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sexta-feira, 21 de julho de 2023

Fábricas de espantalhos - Percival Puggina

Leio em O Globo:

A Procuradoria-Geral da República (PGR) solicitou ao Supremo Tribunal Federal (STF) que as plataformas de redes sociais apresentem todas as publicações do ex-presidente Jair Bolsonaro referentes a eleições, urnas eletrônicas, Forças Armadas e o próprio STF, entre outros temas.

O subprocurador-geral da República Carlos Frederico Santos, responsável pelas investigações dos atos golpistas, ressalta que essa solicitação já havia sido feita, mas que não foi analisada por Moraes. Por isso, Santos reiterou o pedido nesta segunda.

(...)

Além disso, quer que as redes apresentem as métricas de cada publicação, como visualizações, curtidas, compartilhamentos e comentários. Ainda foi solicitada uma lista completa dos seguidores de Bolsonaro.

        São 70 ou 80 milhões de pessoas (a notícia teria produzido um rápido crescimento no número de seguidores), mas – calma pessoal! – segundo o subprocurador afirmou na semana passada, o investigado é apenas o ex-presidente, e, ademais, a PGR não teria como processar milhões de cidadãos. Antes do esclarecimento, eu tinha certeza disso. Agora já não tenho mais, como veremos adiante.

Todos esses quantitativos solicitados as próprias plataformas disponibilizam por publicação. As incertezas começam quando aparece a palavra “comentários” porque estes são individualizados.

Essa história não tem lado bom. Um lado devassa as opiniões políticas de dezenas de milhões de cidadãos e o outro rompe com objetivos do sigilo do voto, inerente às democracias. [entendemos conveniente ressaltar que a nossa democracia é relativa, daquela com alguns absurdos, dos quais destacamos que muitas vezes a pretexto de preservá-la uma autoridade pode causar mais danos do que a infração que busca coibir.]
 O sigilo do voto protege o eleitor de quem lhe possa causar dano (ou recompensa) por suas opiniões não voluntariamente expressas, que se revelam quando se sabe em quem ele votou ou não votou. 
Se “avaliar o conteúdo” se referir apenas ao vídeo do ex-presidente, o pedido deveria ser de outra natureza; ao incluir os conteúdos dos comentários, o que acontecerá com as pessoas cujas opiniões não forem do agrado do escrutinador? Quem deu ao Estado esse direito? Ah, pois é!
 
A democracia requer instituições, mas também depende de como elas procedam. 
O que está em curso no Brasil é um arremedo do regime e dos meios de ação narrados no conhecido filme “A vida dos outros” (Das leben der Anderen, Oscar de melhor filme estrangeiro de 2007).  
Até 1990, o regime comunista da Alemanha Oriental e seu partido único, o SED, contavam com os serviços da Stasi, para controlar a vida dos alemães orientais, oprimir opositores e dar suporte ao SED. A Stasi chegou a dispor de 90 mil servidores fixos e 170 mil informantes. “Funcionou bem?”, indagará o leitor. Sim, durou 40 anos, respondeu por 250 mil prisões, sustentou o luxo da elite partidária e o rotundo fracasso do comunismo na terra do velho Karl! 
Em todos os países satélites atuavam filhotes da KGB, como a própria SED, a KDS búlgara, a Securitate Romena, a StB tcheca.
 
Muito me preocupa o que vejo acontecer. Tenho saudades da Constituição de 1988, mesmo com seus gravíssimos equívocos.  
A cada dia mais e mais esqueletos são levados para o armário da memória e dos arquivos. As bobagens proferidas não voltam para a boca e a censura não apaga o que os olhos viram. 
Alguém ainda vai ganhar muito dinheiro com documentários sobre estes anos loucos e suas fábricas de espantalhos.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.


quarta-feira, 23 de maio de 2018

Simulacro de democracia

Não há a menor perspectiva de um desfecho para o drama venezuelano, seja pelas urnas, seja por um golpe de Estado perpetrado pelos militares

Nicolás Maduro foi reeleito presidente da Venezuela, no domingo, com 5,8 milhões de votos, mais do que o triplo de seu principal adversário, Henri Falcón, que obteve 1,8 milhão de votos. A eleição só atraiu 46% do eleitorado.  “Nunca antes um candidato havia ganho com 68% dos votos. Nocaute”, disse Nicolás Maduro pouco depois de sua vitória ter sido declarada pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE).

O Brasil e mais 13 países que integram o chamado Grupo de Lima divulgaram declaração conjunta em que afirmam não reconhecer o resultado da eleição na Venezuela “por não estar em conformidade com os padrões internacionais de um processo democrático, livre, justo e transparente”. O grupo estuda a adoção de sanções diplomáticas e econômicas que podem isolar ainda mais o regime chavista.  A posição do Brasil no caso é um avanço digno de nota. Não é difícil imaginar o apoio que Nicolás Maduro e o regime chavista teriam caso o País ainda estivesse entregue à inépcia de Dilma Rousseff.  Fosse em um país genuinamente livre, onde valem preceitos caros à democracia, como eleições limpas e oposição independente, os venezuelanos dificilmente renovariam o mandato de um dos responsáveis pela maior tragédia política, econômica e humanitária da América Latina em muitas décadas.

