O Supremo Tribunal Federal (STF) advertiu que não tolerará mais
intimidação por parte do bolsonarismo, originada seja das infectas redes
sociais, seja dos movimentos de camisas pardas travestidos de
patriotas, seja do primeiríssimo escalão do Executivo. Ao reagir ao disparo de fogos de artifício contra o prédio do Supremo,
feito por bolsonaristas no sábado, o presidente da Corte, ministro Dias
Toffoli, ordenou a responsabilização dos delinquentes, citando uma
“eventual organização criminosa”. O resultado da reação do Supremo não
tardou, e alguns celerados já foram presos. Se o bolsonarismo estava
testando os limites das instituições democráticas, sabe agora que o
preço de tanta desfaçatez é a cadeia. É bom, portanto, que os que
inspiram esse comportamento delinquente dos camisas pardas saibam que
chegará o dia em que terão de responder por isso. Não à toa, o ministro
Dias Toffoli, em nota, disse que as atitudes dos bolsonaristas,
“financiadas ilegalmente”, têm sido “reiteradas e estimuladas por uma
minoria da população e por integrantes do próprio Estado”.
O presidente do Supremo acrescentou que a Corte “se socorrerá de todos
os remédios, constitucional e legalmente postos, para sua defesa, de
seus ministros e da democracia brasileira”. Isso já está acontecendo:
correm no Judiciário investigações sobre inúmeras suspeitas que recaem
sobre os liberticidas que chegaram ao poder em 2018, desde o
financiamento ilegal de campanha até a organização de uma máquina de
destruição de reputações na internet. Perto do que já se sabe a respeito
disso, o disparo de fogos de artifício contra o Supremo é traque.
Ante essa pressão, não parece ter sido casual que na sexta-feira o
presidente Jair Bolsonaro tenha emitido nota para “lembrar à Nação
brasileira que as Forças Armadas estão sob a autoridade suprema do
presidente da República” e que essas Forças “não aceitam tentativas de
tomada de Poder por um outro Poder da República, ao arrepio das leis ou
por conta de julgamentos políticos”. Trata-se de uma ameaça explícita do
presidente de recorrer às Forças Armadas caso algum dos processos que
correm contra ele afinal o tire da Presidência. A nota é assinada ainda
pelo vice-presidente, Hamilton Mourão, e pelo ministro da Defesa,
Fernando Azevedo – e ambos se fizeram reconhecer no texto como generais,
embora sejam da reserva. Ou seja, há aí a pretensão de indicar uma
unidade militar em torno do presidente e de intimidar quem ousa
contrariá-lo.
O mesmo fez o ministro Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo. À
revista Veja, o general disse que é “ultrajante” a ideia de que os
militares pensem em golpe, mas “o outro lado tem de entender também o
seguinte: não estica a corda”. O “outro lado” a que se refere o ministro
são as instituições, sobretudo o Judiciário – que, na visão do general,
estará “esticando a corda” e provocando uma reação militar se entender
que houve irregularidade na campanha de Bolsonaro e cassar a chapa. Para
o ministro, qualquer resultado que não seja a absolvição do presidente
será “casuístico” – logo, inaceitável.
Trata-se de golpismo escancarado. Ora, quem “estica a corda”, dia e
noite, é o presidente da República. Na quinta-feira, dia 11, Bolsonaro
incitou seus seguidores a invadir hospitais para verificar “se os leitos
estão ocupados ou não”, pois, segundo o presidente, “tem um ganho
político dos caras”, referindo-se aos governadores, a quem acusa de
aumentar o número de mortos pela pandemia de covid-19 para
responsabilizá-lo.
É um atentado de múltiplas dimensões. Além de estimular a invasão de
hospitais e de colocar em risco a vida dos invasores e dos internados, o
presidente, sem nenhuma prova, acusa médicos de forjarem atestados de
óbito e governadores de inventarem mortos. Ora, se o presidente
estivesse mesmo interessado em saber o que se passa nos hospitais,
bastaria acionar seu Ministério da Saúde, que existe para isso, e não
atiçar seus seguidores a atuarem como polícia política. “Invadir
hospitais é crime – estimular também”, disse o ministro do STF Gilmar
Mendes, lembrando o óbvio. Como salientou outro ministro do STF, Luís Roberto Barroso, é preciso
indicar claramente que “há diferença entre militância e bandidagem”. E
lugar de bandido, seja ele quem for, é na cadeia.