de juízes, procuradores e
delegados da Lava Jato. Mas isso é detalhe, o que agita os bolsonaristas
é a suspeita de que o novo PGR, ora, ora, seja um baita de um
esquerdista.
Aras pode ser tudo, menos esquerdista, comunista ou algo do gênero.
Falante como bom baiano, ele conversa com todos os lados, mas é
conservador e crítico, por exemplo, dos excessos da era Rodrigo Janot,
acusado no ambiente jurídico e político de proteger o PT e perseguir
Michel Temer. [os excessos de Janot prejudicaram em muito o Brasil;
os tiros que disparou contra Temer foram tiros na água, mas, atrapalhou em muito a recuperação econômica do Brasil.] Se Aras cometeu um “erro”, foi o de fazer o que candidatos
costumam fazer e se tornou questão de vida ou morte com Bolsonaro:
falar o que o presidente queria ouvir.
Como ele seria “esquerdista” com um padrinho como o ex-deputado Alberto
Fraga, que é líder da bancada da bala e tem mais influência sobre o
presidente do que muito general? E seu avalista é o ministro da
Infraestrutura, Tarcísio Freitas, uma estrela do governo, já que Aras
assume o compromisso de não prestigiar o meio ambiente em detrimento do
“progresso”. Também não vai se meter com direitos humanos, minorias, questões
comportamentais. E deve tirar da frente os procuradores identificados
com Janot e os recém remanejados por Raquel Dodge, que sai no dia 17.
Mais ou menos como o embaixador júnior Ernesto Araújo foi pautado para
fazer com os embaixadores seniores do Itamaraty.
Se o MP já anda bem agitado, vai piorar muito agora, mas isso ocorreria
fosse quem fosse fora da lista, ou até da própria lista, e a expectativa
é que Aras passe no Senado. Uma vez na PGR, não vai tomar decisões
absurdas, nem atuar em permanente confronto – como Bolsonaro faz. As
coisas vão decantar.
O novo front de Bolsonaro no Congresso é outro: os vetos à Lei de Abuso
de Autoridade correm sério risco de serem derrubados, servindo de ensaio
para a votação de Eduardo Bolsonaro como embaixador em Washington. [a oposição aos vetos do presidente Bolsonaro é mais uma manobra sórdida dos que insistem em que o presidente Bolsonaro NÃO PODE EXERCER OS PODERES QUE A CONSTITUIÇÃO LHE CONFERE.
Se o Presidente Bolsonaro vetou, os contrários aos vetos, que os derrubem, se tiverem os votos necessários; não os tendo, que engulam os vetos.] Se
já pediu aos bolsonaristas de internet para pararem de bater no novo
PGR, o presidente vai ter de convencer os bolsonaristas do Congresso a
não fazê-lo passar vexame com vetos e filho.
É assim, com um PGR daqui, lei contra autoridades dali, Moro de
escanteio, empurrão no Coaf, na Receita e na PF que a era Bolsonaro vai,
na prática, vingando o PT e Lula. Se o “lavajatismo” (como diz Gilmar
Mendes) derrubou o petismo, o bolsonarismo está derrubando o
“lavajatismo”. Os “heróis de Curitiba” ficaram falando sozinhos. Ou nem
tanto?
Eliane Cantanhêde - O Estado de S. Paulo