O Globo
Ação e reação - Bolsonaro apoia manifestação
Distorcendo o sentido original da manifestação para ampliá-la em direção a uma improvisada advertência popular aos mandatários do país, inclusive ele próprio, Bolsonaro oficializa a manifestação e tira de seu apoio o caráter conspiratório. Mas se exime de culpa caso ela retome seu rumo inicial de criticas aos que não “deixam o homem trabalhar”, no caso ele próprio. Foi um lance improvisado, sem dúvida, pois até mesmo seu filho Eduardo estava pedindo a correligionários que não fossem à manifestação para não criar embaraços políticos a seu pai. Bolsonaro foi além e liberou os manifestantes. O ministro da Economia, Paulo Guedes, já tentara fazer isso, sem sucesso, junto aos movimentos populares de direita que organizam a manifestação. Sugeriu que ela fosse a favor das reformas, e não contra o Congresso. Mas não tem força política fora de sua área, nem a habilidade do presidente Bolsonaro, que consegue transformar as piores derrapadas em jogadas de mestre para os já convencidos.
O General Augusto Heleno, que pelo jeito gosta de uma disjuntiva, disse que é mentira que a manifestação seja contra a democracia, apesar de temas como intervenção militar ou fechamento do Congresso e do Supremo façam parte da pauta de reivindicações. Ontem, contei aqui que ao ser consultado pelo presidente da Câmara Rodrigo Maia sobre o temor de deputados de estarem sendo grampeados nas conversas telefônicas ou gravados em encontros no Palácio do Planalto no inicio do governo, o ministro tranquilizou-o: “Isso aí acabou”. Uma negativa que traz consigo uma afirmação de que em algum momento houve.
Como autor intelectual da manifestação, pois foi ele quem sugeriu que o povo fosse convocado para impedir a “chantagem” do Congresso sobre o Executivo, o General Augusto Heleno sabe que ninguém quer “calar o povo” criticando a manifestação, mas travar uma marcha antidemocrática que estava sendo estimulada pelo próprio governo. Na verdade, ninguém faz marcha a favor de alguma coisa, mas contra. Marcha a favor do aborto é contra a legislação que o proíbe ou restringe. Marcha a favor do Governo é contra os que não o deixam atuar. E ao dizer que o presidente Bolsonaro está encontrando resistências de grupos corruptos que combate, o General Heleno está endossando os manifestantes que acusam Congresso e Supremo de impedir o presidente de ir adiante.
De fato, o presidente Bolsonaro, com sua rede nos meios sociais, está criando um ambiente no país que obscurece sua incapacidade de gestão com a sombra de uma suposta manobra de “forças ocultas” que o impedem de avançar. Já vimos esse filme antes, numa tentativa de golpe do então presidente Jânio Quadros, que não deu certo. Mas Bolsonaro está tendo o cuidado de tentar criar um ambiente propício a um autogolpe, jogando seus seguidores - que hoje já não representam a maioria do povo brasileiro (sic) - contra as instituições que dão limites ao Executivo: imprensa independente, Legislativo e Judiciário. Haverá reações institucionais. [será que as reações, caso ocorram terão apoio legal? - das leis e não dos que as interpretam conforme as conveniências, interpretações que lembram a pergunta de alguns pareceristas: 'ok... um parecer?.... contra ou a favor....?"]
Merval Pereira, jornalista - O Globo