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terça-feira, 9 de novembro de 2021

O RABO DOS MACACOS - Percival Puggina

De uns tempos para cá, a militância esquerdista brasileira parece haver encontrado o que fazer na afirmação de pautas ambientais e identitárias, ideologia de gênero, domínio do vocabulário e imposição do “politicamente correto”. A jornada se completa com algumas ações do tipo “Fora Bolsonaro” escrito assim, sem vírgula e sem ponto de exclamação. Mas aí já seria exigir demais.

Ao procurar votos por esses caminhos, estabelecendo a cizânia e, principalmente, restringido a liberdade de expressão, a esquerda acordou sua adormecida divergência natural. Aqui e ali, dispersos, os conservadores começaram a sentir cheiro de fumaça e passaram a reagir de modo inevitavelmente crescente, num mecanismo de autodefesa.

Lembro-me bem da primeira vez em que fui advertido de estar sendo politicamente incorreto. Eu criticara o incremento da gravidez na adolescência e seus efeitos, por vezes devastadores, sobre a vida de tantas jovens. Lá pelas tantas, denunciei a promiscuidade incentivada pela moderna produção “cultural”, especialmente por aquela produção voltada para a juventude. 
Meu interlocutor julgou-se no direito de me acusar de estar sendo politicamente incorreto ao desqualificar, com palavras e autoritarismo moralista, a “opção” das garotinhas. Minha resposta foi ainda mais incorreta e não caberia reproduzir aqui.

Por cancelar o debate sobre certos temas ditos sensíveis e dá-los por consensuais e irrecorríveismalgrado sejam insustentáveis numa interlocução esclarecida e bem intencionada – o “politicamente correto” deixa de ser civilizado e benéfico para ser uma velhacaria.

Impõe, assim, uma servidão mental e se vai, pouco a pouco, entregando as liberdades para o discernimento e a tutela daqueles que confiam mais no Estado e no partido do que em si mesmos e na sociedade. Parcela poderosa do Estado e muitos partidos querem exatamente isso.  

Breve não lembraremos mais o caso do jogador Maurício Souza, como não lembramos o caso do delegado que, manifestando-se sobre o estupro de uma menina de 11 anos pelo homem que vivia com a mãe, afirmou “haver crianças pagando muito caro pelo rodízio de padrastos em casa”. O autor da frase foi qualificado como machista e exonerado da função que ocupava na área de comunicação social de sua instituição.

Sempre que me deparo com esse tipo de abuso, essa estatização de conceitos, versões e narrativas como ação política, fico me perguntando se é para isso que nós, cidadãos, formamos partidos e instituímos poderes. Onde e quando esses poderes e partidos ocupam-se do Brasil real? 

Principalmente, quando vão entender quão politicamente incorreto é seu agir e o quanto são cúmplices, por omissão ou interesse próprio, em relação a tantos de nossos males? 
Existe algo politicamente mais incorreto do que políticos incorrigíveis?

* Percival Puggina (72), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.


sábado, 2 de setembro de 2017

Politicamente correto e servidão mental

Lembro-me da primeira vez em que fui advertido de estar sendo politicamente incorreto. “Isso significa que não posso usar a palavra promiscuidade?”, perguntei receoso. “Claro que não pode!”, foi a resposta que ouvi. Desde então, ser contra essa arenga virou preceito para mim. Tornou-se evidente, ali, que o controle do vocabulário é sutil forma de dominação cultural e política. Impõe servidão mental.

O politicamente correto declara encerrados certos debates e dá por consensuais, por irrecorríveis, conceitos boa parte das vezes insustentáveis numa interlocução esclarecida e bem intencionada. Estamos vendo isso acontecer todos os dias e o fato que trago à reflexão dos leitores dá testemunho.  Encontrei-o por acaso, na internet.

Em maio passado, um delegado de polícia, que é também jornalista, comentou em grupo do whatsapp um estupro de menor (menina de 11 anos que vivia com a mãe). Referindo-se ao caso, observou que “crianças estão pagando muito caro por esse rodízio de padrastos em casa”. O delegado ocupava função de direção na área de comunicação social de sua instituição. A frase foi qualificada como machista e ele, de imediato, exonerado. Fora, politicamente incorreto! Constatara uma obviedade: as sucessivas trocas de parceiros por parte de mulheres independentes expunha as crianças a contatos de risco.

