Determinada pela Constituição, ela objetiva dar visibilidade às ações de Estado e de agentes públicos
Ações sucessivas nos últimos 17 meses indicam um esforço do governo Jair
Bolsonaro para desidratar a Lei de Acesso à Informação (nº 12.527). Ela
foi determinada pela Constituição, promulgada 23 anos antes, para
garantir plena visibilidade às decisões de Estado e aos atos dos agentes
públicos, incluindo a sua remuneração. Em janeiro de 2019 o governo editou decreto autorizando servidores
comissionados a classificar documentos com níveis de sigilo
ultrassecreto e secreto. O decreto acabou revogado pelo Congresso. [A Lei de Acesso à Informação - LAI - já 'nasceu' precisando de correções, visto que a pretexto de atender disposição constitucional - inciso XXXIII do artigo 5º, CF (aquele famoso que concede dezenas de direitos sem a contrapartida de obrigações) e parágrafo 6º do artigo 39 - violou a própria Carta Magna.
Além de ampliar exageradamente, ampliação sem suporte constitucional, acharam pouco e com aval do a época ministro do STF, Ayres Britto, inseriram na LAI, via Decreto regulamentador da mesma LAI, um parágrafo permitindo o que a Constituição não exige e mais grave, a LAI, editada a pretexto de atender à Constituição Federal, viola um direito previsto na CF. Pode?
No Brasil pode.
Confira aqui, inclusive legislação e liminar do Supremo determinando a inserção ilegal.]
Na sequência, em abril, o governo se recusou a divulgar os estudos que
fundamentavam a reforma da Previdência. Houve reação do Legislativo, e
acabaram liberados. Em setembro do ano passado, a Secretaria-Geral da Presidência se recusou
a autorizar a liberação de documentos usados para embasar a decisão de
Bolsonaro no episódio da sanção da Lei de Abuso de Autoridade. Usou um
argumento esdrúxulo, a relação de sigilo entre o “cliente”, no caso o
governo, e seu consultor jurídico, a Advocacia-Geral da União.
A lei prevê recurso à Controladoria-Geral da União. Em dezembro, ou
seja, mais de três meses após a requisição das informações, a
Controladoria determinou à Presidência a entrega de todos os documentos,
pois, nos termos da lei, a alegação da Secretaria-Geral não se
aplicava. Fixou prazo de 60 dias. Os atropelos à legislação prosseguiram no Palácio do Planalto e, nove
meses depois da solicitação dos papéis, o governo estabeleceu um novo
entendimento: documentos produzidos no setor público só são públicos se o
advogado público concordar com sua liberação ao público.
Em março último, o presidente assinou Medida Provisória suspendendo a
tramitação das requisições de informação devido à escassez de pessoal na
pandemia. O Supremo Tribunal Federal suspendeu a MP.
Dessa forma, praticamente se anula uma lei determinada pela
Constituição, aprovada pelo Congresso e respaldada pelo Supremo em
inúmeras sentenças, inclusive na recente decisão do ministro Celso de
Mello sobre a divulgação da tragicômica reunião ministerial de abril.
Ele reiterou: “Os estatutos do poder, em uma República fundada em bases
democráticas, não podem privilegiar o mistério.”
A essa mesma legislação se referiu na quarta-feira o ministro Bruno
Dantas, do Tribunal de Contas da União, ao examinar o balanço financeiro
do governo em 2019. Anotou não somente o déficit de transparência nas
despesas com divulgações oficiais como, também, identificou “risco de
que os recursos públicos possam estar sendo utilizados para manipular as
demais informações que circulam pela sociedade”. O governo precisa cumprir a Constituição. Até porque, como tem repetido a
ministra Cármen Lúcia em julgamentos do STF, “não se pretende mais
aceitar, como legítima, a democracia da ignorância”. [talvez, tenha sido a democracia da ignorância que impediu o ex-presidente Temer de nomear um ministro de Estado.]
Editorial - O Globo
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