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domingo, 3 de setembro de 2023

Contribuição sindical obrigatória e mais: a agenda de retrocessos da gestão Lula para o trabalho

Governo Lula articula agenda de retrocessos para relações de trabalho [Meta do presidente petista: F ... R o trabalhador.] O TRABALHADOR.]

Contribuição sindical obrigatória e criação de vínculos trabalhistas entre empresas e profissionais autônomos estão entre as propostas

O escorpião pede ao sapo que o ajude a cruzar o rio. O sapo resiste, pois teme ser picado. 
Para convencê-lo, o escorpião diz que não faria isso, sob o risco de ambos afundarem.  
O argumento é suficiente para o sapo, mas o escorpião, que não resiste à própria natureza, acaba por ferroá-lo — e ambos morrem. 
A antiga fábula indiana pode servir para entender coisas que ocorrem no Brasil. Desde o início do ano, integrantes do governo Lula têm defendido a revisão de pontos importantes da reforma trabalhista, como o fim do imposto sindical — defendem uma volta disfarçada com algo semelhante ao imposto.  
O assunto parecia superado, mas o PT, cuja raiz vem da atividade sindical, não consegue negar a própria natureza, tal qual o animal peçonhento dos indianos. A agenda do atraso não se encerra nessa questão. Temas afeitos ao século passado, como o estabelecimento de vínculos trabalhistas entre profissionais autônomos e empresas, também voltaram a ser cogitados em Brasília.
 
A primeira frente que o governo abriu para a volta do tema foi no Supremo Tribunal Federal, pelo voto do ministro Gilmar Mendes. Sensibilizado com o enfraquecimento do sindicalismo no Brasil (veja o quadro), Mendes alterou o entendimento anterior e, assim, formou maioria para o retorno da contribuição assistencial obrigatória, que havia sido eliminada no governo Michel Temer. Ao contrário do imposto sindical, ela é estabelecida em assembleia de cada categoria, e não há um valor fixo. 
A votação no STF será retomada no início de setembro.
 
A outra frente de recomposição da atividade sindical deve ser aberta no Congresso, apesar da dificuldade que a proposta encontrará por lá. 
Um projeto de lei em gestação no governo prevê um teto para a nova taxa de até 1% do rendimento anual do trabalhador, a ser descontada na folha de pagamento e cobrada quando há negociação salarial intermediada pelo sindicato. Como essas negociações ocorrem sempre, a justificativa do governo ao dizer que isso não significa a volta do imposto é apenas retórica. “É um baita retrocesso, ruim para a população e uma sinalização péssima para a economia”, diz o economista Alexandre Schwartsman.

arte reforma

As investidas do PT não surpreendem. Durante a campanha, o presidente Lula falou em buscar novas formas de financiar a atividade sindical. Em entrevista recente ao repórter Diego Gimenes, no programa VEJA Mercado, o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, confirmou que a pasta planeja o retorno da contribuição e que ela “terá um teto”. Marinho não é o único em cruzada pela revisão da reforma trabalhista. 
O ministro da Previdência, Carlos Lupi, já a criticou publicamente ao dizer que prejudicou a vida do brasileiro. “Retroceder para reimplantar essa obrigatoriedade só interessa aos pelegos e aos sindicatos de fachada”, diz o senador Rogério Marinho (PL-RN), que foi relator da reforma na Câmara.
 Além da volta de uma espécie de fonte de custeio da atividade sindical, o governo também bate o pé pela manutenção da chamada “unicidade”, que proíbe a criação de mais de um sindicato representativo de uma categoria na mesma região. A proibição, que na prática veta qualquer tipo de concorrência, mesmo se esse for o desejo dos empregados, vai contra o que preconiza a Organização Internacional do Trabalho. “Rever isso seria importante, porque é um mecanismo atrasado que não representa o interesse do trabalhador”, reconhece Marinho.
 
(...) 
 