Indagado pelo Jornal Metrópole sobre se estava arrependido o delegado respondeu que não.
“Precisamos discutir responsabilidades e freios morais. As crianças não podem pagar pelas atitudes desmedidas dos adultos, sejam eles homens ou mulheres. Quem leva uma prostituta para casa está arriscando a segurança de seus filhos. Da mesma forma como alguém que levar um psicopata, um ladrão, um homicida para dentro de casa estará colocando a vida dos filhos em risco”. E mais adiante: “Precisamos ter responsabilidade para enfrentar esse tema”.

Criado o monstro é preciso alimentá-lo. E ele é nutrido por casos como esse em que o referido delegado ousou expor ideias que não devem ser expressas. Uma coisa é a dignidade da pessoa humana e o respeito a ela devido. Outra é assumir que, em vista dessa dignidade, resultem abolidos os valores que lhe são inerentes. Ou que esses valores sequer possam ser explicitados em público. E ai de quem faça alguma afirmação na qual se possa intuir fundamento religioso ou da moral correspondente!

A afirmação do policial foi irretocável, mas envolvia uma advertência sobre o exercício irresponsável dos direitos sexuais. E há, sim, uma correspondência entre direitos e deveres que, na situação genérica descrita, são os da mãe, do pai, ou do cuidador responsável por menores no âmbito do lar. Ora bolas!

Estado versus Sociedade, sequestro e extorsão
É verdade que a hegemonia esquerdista desgraçou-se naquela esquina do tempo
em que a crise causada pela irresponsabilidade fiscal se encontrou com as revelações sobre a corrupção. Mas o projeto para a conquista da hegemonia era primoroso. Fazia parte dele o fatiamento da sociedade com a escolha de determinados grupos sociais contra os quais se lançaram todas as injúrias de modo a suscitar animosidade. Era a velha luta de classes adquirindo múltiplas formas num engenhoso caleidoscópio político.

Estão no foco dos antagonismos e execrações cultivadas ao longo das últimas três décadas:
os conflitos “raciais” e a imediata identificação da população branca como devedora de uma conta acumulada em três séculos e vencida desde 1888;
• os conflitos de “gênero”, em que as presunções de responsabilidade recaem sobre os heterossexuais do sexo masculino que, ademais, são presumivelmente machistas;
• os conflitos de classe social, onde os ressentimentos se concentram nos andares mais altos da classe média para cima, lá onde se situam os maiores ódios de Marilena Chauí;
• os conflitos retrô do mundo do trabalho, institucionalmente patrocinados, nos quais o setor público, supostamente abnegado e generoso, vê com maus olhos o setor produtivo da economia e o “diabólico” mercado.
os conflitos geracionais, face aos quais, quem tiver mais de 40 anos, é um opressor, inconformado com a liberdade, autonomia, ideias e estilos de vida das gerações mais jovens, devendo ser rejeitado por todos que aí se enquadrem, inclusive pelos próprios filhos.


De início foi um estratagema petista. Com o tempo, consolidaram-se os conceitos e todos os partidos de esquerda passaram a adotá-lo. A imensa maioria dos demais participantes dos mecanismos de formação da opinião pública a ele aderiram: grandes meios de comunicação, mundo acadêmico, agentes do ambiente cultural, militantes em ambientes virtuais e, até mesmo, grupos religiosos. No andar da carroça foram nascendo centenas de movimentos, ditos sociais, cuja existência tem tudo a ver, e só tem a ver, com a organização desses antagonismos, cujo plantio ocorreu diante de nossos olhos.

Ao unir e estruturar uma infinidade de minorias para criar e gerir conflitos, a esquerda brasileira, pilotada pelo PT, definiu esse empreendimento como essência do famigerado “politicamente correto”. Enquanto o cultivava, como estratégia diversionista, chegava ao poder e implementava aquilo que, desde logo, deveria ter sido compreendido como o conflito real, a ser enfrentado com total dedicação: a opressão do Estado contra todos, inclusive aqueles que a esquerda arregimentou para suas causas

De fato, o Estado brasileiro, de modo crescente, pratica contra a nação, sua vítima, os crimes de sequestro e extorsão. A cidadania nos põe, de modo irrecorrível, a mercê de um triplo garrote fiscalfederal, estadual e municipal – que não nos deixa alternativa.
Acabei de descrever o grande golpe através do qual o Estado, hegemonizado pela esquerda que se concentra nos seus quadros, subjugou e imobilizou a soberania popular. Um verdadeiro ippon no judô da política.

Fonte: Percival Puginna -  http://puggina.org