Mas fraudar uma eleição já é parte essencial do chavismo. O chamamento do povo às urnas é somente uma demão de verniz de democracia na crosta de uma das mais cruéis ditaduras de um continente que sabe muito bem reconhecer quando está diante de uma delas. Mas até este simulacro de democracia pode estar em risco com a reeleição de Nicolás Maduro, cujo novo mandato vai até 2025. A espiral do arbítrio já não ilude ninguém.
Henri Falcón denunciou mais de 900 irregularidades no pleito. As mais graves delas foram as ameaças de milicianos ligados ao governo e a instalação dos “postos de informação e controle” do regime chavista a cerca de 200 metros dos locais de votação.

Sem armas à vista, mas paramentados com o tradicional uniforme preto, milicianos chavistas bateram de porta em porta nas favelas de Caracas para “recomendar” o voto em Nicolás Maduro. A reportagem do Estado apurou que os milicianos ameaçavam retaliar à bala os que fossem contra a manutenção do que chamam de “revolução”, caso o presidente não fosse reeleito. De acordo com o candidato derrotado, quem registrava o seu voto nos chamados “postos vermelhos” recebia 10 milhões de bolívares, cerca de 12 dólares, ou quatro vezes o salário mínimo. “Não houve eleições e é necessária uma nova votação. Prometeram 10 milhões de bolívares a quem registrar seus votos nos ‘postos vermelhos’. Não podemos vender nossa dignidade”, afirmou Henri Falcón.

Em um país de miseráveis, onde crianças, adultos e idosos disputam comida com animais nas ruas e um prosaico pote de sorvete chega a custar o equivalente a 1.200 tanques de combustível, o sigilo do voto não toca a consciência cívica dos que têm o estômago roncando.  Traço distintivo da atual feição do chavismo é a cooptação dos militares em níveis ainda mais profundos do que aqueles vistos ao tempo do coronel Hugo Chávez. No passado, as Forças Armadas venezuelanas atuavam como uma espécie de poder moderador durante as crises, mas hoje estão de tal forma ligadas ao regime, ocupando altos cargos políticos e administrativos em empresas estatais, que seus destinos estão umbilicalmente ligados à sorte do atual governo.

Não há, portanto, a menor perspectiva de um desfecho para o drama venezuelano, seja pelas urnas, seja por um golpe de Estado perpetrado pelos militares. E cada triunfo do caudilho em sua escalada de arbítrios é uma fragorosa derrota para todos aqueles que sonham com o fim da crise que destrói a Venezuela sob o jugo chavista.

Editorial - O Estado de S. Paulo - Coluna Augusto Nunes - VEJA

 

terça-feira, 17 de outubro de 2017

Moraes defende julgamento de caso Battisti pelo plenário do STF

Um dia depois de o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), liberar para julgamento da Primeira Turma o habeas corpus do ex-ativista italiano Cesare Battisti, o ministro Alexandre de Moraes afirmou nesta terça-feira, 17, que o tema deveria ser discutido no plenário da Corte.  Moraes destacou que o Regimento Interno do STF prevê sentença no pleno para habeas corpus contra ato de presidente da República. Fux concedeu liminar na sexta-feira, 13, para impedir que houvesse a extradição de Battisti enquanto não fosse julgado o mérito do habeas. O ministro do STF atendeu o pedido da defesa, que apontou possibilidade de uma eventual decisão do Palácio do Planalto pela extradição se tornar irreversível. Na decisão, Fux afirmou que a decisão ocorreria no dia 24, quando haverá sessão da Primeira Turma.

Nesta segunda-feira, 16, Fux liberou, formalmente, o julgamento do habeas de Battisti para a Primeira Turma do Supremo. Colega do ministro no colegiado, Moraes defende a apreciação do caso pelo plenário do tribunal. “Óbvio que não deve ser Turma. É um habeas corpus preventivo contra um presidente da República; só pode ser plenário. Ele Fux botou o dia de julgamento para a Primeira Turma, mas o Regimento é muito claro: habeas corpus contra presidente da República é plenário”, disse, ao chegar para a sessão da Primeira Turma. “Aí, é um habeas corpus preventivo contra o presidente da República que, pelo Regimento Interno, é o plenário. Eu acho que tem de cumprir o regimento”, completou. Além de Moraes e Fux, integram a Primeira Turma do STF os ministros Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Marco Aurélio Mello. Barroso, que já atuou na defesa de Battisti antes de ingressar no Supremo Tribunal, não participará do julgamento.

Votação
Moraes também comentou a liminar que concedeu, determinando que o Senado realize de forma aberta a votação sobre o afastamento do presidente nacional licenciado do PSDB, senador Aécio Neves (MG), das funções parlamentares, conforme estabelecido pela Primeira Turma do STF em setembro. Para o ministro, a regra para o parlamentar é a publicidade.  “A regra do eleitor é o sigilo do voto, que garante a liberdade do eleitor pra que ele não possa ser perseguido, não possa ser induzido. A regra pro parlamentar é a publicidade, para que ele possa ser controlado pelo eleitor. Para que ele preste contas ao eleitor”, ressaltou.
“É o que eu coloco no voto: os parlamentares têm de ter imunidade para poder exercer as suas funções. Tem total liberdade de votar como quiser, só que tem de ter responsabilidade para expor isso perante a sociedade”, concluiu.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo