Com crise mundial e coronavírus, Planalto teme risco de nova recessão
Para analistas e Congresso, manifestação do próximo domingo serve apenas para desviar o foco de dificuldades para o governo que podem ser trazidas pelo desaquecimento da economia mundial por causa do coronavírus, que deixa rastros de prejuízos mundo afora
Ibovespa tem queda de 12,17% e empresas perdem R$ 432 bi Petrobras e Vale: valor de mercado cai R$ 126,9 bi - Paulo Guedes: reformas são a melhor resposta para a crise
'Mercado financeiro é alvo de um 'choque dentro do outro', diz economista
Para Roberto Padovani, guerra de preços do petróleo agravou nervosismo de investidores com coronavírus - O economista acredita em acordo entre Moscou e Riad sobre o petróleo
Coronavírus e guerra do petróleo: Confira guia para lidar com a crise nos mercados
O GLOBO — Como o senhor vê a guerra de preços do petróleo entre Rússia e Arábia Saudita num cenário em que o mercado financeiro já vinha sofrendo com a epidemia de coronavírus?
ROBERTO PADOVANI — Os mercados já estavam tensos com a falta de informações sobre os impactos do coronavírus. No final de semana, o preço do petróleo despencou com a guerra entre Arábia Saudita e Rússia. É um choque dentro de outro choque, agravando o nervosismo dos mercados.
Podemos ter uma nova crise como a de 2008?
Embora a volatilidade dos mercados faça lembrar a crise de 2008, não temos bolha imobiliária ou crise dos bancos, que deram início à crise financeira. Acredito que esta crise é temporária, de um ou dois meses. A China foi a origem, mas está mostrando que conseguiu controlar o problema e está servindo de referência para outros países.
Para o Brasil, qual é o impacto dessa guerra do petróleo?
Esse cenário vai gerar mais cautela entre os investidores e acaba impactando o fluxo de recursos para o país. A confiança do investidor cai com aumento da incerteza. E o Brasil terá que fazer mais leilões de campos de petróleo nesse ambiente.
Essa guerra do preço do petróleo pode durar muito tempo?
A Arábia Saudita tem muito poder de fogo. Produz petróleo a custo muito baixo. Mas houve muito ruído na negociação com a Rússia. Pode ter havido um erro de cálculo. Acho que a saída natural é que os países voltem a conversar e cheguem a um acordo.
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Mercados acionários de todo o mundo sofreram ontem perdas históricas na
esteira de uma disputa entre Arábia Saudita e Rússia sobre os preços do
petróleo —o que se somou à turbulência causada pela epidemia de
coronavírus. Os dois fatores, para analistas, formam uma tempestade
perfeita que aumenta o risco de uma recessão. Várias Bolsas amargaram as
maiores quedas desde 2008, quando eclodiu a crise financeira global. Já
o Ibovespa, principal índice da B3, desabou 12,17%, o maior desde
setembro de 1998, na crise russa. O indicador caiu aos 86.067 pontos.
Desde 23 de janeiro, quando o Ibovespa atingiu a máxima histórica de
119.527 pontos, a desvalorização acumulada é de 38,8%. Somente ontem, as
empresas com ações negociadas na Bolsa brasileira perderam R$ 432
bilhões de valor de mercado, segundo a Economática.
Mesmo com o Banco Central vendendo US$ 3,5 bilhões das reservas
internacionais, a cotação do dólar comercial subiu 2,03% a R$ 4,728,
novo recorde histórico. Durante o dia, a moeda americana chegou a
atingir R$ 4,79. O BC já anunciou que irá vender hoje mais US$ 2
bilhões. Diante da forte volatilidade, o Tesouro Nacional cancelou o leilão que faria na quinta-feira de títulos públicos prefixados.
NEGÓCIOS TRAVADOS
Às 10h31m, meia hora depois da abertura, quando o Ibovespa caía 10,02%, a
Bolsa acionou o mecanismo de circuit breaker, que trava os negócios por
30 minutos sempre que as quedas ultrapassam 10%. O mecanismo não era
acionado desde 18 de maio de 2017, um dia após o colunista do GLOBO
Lauro Jardim revelar áudios do empresário Joesley Batista que
comprometiam o então presidente Michel Temer.
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Nos Estados Unidos, as principais Bolsas também acionaram o circuit
breaker quando a queda do índice S&P 500 superou os 7%, logo após a
abertura do pregão. Os negócios ficaram suspensos por 15 minutos. Os
principais índices americanos fecharam em queda de mais de 7%, no pior
dia desde 2008. Foi a primeira vez que os negócios em Wall Street foram interrompidos desde as eleições presidenciais de 2016.
As quedas também foram fortes na Ásia e na Europa. A Bolsas da Austrália
(-7,33%) e de Paris (-8,39%) também registraram suas maiores perdas
desde a crise de 2008, enquanto a de Frankfurt (-7,94%) teve seu pior
dia desde o 11 de Setembro.
Para o economista-chefe do banco BV, Roberto Padovani, a disputa entre Arábia Saudita e Rússia piorou o que já era grave:— Os mercados já estavam tensos com a falta de informações sobre os
impactos do coronavírus. A guerra do petróleo é um choque dentro de
outro choque, agravando o nervosismo dos mercados — disse Padovani, que
observa que o grande temor dos investidores são as consequências que a
epidemia pode trazer aos outros dois motores do crescimento mundial,
além da China, que são os Estados Unidos e a Europa.
INCERTEZA CORROSIVA
Em relatório a clientes, Joachim Fels, assessor econômico global da
gestora Pimco, afirmou ver possibilidade de uma recessão nos EUA ena
Europa neste semestre. O Japão, segundo ele, já estaria em recessão. “Em
nossa opinião, o pior para a economia ainda está por vir”, escreveu
Fels.
Para Alberto Ramos, economista-chefe para América Latina do Goldman Sachs, em Nova York, a incerteza “é pior do que o risco”:
—É um cenário muito sério. Embora os governos se esforcem em conter o
avanço do coronavírus, inclusive como desenvolvimento de uma vacina,
haverá um impacto muito grande, e caminhamos a passos largos para uma
recessão global. E agora, haverá queda da demanda e aumento da oferta do
petróleo. Um novo viés negativo para o mercado.
A cotação do petróleo tipo Brent chegou a desabar mais de 30% na noite
de domingo, depois de a Arábia Saudita anunciar que cortaria seus preços
em mais de 10% e que elevaria a produção em abril.
O pano de fundo foi uma disputa coma Rússia no âmbito da Organização dos
Países Exportadores de Petróleo (Opep). O cartel tentava há semanas
costurar um acordo para reduzir a produção, devido à queda na demanda
por causa do coronavírus, que derrubou a indústria chinesa.
Mas, em um reunião no fim de semana, a Rússia decidiu não cooperar coma
Opep para reduzira produção e, consequentemente, elevar os preços. Em
represália, a Arábia Saudita decidiu cortar preços e produzir mais.
A Rússia ontem afirmou que tem capacidade de aguentar os preços baixos
por cerca de dez anos, graças a seu fundo soberano de US $150 bilhões.
Para analistas, o verdadeiro alvo da briga era a produção de shalegas
(petróleo não convencional) nos EUA, que pode não ser lucrativa com o
barril em torno de US$ 30.
O analista do Citigroup Ed Morse aval iaque o barril pode cair a US $20,
pois, pela primeira vez, um aumento da oferta ocorre junto com uma
queda na demanda.
Em relatório, a agência de classificação de risco Fitch Ratings afirma
que “os efeitos do choque do petróleo podem durar muito mais do que
aqueles do coronavírus”. O banco Goldman Sachs cortou a previsão para o
preço do barril do Brent no segundo e terceiro trimestres para US$ 30 .
O analista Ilan Arbteman, da Ativa Investimentos, porém, não vê mudança
nos fundamentos das empresas petrolíferas. Mas ressalta que o consumidor
não deve esperar que a Petrobras repasse aqueda de preços ao mercado
interno.
Economia - O Globo