Pasta comandada por Pazuello avisa que usará Lei de Segurança Nacional contra quem passar informações sobre a cúpula. A justificativa é que, no âmbito do coronavírus, as divulgações de imagens e informações podem comprometer a soberania
O movimento do governo em restringir informações e estratégias debatidas
para o enfrentamento da covid-19 atingiu as instâncias internas do
Ministério da Saúde. Para proteger informações discutidas no primeiro
escalão da pasta, servidores lotados no gabinete do ministro interino,
coronel [general-de-divisão] Eduardo Pazuello, foram obrigados a assinar um termo de sigilo
sob a ameaça de serem enquadrados na Lei de Segurança Nacional (LSN).
Todos os servidores que têm contato mais próximo com Pazuello assinaram o
termo há duas semanas. A justificativa é de que, no âmbito da situação
de emergência de saúde, a divulgação de imagens e informações poderiam
comprometer a soberania, integridade e democracia.
O documento, cuja assinatura com nome completo e cargo foi obrigatória,
se tratava de uma declaração afirmando se “ter ciência da obrigação
legal de manter em sigilo todas as informações e planos de ações
estratégicas debatidas e definidas no âmbito do gabinete do ministro do
Ministério da Saúde”. A proibição de filmar ou tirar foto no ambiente
foi mencionada. “A divulgação de imagem ou informação também configura
crime contra a segurança nacional, previsto na lei 7.170 de 14 de
dezembro de 1983”, dizia o texto, mencionando a LSN, sancionada à época
da ditadura e conhecida pelo caráter intimidador.
Evocada para enquadrar desde atos grevistas até o atentado contra o
então candidato à presidência Jair Bolsonaro, a lei voltou à tona no
início desta semana. O ministro da Justiça, André Mendonça, a usou para
pedir a investigação de uma charge que associa Bolsonaro ao nazismo.
Em
abril, o procurador-geral da República, Augusto Aras, também evocou a
lei para abrir inquérito contra manifestantes que defendem a volta do
AI-5, ato mais duro de repressão ditatorial e que contraria o estado
democrático de direito. [expressar o desejo da volta de uma legislação nos moldes do Ato Institucional nº 5, AI 5, é um crime impossível.
É permitido a qualquer cidadão expressar qualquer tipo de desejo - cabendo punição caso na expressão do desejo cometa algum crime ou ofenda alguém.
(.....)
Palavra de especialista
"Existe
uma linha muito tênue, estreita, entre liberdade e autonomia do cargo
público. A liberdade de expressão nunca vai poder ser polida. Agora,
ainda mais neste momento de pandemia, existem dados de saúde que o
servidor trata, manipula, convive, trabalha, que não são dele. Às vezes,
não é interesse do Estado que esses dados sejam divulgados, e um
servidor público não pode soltá-los.
Em
ato contínuo, os servidores têm o dever legal de não expor dados que
estão em posse do governo, sob pena de responder a sanções
administrativas e até penais ou civis (imagine se vaza uma lista de
todas as pessoas infectadas com covid-19 no Brasil). A Lei de Segurança
Nacional, neste caso, deve ser analisada como lei em analogia aos crimes
ali cometidos.
A precaução do
ministério também encontra guarda na responsabilidade objetiva do
Estado. Caso ocorra o exemplo anterior, um vazamento de lista, todo
afetado tem direito de ser indenizado pelo Estado; e o Estado pode
cobrar de seus colaboradores, se eles possuíam ciência da
responsabilidade dos dados que estavam em suas mãos.
Contudo,
no contraponto a isso, a Lei de Acesso à Informação garante que todo
cidadão tem o direito de ter acesso às informações de qualquer órgão,
desde que não afete a segurança da nação. Assim, essa declaração firmada
poderá infringir o referido direito às informações. [tem duas leis em conflito:
- uma, a LSN, necessária à preservação da SOBERANIA do Brasil; e,
- outra, totalmente sem sentido, absurda, desnecessária, inconstitucional, por ter normas nela inseridas via decreto regulamentador.]
Isso tudo será analisado no STF. Contudo,
neste momento, devemos analisar se as informações do Ministério da
Saúde, possuem ou não o condão de afetar a segurança nacional. Se
afetar, pode-se enquadrar em algum artigo da referida lei; se não, essa
famosa declaração que os servidores assinaram será em vão, apenas para
cumprir as formalidades de isenção de responsabilidade civil do Estado.
Ou seja, não trará problemas aos servidores.",
Elizeu Silveira, advogado especialista em administração pública.
Correio Braziliense, ler a matéria na íntegra