É sabido, e já foi bem estabelecido, que a progressiva degradação
institucional brasileira tem raiz no enfraquecimento terminal do Poder
Executivo precipitado ao longo dos governos Dilma Rousseff e Michel
Temer. O poder tem horror ao vácuo, então este foi sendo preenchido por
atores laterais, mas com apetite e senso de oportunidade. Mesmo quando a
coisa adquiria certo caráter fantasmagórico, pela inadequação dos
personagens.
Assim, entramos há alguns anos na era da disputa feroz pelas atribuições
de poder moderador, formalmente abolido com a proclamação da República,
mas materializado de fato desde então na proeminência do Executivo,
liderado pela figura do Presidente da República, que atua como um
regente da orquestra. Bem ou mal, em períodos ditos democráticos ou nem
tanto, isso funciona como ponto de equilíbrio institucional. [Atualizando: proeminência sepultada em atos do STF sufocando o Poder Executivo, buscando desautorizar o presidente da República e com declaração do ministro Dias Toffoli que o Supremo é o Poder Moderador. (o que ele disse não foi confirmado pelo Congresso Nacional com aprovação da necessária PEC criando um quarto poder. Só que alguns ministros do STF consideraram a Constituição já emendada e o STF confirmado como PODER MODERADOR. A situação só não consolidou de vez devido o presidente da República ter se rebelado contra alguns supremos abusos.)]
O conflito que se desenha entre o Supremo Tribunal Federal e o
presidente Jair Bolsonaro em torno da graça ao deputado Daniel Silveira
ensaia ser um marco. Não se vislumbra, por enquanto, uma situação de
empate. A turma do deixa disso anda sem espaço. A dúvida resume-se a
quem vai aceitar se submeter à força superior do outro. Quem capitulará.
E tem eleição presidencial daqui a cinco meses e alguns dias.
Visto que no momento nenhum lado dessa disputa de bonapartismos acumulou
força para impor a capitulação incondicional, uma curiosidade é quem
vai errar primeiro. Quem vai dar o passo que possa cristalinamente ser
caracterizado como fora das regras do jogo. Costuma ser um catalisador
em rupturas. Nesse particular, ambos os contendores vêm exibindo certo
sangue-frio. O que não deixa de ser admirável, dada a quantidade de
fichas sobre a mesa.
Enquanto as torcidas esgoelam-se e arrancam os cabelos, segue a guerra
de posição. Uma guerra de trincheiras, com preeminência para a
artilharia. Quem se arrisca a sair para campo aberto, como Silveira, tem
chance elevadíssima de ser alvejado, restando ao indigitado a esperança
de sobreviver aos tiros e ser resgatado pelas próprias tropas. O
deputado foi, por Bolsonaro. No momento, está ferido mas vivo.
Falar em “desejável” no âmbito da política é correr grave risco de cair
nas platitudes habituais. Dito isso, o desejável é que os fatos se
encaixem num ambiente capaz de preservar a normalidade interna até o
eleitor ser chamado à urna para decidir afinal quem vai ter o direito de
se sentar na cadeira do Planalto por quatro anos a partir de janeiro de
2023. E será desejável que o resultado seja reconhecido por
unanimidade. "Análise de conjuntura" no momento é calcular em tempo real
essa probabilidade.
Em situações assim, é natural que os campos políticos com maior
potencial eleitoral estejam entre os primeiros a querer evitar o
desandar da maionese. Desde que, naturalmente, não se vejam em risco de
remoção do tabuleiro. Já a turma que está em desvantagem, correndo atrás
do prejuízo, precisa criar o chamado “fato novo”. Dar uma agitada no
cenário para ver se algo de diferente faz ressurgir a esperança de
chegar lá.
E haja metáforas.
Alon Feuerwerker, jornalista e analista político