ONG afirma que, ao menos 448 pessoas morreram,
cerca de 2,8 mil ficaram feridas e 595 estão desaparecidas desde o início dos
protestos no país
Na
quinta-feira passada, a Associação Nicaraguense Pró-Direitos Humanos (ANPDH)
divulgou relatório preliminar com o número de vítimas resultantes de pouco mais
de três meses de uma crise social e política que vem expondo ao mundo a
natureza cruel e autoritária do governo do presidente Daniel Ortega, no poder
intermitentemente desde a Revolução Sandinista de 1979.
De acordo
com a organização não governamental (ONG), ao menos 448 pessoas morreram, cerca
de 2,8 mil ficaram feridas e 595 estão desaparecidas desde o início dos
protestos, em 18 de abril, inicialmente contra a reforma do sistema
previdenciário aprovada dois dias antes, mas que logo se transformaram em um
movimento mais amplo contra o governo. O número de vítimas pode ser ainda
maior, uma vez que os observadores da ONG não conseguiram confirmar suspeitas
de assassinatos em áreas de difícil acesso.
A
Organização dos Estados Americanos (OEA) aprovou dura resolução no dia 18 deste
mês em que “condena veementemente” a violenta repressão aos protestos praticada
pela polícia e por milícias paramilitares a soldo do governo de Daniel Ortega,
tal como ocorre na Venezuela sob a ditadura de Nicolás Maduro.
A
Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) também responsabilizou o
governo nicaraguense por ordenar “assassinatos, execuções extrajudiciais,
maus-tratos, possíveis atos de tortura e detenções arbitrárias contra a
população predominantemente jovem”. Um desses jovens foi a estudante
universitária brasileira Raynéia Gabrielle Lima, de 30 anos, morta a tiros na
noite da segunda-feira passada em Manágua, capital do país. A informação
oficial dá conta de que a brasileira foi morta por um “segurança particular” em
local próximo ao Colégio Americano, em um bairro nobre da capital. Entretanto,
testemunhas afirmam que Raynéia, que cursava o último ano de medicina na
Universidade Americana de Manágua, foi morta por tiros disparados contra seu
carro por paramilitares que ocupam a Universidade Nacional Autônoma.
O governo
brasileiro, por meio do Ministério das Relações Exteriores, tem sido vigoroso
na cobrança das autoridades nicaraguenses para que prestem informações que, de
fato, levem ao esclarecimento do brutal assassinato de uma cidadã brasileira.
“O governo da Nicarágua diz que foi um guarda de segurança particular (quem
matou Raynéia). Mas quem foi? Qual o calibre da arma? Em que circunstâncias a
morte ocorreu? Não houve, até agora, um esclarecimento. Nós vamos insistir
porque isso nos parece absolutamente inaceitável”, disse o chanceler Aloysio
Nunes Ferreira após a cúpula dos Brics, na África do Sul.
Até o
momento, o PSOL foi o único partido do chamado campo das esquerdas a condenar,
no País, a violência praticada pelo governo da Nicarágua. “Parece claro que
Daniel Ortega esteve envolvido em violações de direitos humanos e reprimiu
violentamente as manifestações”, disse Juliano Medeiros, presidente do partido. A escalada
de terror não sensibilizou lideranças do PT, o que não chega a surpreender. A
senadora Gleisi Hoffmann, presidente do partido, preferiu se calar. Já Mônica
Valente, secretária de Relações Internacionais do PT, afirmou durante recente
reunião do Foro de São Paulo que, “depois de tantos sucessos, sofremos (a
esquerda) uma contraofensiva neoliberal, imperialista, multifacetada, com
guerra econômica, midiática, golpes judiciais e parlamentares, como ocorre na
Nicarágua hoje e ocorreu na Venezuela”.
Ao Estado,
Luciana Santos, presidente do PCdoB, relativizou a repressão do governo Ortega:
“Vemos uma tentativa de setores inconformados com a vitória do Ortega de
desestabilizar o governo popular e nacional. É um vale-tudo, como aconteceu no
Brasil e em vários países da América Latina”. A crise
na Nicarágua poderá ter alguma chance de solução se governo e oposição abrirem
diálogo sob mediação de parte independente. No Brasil, serve para separar os
democratas dos liberticidas.
Editorial - O Estado de S.Paulo