O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, também defende o estabelecimento de vínculos trabalhistas para motoristas de aplicativos como Uber e 99 e entregadores de encomendas. Detalhe: nem sequer os profissionais que exercem essas atividades desejam ter o seu trabalho regido pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). Em maio, uma pesquisa feita pelo Instituto Datafolha mostrou que 75% dos trabalhadores de aplicativos, inclusos aí motoristas de Uber e motoboys, preferem manter a autonomia.  
Na sociedade atual, manter o olhar no retrovisor pode frear o acompanhamento dos novos tempos. 
Sob diversos aspectos, a recriação de taxas sindicais e a imposição de vínculos trabalhistas são ideias deslocadas no tempo. 
O governo deveria entender que o mundo mudou e que trazer de volta regras do passado é um retrocesso capaz de prejudicar os próprios trabalhadores — e atrasar a economia do país.

Publicado em VEJA, edição nº 2857de 1º de setembro de 2023 


quinta-feira, 27 de abril de 2023

PL da Censura: o Brasil não pode virar uma China - Marcel van Hattem

Vozes - Marcel van Hattem

Sessão da Câmara dos Deputados que aprovou urgência para o PL das Fake News. - Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados

O maior ataque à liberdade de expressão já visto na história recente do Brasil está em curso e, infelizmente, é o Poder Legislativo quem o está protagonizando. 
O Parlamento nacional, que deve dar neste momento de nossa história o conforto de que a população necessita para ver garantidas suas liberdades, está debatendo um tema que arrisca colocar direitos constitucionais históricos do nosso povo no lixo
O Projeto de Lei 2630/2020 tem um nome orwelliano, “Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet”, e uma alcunha enganadora, “Lei de Combate às Fake News”, mas felizmente já está ficando mais conhecido popularmente por aquilo que realmente representa: uma “Lei da Censura”.
 
Na noite de terça-feira, 25 de abril, mais um passo foi dado para que a censura volte a ser realidade no Brasil com a aprovação do requerimento de urgência para incluir a matéria em pauta. 
A batalha será árdua, mas não impossível: foram 238 votos a favor e 192 votos contrários, com manobras regimentais do presidente Arthur Lira para aprovar o requerimento excepcionalmente por maioria simples (artigo 154 do Regimento Interno da Câmara, que só pode ser usado simultaneamente por duas matérias por vez) em vez de por maioria absoluta (como preconiza o artigo 155).

    Passar ao governo a tutela sobre a opinião dos seus cidadãos é caminho certo e seguro para o autoritarismo.

Considerando-se que muitos parlamentares votam a urgência sem ter compromisso com o mérito e que 83 parlamentares não votaram, é possível reverter esse placar no momento de discussão do projeto, que pode ocorrer hoje, 26, ou na próxima terça-feira, 2 de maio. 
Os interesses envolvidos pela sua aprovação, porém, são enormes. 
Além da tradicional voracidade de políticos que preferem o silêncio dos críticos à liberdade de opinião, imprensa e expressão, também o Supremo Tribunal Federal e parte relevante da mídia brasileira integram o front a favor da volta da censura no Brasil. Repito: a batalha será árdua!
 
O Supremo Tribunal Federal vem há muito tempo interferindo no processo legislativo. 
Inicialmente com opiniões, depois com decisões e, agora, com sugestões legislativas apresentadas oficialmente ao Parlamento. 
Trata-se de função que não lhe compete e, a rigor, lhe são vedadas, mas os ministros do STF não demonstram mais qualquer respeito com a lei, inclusive com aquela que regula suas próprias condutas, a Lei Orgânica da Magistratura. 
Pouco antes da abertura da Ordem do Dia na Câmara dos Deputados que aprovou o requerimento de urgência da Lei da Censura, o próprio ministro Alexandre de Moraes trouxe propostas em nome do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para que sejam incluídas no texto do PL 2630.

    Quantas vezes ainda teremos de ver o arbítrio e a ditadura imperar em países onde a política determina quais opiniões são lícitas?

Em resumo, as propostas do ministro Alexandre de Moraes trazem uma confissão: o que ele tem feito até aqui como juiz no que diz respeito ao suposto “combate às fake news” é ilegal. Ponto. 

Ao oferecer ao Congresso Nacional uma proposta de lei que dê suporte ao que ele já executa, censurando políticos e jornalistas, prendendo manifestantes pacíficos, detendo inclusive idosos e crianças, comerciantes e comediantes, Alexandre de Moraes admite publicamente e sem o menor pudor que tem agido sem lei que o respalde e em contrariedade com a Constituição.

A escalada autoritária do STF é tão desabrida e explícita, que o fato de estar admitindo sua própria infração à lei e à Constituição Nacional já não é notícia relevante no Brasil. 
Ministros do Supremo conseguiram a proeza de, ao mesmo tempo, tornarem-se atores relevantes no cenário político brasileiro e irrelevantes como operadores sérios e confiáveis do Direito pátrio.

    Alexandre de Moraes admite publicamente e sem o menor pudor que tem agido sem lei que o respalde e em contrariedade com a Constituição.

Já a mídia tradicional, ciosa com a perda de público decorrente do advento das redes sociais, decidiu apostar as fichas na capacidade do Estado para esmagar a concorrência.  
Em vez de olhar com seriedade e honestidade intelectual para dentro de suas próprias quatro paredes e entender melhor os motivos para a derrota constante para a concorrência virtual, as empresas de jornalismo profissional, com raras exceções, encontram agora no governo, que deveriam vigiar e fiscalizar, o suporte para resolver seus problemas financeiros.
 
A imprensa que outrora fez campanha intensa contra a censura, nos tempos da ditadura militar e das Diretas Já, agora usa argumentos esdrúxulos e injustificáveis para defender o cerceamento da liberdade de expressão. Faz lembrar a fábula do sapo e do escorpião:
 - o governo pode até conseguir auxiliar as empresas de mídia no curto prazo, mas é de sua natureza aferroá-la e estrangulá-la até a morte. Basta ver todos os exemplos internacionais em que governos autoritários, como o petista, cooptaram a imprensa e liquidaram com sua liberdade.

A discussão sobre liberdade de expressão e responsabilidade é imensa e intensa, impossível resumi-la em um artigo. Em tempos em que a disseminação de informação é tão rápida quanto perigosa via redes sociais, porém, não há dúvidas de que é preciso discutir e aprovar formas legais mais adequadas aos nossos tempos de combater a injúria, a calúnia e a difamação, há muito tempo já tipificados inclusive como crime no Brasil, além de outras formas de contravenção e ilegalidades cometidas online e que extravasam para o mundo real. Contudo, não podemos correr o risco de jogar o bebê fora junto com a água suja do banho.

Quando a mentira é combatida de forma errada, a primeira vítima é sempre a verdade. 
Passar ao governo a tutela sobre a opinião dos seus cidadãos é caminho certo e seguro para o autoritarismo. 
Quantas vezes ainda teremos de ver o arbítrio e a ditadura imperar em países onde a política determina quais opiniões são lícitas até que ideias como a Lei da Censura sejam apenas devaneios pensados por uma minoria radical e delirante? 
Não tenho resposta a esta pergunta, sobretudo considerados aqueles que hoje lideram os Três Poderes e os já mencionados mesquinhos, mas significativos interesses envolvidos. O Brasil, porém, não tem vocação para virar uma China em termos de censura e é por isso que nesse momento será por meio da mobilização de sua população que poderemos evitar esse destino.

Nota: para acompanhar em tempo real quais são os parlamentares a favor e contra o PL da Censura, acesse pldacensura.com

Ali é possível identificar cada deputado e pedir àqueles que são a favor da censura ou que não se posicionaram que reflitam sobre o futuro que querem para si e para o nosso país.

Marcel van Hattem, é deputado federal em segundo mandato - Coluna Gazeta do Povo - VOZES


quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Os sem noção



Certos setores da esquerda estão convencidos de que os mais de 54 milhões de brasileiros que reelegeram a presidente Dilma Rousseff são de esquerda, e que a vitória significou uma autorização para aprofundamento de um programa socializante no país, com uma Constituinte convocada por "plebiscito popular" (como se fosse possível outro tipo de plebiscito, palavra originada do latim plebiscitu - decreto da plebe) para realizar uma reforma política, instituição de mecanismos de participação popular - já derrotado no Congresso - e a inevitável "democratização dos meios de comunicação", que nada mais é do que o controle pelo governo dos órgãos independentes de informação.

Por isso, as primeiras nomeações do segundo governo Dilma estão provocando grande decepção e divisões na esquerda, que constatam com pesar que, reeleita, a presidente leu com mais pragmatismo o resultado das urnas e foi buscar nas hostes adversárias o homem adequado para estabilizar a economia que ela conseguiu desestabilizar nos primeiros quatro anos.

A nomeação de Joaquim Levy para a Fazenda está sendo digerida com muito custo, mas as pressões maiores estão voltadas para os novos ministros da Agricultura, Katia Abreu, e para o do Desenvolvimento, Armando Monteiro, dois dirigentes de associações patronais. Politicamente mais frágeis, tornaram-se exemplares de como o ministério tem uma tendência nada revolucionária, que poderia bem ter sido escolhido pelo candidato da oposição Aécio Neves.

A análise está correta, mas a ignorância que essa esquerda demonstra das raízes profundas que ancoram as nomeações mostra que um governo que se guiasse por suas obsessões não teria muito futuro. Foi assim também no primeiro governo Lula, que nomeou Roberto Rodrigues para a Agricultura e Luiz Fernando Furlan para o Desenvolvimento, além de colocar o banqueiro internacional e deputado federal tucano Henrique Meirelles no Banco Central.

Dilma repete a dose, claramente influenciada pela experiência de seu tutor Lula, mas com diferenças contra si importantes. A começar por que quem estava no comando era Lula, a única liderança incontrastável no PT. Quem ousou confrontá-lo, como Cristovão Buarque ou Suplicy, ou saiu do partido ou ficou nele sem importância. Sem falar que os tempos econômicos no mundo são outros, muito adversos.

Na economia, Lula tinha um petista de alta estirpe no comando da equipe, Antonio Palocci, e estava portanto blindada a movimentação conservadora da nova política econômica para colocar as contas nos trilhos. Para melhorar a situação, Palocci convenceu-se mesmo de que o caminho ortodoxo era o único possível para o crescimento do país, depois de longas trocas de ideias com Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central que o PT demonizou na eleição presidencial passada.

Mas foi para Arminio que Joaquim Levy telefonou antes de aceitar a proposta de trabalho petista, pois ele integrou a equipe que preparava o programa econômico para um eventual governo do PSDB. Os economistas que Palocci acolheu em sua equipe foram permanentemente perseguidos por setores petistas que não se conformavam com as novas orientações. Marcos Lisboa, Murilo Portugal, o próprio Levy, só permaneceram no ministério enquanto Palocci lhes dava respaldo. Com sua saída, no segundo governo Lula, abriu-se espaço para que a dupla Dilma Rousseff no Gabinete Civil e Guido Mantega na Fazenda fosse desmontando as conquistas feitas pelos "conservadores", preparando a derrocada que seria o primeiro governo Dilma.

Nem mesmo os fatos negativos produzidos nos últimos quatro anos são suficientes para convencer esses grupos esquerdistas que sua receita de aumento de gastos sem base na arrecadação, gerando déficit primário em vez de superávit; aumento da dívida bruta com a utilização dos bancos públicos como biombos; descontrole da inflação; balança de pagamentos negativa, levou o país a uma situação de descontrole que só mesmo um salto triplo carpado como o dado por Dilma poderia mudar a perspectiva futura do país.

Eles ainda acreditam que os eleitores da classe média emergente e os pobres que recebem o Bolsa Família votaram em Dilma ideologicamente, e não entendem que o que esses eleitores fizeram foi votar a favor do conservadorismo, acreditando erradamente que estavam ajudando a manutenção do emprego e do salário. A permanecer essa disputa ideológica contra a realidade que se impõe, vai ser muito difícil Joaquim Levy levar adiante seu projeto. E o escorpião, fiel à sua natureza, vai ferrar quem poderia levá-lo a atravessar o rio a salvo da correnteza.

Fonte: Merval Pereira